quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Concílio Vaticano II - CONSTITUIÇÕES.



CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA
DEI VERBUM
SOBRE A REVELAÇÃO DIVINA

PROÉMIO


Intenção do Concílio

1. O sagrado Concilio, ouvindo religiosamente a Palavra de Deus proclamando-a com confiança, faz suas as palavras de S. João: «anunciamo-vos a vida eterna, que estava junto do Pai e nos apareceu: anunciamo-vos o que vimos e ouvimos, para que também vós vivais em comunhão connosco, e a nossa comunhão seja com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo" (1 Jo. 1, 2-3). Por isso, segundo os Concílios Tridentino e Vaticano I, entende propor a genuína doutrina sobre a Revelação divina e a sua transmissão, para que o mundo inteiro, ouvindo, acredite na mensagem da salvação, acreditando espere, e esperando ame (1).

CAPÍTULO I

A REVELAÇÃO EM SI MESMA

Natureza e objecto da revelação

2. Aprouve a Deus. na sua bondade e sabedoria, revelar-se a Si mesmo e dar a conhecer o mistério da sua vontade (cfr. Ef. 1,9), segundo o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, têm acesso ao Pai no Espírito Santo e se tornam participantes da natureza divina (cfr. Ef. 2,18; 2 Ped. 1,4). Em virtude desta revelação, Deus invisível (cfr. Col. 1,15; 1 Tim. 1,17), na riqueza do seu amor fala aos homens como amigos (cfr. Ex. 33, 11; Jo. 15,1415) e convive com eles (cfr. Bar. 3,38), para os convidar e admitir à comunhão com Ele. Esta «economia» da revelação realiza-se por meio de acções e palavras ìntimamente relacionadas entre si, de tal maneira que as obras, realizadas por Deus na história da salvação, manifestam e confirmam a doutrina e as realidades significadas pelas palavras; e as palavras, por sua vez, declaram as obras e esclarecem o mistério nelas contido. Porém, a verdade profunda tanto a respeito de Deus como a respeito da salvação dos homens, manifesta-se-nos, por esta revelação, em Cristo, que é, simultâneamente, o mediador e a plenitude de toda a revelação (2).

Preparação da revelação evangélica

3. Deus, criando e conservando todas as coisas pelo Verbo (cfr. Jo. 1,3), oferece aos homens um testemunho perene de Si mesmo na criação (cfr. Rom. 1, 1-20) e, além disso, decidindo abrir o caminho da salvação sobrenatural, manifestou-se a Si mesmo, desde o princípio, aos nossos primeiros pais. Depois da sua queda, com a promessa de redenção, deu-lhes a esperança da salvação (cfr. Gén. 3,15), e cuidou contìnuamente do género humano, para dar a vida eterna a todos aqueles que, perseverando na prática das boas obras, procuram a salvação (cfr. Rom. 2, 6-7). No devido tempo chamou Abraão, para fazer dele pai dum grande povo (cfr. Gén. 12,2), povo que, depois dos patriarcas, ele instruiu, por meio de Moisés e dos profetas, para que o reconhecessem como único Deus vivo e verdadeiro, pai providente e juiz justo, e para que esperassem o Salvador prometido; assim preparou Deus através dos tempos o caminho ao Evangelho.

Consumação e plenitude da revelação em Cristo

4. Depois de ter falado muitas vezes e de muitos modos pelos profetas, falou-nos Deus nestes nossos dias, que são os últimos, através de Seu Filho (Heb. 1, 1-2). Com efeito, enviou o Seu Filho, isto é, o Verbo eterno, que ilumina todos os homens, para habitar entre os homens e manifestar-lhes a vida íntima de Deus (cfr. Jo. 1, 1-18). Jesus Cristo, Verbo feito carne, enviado «como homem para os homens» (3), «fala, portanto, as palavras de Deus» (Jo. 3,34) e consuma a obra de salvação que o Pai lhe mandou realizar (cfr. Jo. 5,36; 17,4). Por isso, Ele, vê-lo a Ele é ver o Pai (cfr. Jo. 14,9), com toda a sua presença e manifestação da sua pessoa, com palavras e obras, sinais e milagres, e sobretudo com a sua morte e gloriosa ressurreição, enfim, com o envio do Espírito de verdade, completa totalmente e confirma com o testemunho divino a revelação, a saber, que Deus está connosco para nos libertar das trevas do pecado e da morte e para nos ressuscitar para a vida eterna.

Portanto, a economia cristã, como nova e definitiva aliança, jamais passará, e não se há-de esperar nenhuma outra revelação pública antes da gloriosa manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo (cfr. 1 Tim. 6,14; Tit. 2,13).

Aceitação da revelação pela fé

5. A Deus que revela é devida a «obediência da fé» (Rom. 16,26; cfr. Rom. 1,5; 2 Cor. 10, 5-6); pela fé, o homem entrega-se total e livremente a Deus oferecendo «a Deus revelador o obséquio pleno da inteligência e da vontade» (4) e prestando voluntário assentimento à Sua revelação. Para prestar esta adesão da fé, são necessários a prévia e concomitante ajuda da graça divina e os interiores auxílios do Espírito Santo, o qual move e converte a Deus o coração, abre os olhos do entendimento, e dá «a todos a suavidade em aceitar e crer a verdade» (5). Para que a compreensão da revelação seja sempre mais profunda, o mesmo Espírito Santo aperfeiçoa sem cessar a fé mediante os seus dons

Necessidade da revelação

6. Pela revelação divina quis Deus manifestar e comunicar-se a Si mesmo e os decretos eternos da Sua vontade a respeito da salvação dos homens, «para os fazer participar dos bens divinos, que superam absolutamente a capacidade da inteligência humana»(6).

O sagrado Concílio professa que Deus, princípio e fim de todas as coisas, se pode conhecer com certeza pela luz natural da razão a partir das criaturas» (cfr. Rom. 1,20); mas ensina também que deve atribuir-se à Sua revelação «poderem todos os homens conhecer com facilidade, firme certeza e sem mistura de erro aquilo que nas coisas divinas não é inacessível à razão humana, mesmo na presente condição do género humano».

CAPÍTULO II

A TRANSMISSÃO DA REVELAÇÃO DIVINA


Os apóstolos e seus sucessores, transmissores do Evangelho

7. Deus dispôs amorosamente que permanecesse integro e fosse transmitido a todas as gerações tudo quanto tinha revelado para salvação de todos os povos. Por isso, Cristo Senhor, em quem toda a revelação do Deus altíssimo se consuma (cfr. 2 Cor. 1,20; 3,16-4,6), mandou aos Apóstolos que pregassem a todos, como fonte de toda a verdade salutar e de toda a disciplina de costumes, o Evangelho prometido antes pelos profetas e por Ele cumprido e promulgado pessoalmente (1), comunicando-lhes assim os dons divinos. Isto foi realizado com fidelidade, tanto pelos Apóstolos que, na sua pregação oral, exemplos e instituições, transmitiram aquilo que tinham recebido dos lábios, trato e obras de Cristo, e o que tinham aprendido por inspiração do Espírito Santo, como por aqueles Apóstolos e varões apostólicos que, sob a inspiração do mesmo Espírito Santo, escreveram a mensagem da salvação (2).

Porém, para que o Evangelho fosse perenemente conservado integro e vivo na Igreja, os Apóstolos deixaram os Bispos como seus sucessores, «entregando lhes o seu próprio ofício de magistério». Portanto, esta sagrada Tradição e a Sagrada Escritura dos dois Testamentos são como um espelho no qual a Igreja peregrina na terra contempla a Deus, de quem tudo recebe, até ser conduzida a vê-lo face a face tal qual Ele é (cfr. 1 Jo. 3,2).

A sagrada Tradição

8. E assim, a pregação apostólica, que se exprime de modo especial nos livros inspirados, devia conservar-se, por uma sucessão contínua, até à consumação dos tempos. Por isso, os Apóstolos, transmitindo o que eles mesmos receberam, advertem os fiéis a que observem as tradições que tinham aprendido quer por palavras quer por escrito (cfr. 2 Tess. 2,15), e a que lutem pela fé recebida dama vez para sempre (cfr. Jud. 3)(4). Ora, o que foi transmitido pelos Apóstolos, abrange tudo quanto contribui para a vida santa do Povo de Deus e para o aumento da sua fé; e assim a Igreja, na sua doutrina, vida e culto, perpetua e transmite a todas as gerações tudo aquilo que ela é e tudo quanto acredita.

Esta tradição apostólica progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo (5). Com efeito, progride a percepção tanto das coisas como das palavras transmitidas, quer mercê da contemplação e estudo dos crentes, que as meditam no seu coração (cfr. Lc. 2, 19. 51), quer mercê da íntima inteligência que experimentam das coisas espirituais, quer mercê da pregação daqueles que, com a sucessão do episcopado, receberam o carisma da verdade. Isto é, a Igreja, no decurso dos séculos, tende contìnuamente para a plenitude da verdade divina, até que nela se realizem as palavras de Deus.

Afirmações dos santos Padres testemunham a presença vivificadora desta Tradição, cujas riquezas entram na prática e na vida da Igreja crente e orante. Mediante a mesma Tradição, conhece a Igreja o cânon inteiro dos livros sagrados, e a própria Sagrada Escritura entende-se nela mais profundamente e torna-se incessantemente operante; e assim, Deus, que outrora falou, dialoga sem interrupção com a esposa do seu amado Filho; e o Espírito Santo - por quem ressoa a voz do Evangelho na Igreja e, pela Igreja, no mundo - introduz os crentes na verdade plena e faz com que a palavra de Cristo neles habite em toda a sua riqueza (cfr. Col. 3,16).

Relação entre a sagrada Tradição e a Sagrada Escritura

9. A sagrada Tradição, portanto, e a Sagrada Escritura estão ìntimamente unidas e compenetradas entre si. Com efeito, derivando ambas da mesma fonte divina, fazem como que uma coisa só e tendem ao mesmo fim. A Sagrada Escritura é a palavra de Deus enquanto foi escrita por inspiração do Espírito Santo; a sagrada Tradição, por sua vez, transmite integralmente aos sucessores dos Apóstolos a palavra de Deus confiada por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo aos Apóstolos, para que eles, com a luz do Espírito de verdade, a conservem, a exponham e a difundam fielmente na sua pregação; donde resulta assim que a Igreja não tira só da Sagrada Escritura a sua certeza a respeito de todas as coisas reveladas. Por isso, ambas devem ser recebidas e veneradas com igual espírito de piedade e reverência (6).

Relação de uma e outra com a Igreja e com o Magistério eclesiástico

10. A sagrada Tradição e a Sagrada Escritura constituem um só depósito sagrado da palavra de Deus, confiado à Igreja; aderindo a este, todo o Povo santo persevera unido aos seus pastores na doutrina dos Apóstolos e na comunhão, na fracção do pão e na oração (cfr. Act. 2,42 gr.), de tal modo que, na conservação, actuação e profissão da fé transmitida, haja uma especial concordância dos pastores e dos fiéis (7).

Porém, o encargo de interpretar autênticamente a palavra de Deus escrita ou contida na Tradição (8), foi confiado só ao magistério vivo da Igreja (9), cuja autoridade é exercida em nome de Jesus Cristo. Este magistério não está acima da palavra de Deus, mas sim ao seu serviço, ensinando apenas o que foi transmitido, enquanto, por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, a ouve piamente, a guarda religiosamente e a expõe fielmente, haurindo deste depósito único da fé tudo quanto propõe à fé como divinamente revelado.

É claro, portanto, que a sagrada Tradição, a sagrada Escritura e o magistério da Igreja, segundo o sapientíssimo desígnio de Deus, de tal maneira se unem e se associam que um sem os outros não se mantém, e todos juntos, cada um a seu modo, sob a acção do mesmo Espírito Santo, contribuem eficazmente para a salvação das almas.

CAPÍTULO III

A INSPIRAÇÃO DIVINA DA SAGRADA ESCRITURA
E A SUA INTERPRETAÇÃO


Natureza da inspiração e verdade da Sagrada Escritura

11. As coisas reveladas por Deus, contidas e manifestadas na Sagrada Escritura, foram escritas por inspiração do Espírito Santo. Com efeito, a santa mãe Igreja, segundo a fé apostólica, considera como santos e canónicos os livros inteiros do Antigo e do Novo Testamento com todas as suas partes, porque, escritos por inspiração do Espírito Santo (cfr. Jo. 20,31; 2 Tim. 3,16; 2 Ped. 1, 19-21; 3, 15-16), têm Deus por autor, e como tais foram confiados à própria Igreja (1). Todavia, para escrever os livros sagrados, Deus escolheu e serviu-se de homens na posse das suas faculdades e capacidades (2), para que, agindo Ele neles e por eles (3), pusessem por escrito, como verdadeiros autores, tudo aquilo e só aquilo que Ele queria (4).

E assim, como tudo quanto afirmam os autores inspirados ou hagiógrafos deve ser tido como afirmado pelo Espírito Santo, por isso mesmo se deve acreditar que os livros da Escritura ensinam com certeza, fielmente e sem erro a verdade que Deus, para nossa salvação, quis que fosse consignada nas sagradas Letras (5). Por isso, «toda a Escritura é divinamente inspirada e útil para ensinar, para corrigir, para instruir na justiça: para que o homem de Deus seja perfeito, experimentado em todas as obras boas» ( Tim. 3, 7-17 gr.).

Interpretação da Sagrada Escritura

12. Como, porém, Deus na Sagrada Escritura falou por meio dos homens e à maneira humana (6), o intérprete da Sagrada Escritura, para saber o que Ele quis comunicar-nos, deve investigar com atenção o que os hagiógrafos realmente quiseram significar e que aprouve a Deus manifestar por meio das suas palavras.

Para descobrir a intenção dos hagiógrafos, devem ser tidos também em conta, entre outras coisas, os «géneros literários». Com efeito, a verdade é proposta e expressa de modos diversos, segundo se trata de géneros histéricos, proféticos, poéticos ou outros. Importa, além disso, que o intérprete busque o sentido que o hagiógrafo em determinadas circunstâncias, segundo as condições do seu tempo e da sua cultura, pretendeu exprimir e de facto exprimiu servindo se os géneros literários então usados (7). Com efeito, para entender rectamente o que autor sagrado quis afirmar, deve atender-se convenientemente, quer aos modos nativos de sentir, dizer ou narrar em uso nos tempos do hagiógrafo, quer àqueles que costumavam empregar-se frequentemente nas relações entre os homens de então (8).

Mas, como a Sagrada Escritura deve ser lida e interpretada com o mesmo espírito com que foi escrita (9), não menos atenção se deve dar, na investigação do recto sentido dos textos sagrados, ao contexto e à unidade de toda a Escritura, tendo em conta a Tradição viva de toda a Igreja e a analogia da fé. Cabe aos exegetas trabalhar, de harmonia com estas regras, por entender e expor mais profundamente o sentido da Escritura, para que, mercê deste estudo de algum modo preparatório, amadureça o juízo da Igreja. Com efeito, tudo quanto diz respeito à interpretação da Escritura, está sujeito ao juízo último da Igreja, que tem o divino mandato e o ministério de guardar e interpretar a palavra de Deus (10).

Condescendência de Deus

13. Portanto, na Sagrada Escritura, salvas sempre a verdade e a santidade de Deus, manifesta-se a admirável «condescendência» da eterna sabedoria, «para conhecermos a inefável benignidade de Deus e com quanta acomodação Ele falou, tomando providência e cuidado da nossa natureza» (11). As palavras de Deus com efeito, expressas por línguas humanas, tornaram-se ìntimamente semelhantes à linguagem humana, como outrora o Verbo do eterno Pai se assemelhou aos homens tomando a carne da fraqueza humana.

CAPÍTULO IV

O ANTIGO TESTAMENTO

A história da salvação consignada nos livros do Antigo Testamento

14. Deus amantíssimo, desejando e preparando com solicitude a salvação de todo o género humano, escolheu por especial providência um povo a quem confiar as suas promessas. Tendo estabelecido aliança com Abraão (cfr. Gén. 15,18), e com o povo de Israel por meio de Moisés (cfr. Ex. 24,8), revelou-se ao Povo escolhido como único Deus verdadeiro e vivo, em palavras e obras, de tal modo que Israel pudesse conhecer por experiência os planos de Deus sobre os homens, os compreendesse cada vez mais profunda e claramente, ouvindo o mesmo Deus falar por boca dos profetas, e os difundisse mais amplamente entre os homens (cfr. Salm. 21, 28-29; 95, 1-3; Is. 2, 1-4; Jer. 3,17). A «economia» da salvação de antemão anunciada, narrada e explicada pelos autores sagrados, encontra-se nos livros do Antigo Testamento como verdadeira palavra de Deus. Por isso, estes livros divinamente inspirados conservam um valor perene: «Tudo quanto está escrito, para nossa instrução está escrito, para que, por meio da paciência e consolação que nos vem da Escritura, tenhamos esperança» (Rom. 15,4).

Importância do Antigo Testamento para os cristãos

15. A «economia» do Antigo Testamento destinava-se sobretudo a preparar, a anunciar profèticamente (cfr. Lc. 24,44; Jo. 5,39; 1 Ped. 1,10) e a simbolizar com várias figuras (cfr. 1 Cor. 10,11) o advento de Cristo, redentor universal, e o do reino messiânico. Mas os livros do Antigo Testamento, segundo a condição do género humano antes do tempo da salvação estabelecida por Cristo, manifestam a todos o conhecimento de Deus e do homem, e o modo com que Deus justo e misericordioso trata os homens. Tais livros, apesar de conterem também coisas imperfeitas e transitórias, revelam, contudo, a verdadeira pedagogia divina (1). Por isso, os fieis devem receber com devoção estes livros que exprimem o vivo sentido de Deus, nos quais se encontram sublimes doutrinas a respeito de Deus, uma sabedoria salutar a respeito da vida humana, bem como admiráveis tesouros de preces, nos quais, finalmente, está latente o mistério da nossa salvação.

Unidade de ambos ao Testamentos

16. Foi por isso que Deus, inspirador e autor dos livros dos dois Testamentos, dispôs tão sàbiamente as coisas, que o Novo Testamento está latente no Antigo, e o Antigo está patente no Novo (2). Pois, apesar de Cristo ter alicerçado à nova Aliança no seu sangue (cfr. Lc. 22,20; 1 Cor. 11,25), os livros do Antigo Testamento, ao serem integralmente assumidos na pregação evangélica (3) adquirem e manifestam a sua plena significação no Novo Testamento (cfr. Mt. 5,17; Lc. 24,27; Rom. 16, 25-26; 2 Cor. 3, 1416), que por sua vez iluminam e explicam.

CAPÍTULO V

O NOVO TESTAMENTO

Excelência do Novo Testamento

17. A palavra de Deus, que é virtude de Deus para a salvação de todos os crentes (cfr. Rom. 1,16), apresenta-se e manifesta o seu poder dum modo eminente nos escritos do Novo Testamento. Com efeito, quando chegou a plenitude dos tempos (cfr. Gál. 4,4), o Verbo fez-se carne e habitou entre nós cheio de graça e verdade (cfr. Jo. 1,14). Cristo estabeleceu o reino de Deus na terra, manifestou com obras e palavras o Pai e a Si mesmo, e levou a cabo a Sua obra com a Sua morte, ressurreição, e gloriosa ascensão, e com o envio do Espírito Santo. Sendo levantado da terra, atrai todos a si (cfr. Jo. 12,32 gr.), Ele que é o único que tem palavras de vida eterna (cfr. Jo. 6,68). Este mistério, porém, não foi descoberto a outras gerações como foi agora revelado aos seus santos Apóstolos e aos profetas no Espírito Santo (cfr. Ef. 3, 46 gr.) para que pregassem o Evangelho, e despertassem a fé em Jesus Cristo e Senhor, e congregassem a Igreja. Os escritos do Novo Testamento são um testemunho perene e divino de todas estas coisas.

Origem apostólica dos Evangelhos

18. Ninguém ignora que entre todas as Escrituras, mesmo do Novo Testamento, os Evangelhos têm o primeiro lugar, enquanto são o principal testemunho da vida e doutrina do Verbo encarnado, nosso salvador.

A Igreja defendeu e defende sempre e em toda a parte a origem apostólica dos quatro Evangelhos. Com efeito, aquelas coisas que os Apóstolos, por ordem de Cristo, pregaram, foram depois, por inspiração do Espírito Santo, transmitidas por escrito por eles mesmos e por varões apostólicos como fundamento da fé, ou seja, o Evangelho quadriforme, segundo Mateus, Marcos, Lucas e João (1).

Carácter histórico dos Evangelhos

19. A santa mãe Igreja defendeu e defende firme e constantemente que estes quatro Evangelhos, cuja historicidade afirma sem hesitação, transmitem fielmente as coisas que Jesus, Filho de Deus. durante a sua vida terrena, realmente operou e ensinou para salvação eterna dos homens, até ao dia em que subiu ao céu (cfr. Act. 1. 1-2). Na verdade, após a ascensão do Senhor, os Apóstolos transmitiram aos seus ouvintes, com aquela compreensão mais plena de que eles, instruídos pelos acontecimentos gloriosos de Cristo e iluminados pelo Espírito de verdade (2) gozavam (3), as coisas que Ele tinha dito e feito. Os autores sagrados, porém, escreveram os quatro Evangelhos, escolhendo algumas coisas entre as muitas transmitidas por palavra ou por escrito, sintetizando umas, desenvolvendo outras, segundo o estado das igrejas, conservando, finalmente, o carácter de pregação, mas sempre de maneira a comunicar-nos coisas autênticas e verdadeiras acerca de Jesus (4). Com efeito, quer relatassem aquilo de que se lembravam e recordavam, quer se baseassem no testemunho daqueles «que desde o princípio foram testemunhas oculares e ministros da palavra», fizeram-no sempre com intenção de que conheçamos a «verdade» das coisas a respeito das quais fomos instruídos (cfr. Lc. 1, 2-4).

Os restantes escritos do Novo Testamento

20. O cânon do Novo Testamento contém igualmente além dos quatro Evangelhos, as Epístolas de S. Paulo e outros escritos apostólicos redigidos por inspiração do Espírito Santo, com os quais, segundo o plano da sabedoria divina, é confirmado o que diz respeito a Cristo Senhor, é explicada mais e mais a sua genuína doutrina, é pregada a virtude salvadora da obra divina de Cristo, são narrados os começos da Igreja e a sua admirável difusão, e é anunciada a sua consumação gloriosa.

Com efeito, o Senhor Jesus assistiu os seus Apóstolos como tinha prometido (cfr. Mt. 28,20) e enviou-lhes o Espírito consolador que os devia introduzir na plenitude da verdade (cfr. Jo. 16,13).

CAPÍTULO VI

A SAGRADA ESCRITURA NA VIDA DA IGREJA

A Igreja venera as Sagradas Escrituras

21. A Igreja venerou sempre as divinas Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor, não deixando jamais, sobretudo na sagrada Liturgia, de tomar e distribuir aos fiéis o pão da vida, quer da mesa da palavra de Deus quer da do Corpo de Cristo. Sempre as considerou, e continua a considerar, juntamente com a sagrada Tradição, como regra suprema da sua fé; elas, com efeito, inspiradas como são por Deus, e exaradas por escrito duma vez para sempre, continuam a dar-nos imutàvelmente a palavra do próprio Deus, e fazem ouvir a voz do Espírito Santo através das palavras dos profetas e dos Apóstolos. É preciso, pois, que toda a pregação eclesiástica, assim como a própria religião cristã, seja alimentada e regida pela Sagrada Escritura. Com efeito, nos livros sagrados, o Pai que está nos céus vem amorosamente ao encontro de Seus filhos, a conversar com eles; e é tão grande a força e a virtude da palavra de Deus que se torna o apoio vigoroso da Igreja, solidez da fé para os filhos da Igreja, alimento da alma, fonte pura e perene de vida espiritual. Por isso se devem aplicar por excelência à Sagrada Escritura as palavras: «A palavra de Deus é viva e eficaz» (Hebr. 4,12), «capaz de edificar e dar a herança a todos os santificados», (Act. 20,32; cfr. 1 Tess. 2,13).

Traduções da Sagrada Escritura

22. É preciso que os fiéis tenham acesso patente à Sagrada Escritura. Por esta razão, a Igreja logo desde os seus começos fez sua aquela tradução grega antiquíssima do Antigo Testamento chamada dos Setenta; e sempre tem em grande apreço as outras traduções, quer orientais quer latinas, sobretudo a chamada Vulgata. Mas, visto que a palavra de Deus deve estar sempre acessível a todos, a Igreja procura com solicitude maternal que se façam traduções aptas e fiéis nas várias línguas, sobretudo a partir dos textos originais dos livros sagrados. Se porém, segundo a oportunidade e com a aprovação da autoridade da Igreja, essas traduções se fizerem em colaboração com os irmãos separados, poderão ser usadas por todos os cristãos.

Investigação Bíblica

23. A esposa do Verbo encarnado, isto é, a Igreja, ensinada pelo Espírito Santo, esforça-se por conseguir uma inteligência cada vez mais profunda da Sagrada Escritura, para poder alimentar contìnuamente os seus filhos com os divinos ensinamentos; por isso, vai fomentando também convenientemente o estudo dos santos Padres do Oriente e do Ocidente, bem como das sagradas liturgias. É preciso, porém, que os exegetas católicos e os demais estudiosos da sagrada teologia, trabalhem em íntima colaboração de esforços, para que, sob a vigilância do sagrado magistério, lançando mão de meios aptos, estudem e expliquem as divinas Letras de modo que o maior número possível de ministros da palavra de Deus possa oferecer com fruto ao Povo de Deus o alimento das Escrituras, que ilumine o espírito, robusteça as vontades, e inflame os corações dos homens no amor de Deus (1). O sagrado Concilio encoraja os filhos da Igreja que cultivam as ciências bíblicas para que continuem a realizar com todo o empenho, segundo o sentir da Igreja, a empresa felizmente começada, renovando constantemente as suas forças (2).

Importância da Sagrada Escritura para a Teologia

24. A sagrada Teologia apoia-se, como em seu fundamento perene, na palavra de Deus escrita e na sagrada Tradição, e nela se consolida firmemente e sem cessar se rejuvenesce, investigando, à luz da fé, toda a verdade contida no mistério de Cristo. As Sagradas Escrituras contêm a palavra de Deus, e, pelo facto de serem inspiradas, são verdadeiramente a palavra de Deus; e por isso, o estudo destes sagrados livros deve ser como que a alma da sagrada teologia (3). Também o ministério da palavra, isto é, a pregação pastoral, a catequese, e toda a espécie de instrução cristã, na qual a homilia litúrgica deve ter um lugar principal, com proveito se alimenta e santamente se revigora com a palavra da Escritura.

Leitura da Sagrada Escritura

25. É necessário, por isso, que todos os clérigos e sobretudo os sacerdotes de Cristo e outros que, como os diáconos e os catequistas, se consagram legìtimamente ao ministério da palavra, mantenham um contacto íntimo com as Escrituras, mediante a leitura assídua e o estudo aturado, a fim de que nenhum deles se torne «pregador vão e superficial da palavra de Deus. por não a ouvir de dentro» (4), tendo, como têm, a obrigação de comunicar aos fiéis que lhes estão confiados as grandíssimas riquezas da palavra divina, sobretudo na sagrada Liturgia. Do mesmo modo, o sagrado Concílio exorta com ardor e insistência todos os fiéis, mormente os religiosos, a que aprendam «a sublime ciência de Jesus Cristo» (Fil. 3,8) com a leitura frequente das divinas Escrituras, porque «a ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo» (5). Debrucem-se, pois, gostosamente sobre o texto sagrado, quer através da sagrada Liturgia, rica de palavras divinas, quer pela leitura espiritual, quer por outros meios que se vão espalhando tão louvàvelmente por toda a parte, com a aprovação e estímulo dos pastores da Igreja. Lembrem-se, porém, que a leitura da Sagrada Escritura deve ser acompanhada de oração para que seja possível o diálogo entre Deus e o homem; porque «a Ele falamos, quando rezamos, a Ele ouvimos, quando lemos os divinos oráculos» (6).

Compete aos sagrados pastores «depositários da doutrina apostólica» (7), ensinar oportunamente os fiéis que lhes foram confiados no uso recto dos livros divinos, de modo particular do Novo Testamento, e sobretudo dos Evangelhos. E isto por meio de traduções dos textos sagrados, que devem ser acompanhadas das explicações necessárias e verdadeiramente suficientes, para que os filhos da Igreja se familiarizem dum modo seguro e. útil com a Sagrada Escritura, e se penetrem do seu espírito.

Além disso, façam-se edições da Sagrada Escritura, munidas das convenientes anotações, para uso também dos não cristãos, e adaptadas às suas condições; e tanto os pastores de almas como os cristãos de qualquer estado procuram difundi-las com zelo e prudência.

Influência e importância da renovação escriturística

26. Deste modo, pois, com a leitura e estudo dos livros sagrados, «a palavra de Deus se difunda e resplandeça (2 Tess. 3,1), e o tesouro da revelação confiado à Igreja encha cada vez mais os corações dos homens. Assim como a vida da Igreja cresce com a assídua frequência do mistério eucarístico, assim também é lícito esperar um novo impulso de vida espiritual, se fizermos crescer a veneração pela palavra de Deus, que «permanece para sempre» (Is. 40,8; cfr. l Pedr. 1, 23-25).

Roma, 18 de Novembro de 1965

PAPA PAULO VI


Notas

1. Cfr. S. Agostinho, De catechizandis rudibus, c. IV, 8: PL 40, 316.

2. Cfr. Mt. 11,27; Jo. 1,14 e 17; 14,6; 17, 1-3; 2 Cor. 3,16 e 4,6; Ef. 1, 3-14.

3. Epist. ad Diognetum, c. VII, 4: Funk, Patres Apostolici, I, p. 403.

4. Conc. Vat. I, Const. dogmatica De fide catholica, Dei Filius, cap. 3: Denz. 1789 (3008).

5. Conc. Araus. II, can. 7: Denz, 180 (377); Conc. Vat. I, 1. c.: Denz. 1791 (3010).

6. Conc. Vat. I, Const. dogmatica De fide catholica, Dei Filius, cap. 2 Denz. 1786 (3005).

7. Ibid.: Denz. 1785 e 1786 (3004 e 3005).

Capítulo II

1. Cfr. Mt. 28, 19-20 e Mc. 16,15; Concilio Tridentino deer. De canonicis Scripturis: Denz. 783 (1501).

2. Cfr. Concílio Tridentino, I. c.; Concílio Vat I, sess. III, Const. dogmatica De fide catholica, Dei Filius, cap. 2. Denz. 1787 (3006).

3. S. Ireneu, Adv. Haer. III, 3, 1: PG 7, 848: Harvey, 2, p. 9.

4. Cfr. II Concílio Niceno, Denz. 303 (602); IV Concilio Constantinopolitano, sess. X, can. 1: Denz. 336 (650-652).

5. Cfr. Concílio Vat. I, Const. dogm. De fide catholica, Dei Filius, cap. 4: Denz. 1800 (3020).

6. Cfr. Concílio Tridentino, Decr. De canonicis scripturis: Denz. 783 (1501).

7. Cfr. Pio XII, Const. apost. Munificentissimus Deus, 1 nov. 1950: AAS 42 (1950) 756; eft. as palavras de S. Cipriano, Epist. 66,8: CSEL, 3,2, 733: «A Igreja e o povo unido ao sacerdote e o rebanho unido ao seu pastor».

8. Cfr. Concilio Vat. I, Const. dogmatica De fide catholica, Dei Filius, cap. 3: Denz. 1792 (3011).

9. Cfr. Pio XII, Enciclica Humani generis, 12 ago. 1950: AAS 42 (1950) 568-569: Denz. 2314 (3886).

Capítulo III

1. Cfr. Conc. Vat. I, Const. dogm. de fide cath., Dei Filius, cap. 2: Denz. 1787 (3006). Denz. da Comissão Biblica, 18 jun. 1915: Denz. 2180 (3629) ; EB 420. Santo Officio, Epist.; 22 dez. 1923: EB 499.

2. Cfr. Pio XII, Encíclica Divino afflante Spiritu, 30 set. 1944: AAS 35 (1943) 314; EB 556.

3. Em o por o homem: cfr. Hebr. 1,1 e 4,7 (Em); 2 Sam. 23,2; Mt. 1,22 e passim (por); Conc. Vat. I: schema de doctr. cath., nota 9: Coll. Lac. VII, 522.

4. Leão XIII, Encíclica Providentissimus Deus, 18 nov. 1893: Denz. 1952 (3293) EB 125.

5. Cfr. S. Agostinho, De Gen. ad Litt. 2, 9, 20: PL 34, 270-271; CSEL 28, 1, 46-47 e Epist. 82, 3: PL 33, 277: CSEL 34, 2, p. 354.—S. Tomás, De Ver. q. 12, a. 2 c. —Conc. de Trento, decr. De canonicis Scripturis: Denz. 783 (1501) —Ledo XIII, Enc. Providentissimus: EB 121, 124, 126-127—Pio XII, Enc. Divino afflante Spiritu: EB 539.

6. S. Agostinho, De civ. Dei, XVII, 6, 2: PL 41, 537: CSEL XL 2, 228.

7. S. Agostinho, De doct. christ., III, 18, 26: PL 34, 75-76; CSEL 80, 95.

8. Pio XII, 1. c.: Denz. 2294 (3829-3830); EB 557-562.

9. Cfr. Bento XV, Enc. Spiritus Paraclitus, 15 set. 1920: EB 469.- S. Jerónimo, In Gal., 5, 19-21: PL 26, 417 A.

10. Cfr. Conc. Vat. I, Const. dogm. De fide catholica, Dei Filius, cap. 2: Denz. 1788 (3007).

11. S. João Crisóstomo, In Gen. 3,8 (hom. 17,1): PG 53, 134. «Acomodação», em grego synkatábasis.

Capítulo IV

1. Pio XI, Enc. Mit brennender Sorge, 14 mar. 1937: AAS 29 (1937) 151.

2. S. Agostinho, Quaest. in Hept. 2, 73: PL 34, 623.

3. S. Ireneu, Adv.: Haer. III, 21, 3: PG 7, 950: ( = 25, 1: Harvey 2, p. 115). S. Cirilo de Jerusalém, Caech. 4, 35: PG 33, 497, Teodoro de Mopsuesta, In Soph. 1, 4-6: PG 66, 452 D-453 A.

Capítulo V

1. Cfr. S, Ireneu, Adv. Haer. III, 11, 8: PG. 7, 885; ed. Sagnard, p. 194.

2. Cfr. Jo. 14,26; 16,13,

3. Cfr. Jo. 2,22; 12,16; eft. 14,26; 16, 12-13; 7,39.

4. Cfr. Instrução Sancta Mater Ecclesia, da Pontifícia Comisão Bíblica: AAS 56 (1964) 715.

Capítulo VI

1. Cfr. Pio XII, Enc. Divino afflante, 30. set. 1943: EB 551, 553, 567. — Pontifícia Comissão Bíblica, Instructio de S. Scriptura in Clericorum seminariis et Religiosorum Collegiis recte docenda, 13 maio 1950: AAS 42 (1950) 495-505.

2. Cfr. Pio XII, 1. c.: EB 569.

3. Cfr. Leão XIII, Enc. Providentissimus Deus: EB 114; Bento XV, Enc., Spiritus Paraclitus, 15. set. 1920: EB 483.

4. S. Agostinho, Serm. 179, 1: PL 38, 966.

5. S. Jerónimo, Comm. in Is. Prol.: PL 24, 17. — Cfr. Bento XV, Enc. Spiritus Paraclitus: EB 475-480; Pio XII, Enc. Divino afflante: EB 544.

6. S. Ambrósio, De officiis ministrorum I, 20, 88: PL 16, 50.

7. S. Ireneu, Adv. Haer. IV, 32, 1: PG 7, 1071; ( = 49, 2), Harvey, 2, p. 255.

++++++++++++++++++++++++


CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA
LUMEN GENTIUM
SOBRE A IGREJA

CAPÍTULO I

O MISTÉRIO DA IGREJA

Objecto da Constituição: a Igreja como sacramento

1. A luz dos povos é Cristo: por isso, este sagrado Concílio, reunido no Espírito Santo, deseja ardentemente iluminar com a Sua luz, que resplandece no rosto da Igreja, todos os homens, anunciando o Evangelho a toda a criatura (cfr. Mc. 16,15). Mas porque a Igreja, em Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano, pretende ela, na sequência dos anteriores Concílios, pôr de manifesto com maior insistência, aos fiéis e a todo o mundo, a sua natureza e missão universal. E as condições do nosso tempo tornam ainda mais urgentes este dever da Igreja, para que deste modo os homens todos, hoje mais estreitamente ligados uns aos outros, pelos diversos laços sociais, técnicos e culturais, alcancem também a plena unidade em Cristo.

A vontade salvífica do Pai

2. O Eterno Pai, pelo libérrimo e insondável desígnio da Sua sabedoria e bondade, criou o universo, decidiu elevar os homens à participação da vida divina e não os abandonou, uma vez caídos em Adão, antes, em atenção a Cristo Redentor «que é a imagem de Deus invisível, primogénito de toda a criação» (Col. 1,15) sempre lhes concedeu os auxílios para se salvarem. Aos eleitos, o Pai, antes de todos os séculos os «discerniu e predestinou para reproduzirem a imagem de Seu Filho, a fim de que Ele seja o primogénito de uma multidão de irmãos» (Rom. 8,29). E, aos que crêem em Cristo, decidiu chamá-los à santa Igreja, a qual, prefigurada já desde o princípio do mundo e admiràvelmente preparada na história do povo de Israel e na Antiga Aliança(1), foi constituída no fim dos tempos e manifestada pela efusão do Espírito, e será gloriosamente consumada no fim dos séculos. Então, como se lê nos Santos Padres, todos os justos depois de Adão, «desde o justo Abel até ao último eleito» (2), se reunirão em Igreja universal junto do Pai.

Missão e obra do Filho: fundação da Igreja

3. Veio pois o Filho, enviado pelo Pai, que n'Ele nos elegeu antes de criar o mundo, e nos predestinou para sermos seus filhos de adopção, porque lhe aprouve reunir n'Ele todas as coisas (cfr. Ef. 1, 4-5. 10). Por isso, Cristo, a fim de cumprir a vontade do Pai, deu começo na terra ao Reino dos Céus e revelou-nos o seu mistério, realizando, com a própria obediência, a redenção. A Igreja, ou seja, o Reino de Cristo já presente em mistério, cresce visivelmente no mundo pelo poder de Deus. Tal começo e crescimento exprimem-nos o sangue e a água que manaram do lado aberto de Jesus crucificado (cfr. Jo. 19,34), e preanunciam-nos as palavras do Senhor acerca da Sua morte na cruz: «Quando Eu for elevado acima da terra, atrairei todos a mim» (Jo. 12,32 gr.). Sempre que no altar se celebra o sacrifício da cruz, na qual «Cristo, nossa Páscoa, foi imolado» (1 Cor. 5,7), realiza-se também a obra da nossa redenção. Pelo sacramento do pão eucarístico, ao mesmo tempo é representada e se realiza a unidade dos fiéis, que constituem um só corpo em Cristo (cfr. 1 Cor. 10,17). Todos os homens são chamados a esta união com Cristo, luz do mundo, do qual vimos, por quem vivemos, e para o qual caminhamos.

O Espírito santificador e vivificador da Igreja

4. Consumada a obra que o Pai confiou ao Filho para Ele cumprir na terra (cfr. Jo. 17,4), foi enviado o Espírito Santo no dia de Pentecostes, para que santificasse continuamente a Igreja e deste modo os fiéis tivessem acesso ao Pai, por Cristo, num só Espírito (cfr. Ef. 2,18). Ele é o Espírito de vida, ou a fonte de água que jorra para a vida eterna (cfr. Jo. 4,14; 7, 38-39); por quem o Pai vivifica os homens mortos pelo pecado, até que ressuscite em Cristo os seus corpos mortais (cfr. Rom. 8, 10-11). O Espírito habita na Igreja e nos corações dos fiéis, como num templo (cfr. 1 Cor. 3,16; 6,19), e dentro deles ora e dá testemunho da adopção de filhos (cfr. Gál. 4,6; Rom. 8, 15-16. 26). A Igreja, que Ele conduz à verdade total (cfr. Jo. 16,13) e unifica na comunhão e no ministério, enriquece-a Ele e guia-a com diversos dons hierárquicos e carismáticos e adorna-a com os seus frutos (cfr. Ef. 4, 11-12; 1 Cor. 12,4; Gál. 5,22). Pela força do Evangelho rejuvenesce a Igreja e renova-a continuamente e leva-a à união perfeita com o seu Esposo (3). Porque o Espírito e a Esposa dizem ao Senhor Jesus: «Vem» (cfr. Apoc. 22,17)!

Assim a Igreja toda aparece como «um povo unido pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo (4).

O Reino de Deus

5. O mistério da santa Igreja manifesta-se na sua fundação. O Senhor Jesus deu início à Sua Igreja pregando a boa nova do advento do Reino de Deus prometido desde há séculos nas Escrituras: «cumpriu-se o tempo, o Reino de Deus está próximo» (Mc. 1,15; cfr. Mt. 4,17). Este Reino manifesta-se na palavra, nas obras e na presença de Cristo. A palavra do Senhor compara-se à semente lançada ao campo (Mc. 4,14): aqueles que a ouvem com fé e entram a fazer parte do pequeno rebanho de Cristo (Luc. 12,32), já receberam o Reino; depois, por força própria, a semente germina e cresce até ao tempo da messe (cfr. Mc. 4, 26-29). Também os milagres de Jesus comprovam que já chegou à terra o Reino: «Se lanço fora os demónios com o poder de Deus, é que chegou a vós o Reino de Deus» (Luc. 11,20; cfr. Mt. 12,28). Mas este Reino manifesta-se sobretudo na própria pessoa de Cristo, Filho de Deus e Filho do homem, que veio «para servir e dar a sua vida em redenção por muitos» (Mt. 10,45).

E quando Jesus, tendo sofrido pelos homens a morte da cruz, ressuscitou, apareceu como Senhor e Cristo e sacerdote eterno (cfr. Act. 2,36; Hebr. 5,6; 7, 17-21) e derramou sobre os discípulos o Espírito prometido pelo Pai (cfr. Act. 2,33). Pelo que a Igreja, enriquecida com os dons do seu fundador e guardando fielmente os seus preceitos de caridade, de humildade e de abnegação, recebe a missão de anunciar e instaurar o Reino de Cristo e de Deus em todos os povos e constitui o germe e o princípio deste mesmo Reino na terra. Enquanto vai crescendo, suspira pela consumação do Reino e espera e deseja juntar-se ao seu Rei na glória.

As figuras da Igreja

6. Assim como, no Antigo Testamento, a revelação do Reino é muitas vezes apresentada em imagens, também agora a natureza íntima da Igreja nos é dada a conhecer por diversas imagens tiradas quer da vida pastoril ou agrícola, quer da construção ou também da família e matrimónio, imagens que já se esboçam nos livros dos Profetas.

Assim a Igreja é o redil, cuja única porta e necessário pastor é Cristo (Jo. 10, 1-10). E também o rebanho do qual o próprio Deus predisse que seria o pastor (cfr. Is. 40,11; Ez. 34,11 ss.), e cujas ovelhas, ainda que governadas por pastores humanos, são contudo guiadas e alimentadas sem cessar pelo próprio Cristo, bom pastor e príncipe dos pastores (cfr. Jo. 10,11; 1 Ped. 5,4), o qual deu a vida pelas suas ovelhas (cfr. Jo. 10, 11-15).

A Igreja é a agricultura ou o campo de Deus (1 Cor. 3,9). Nesse campo cresce a oliveira antiga de que os patriarcas foram a raiz santa e na qual se realizou e realizará a reconciliação de judeus e gentios (Rom. 11, 13-26). Ela foi plantada pelo celeste agricultor como uma vinha eleita (Mt. 21, 33-43 par.; Is. 5,1 ss.). A verdadeira videira é Cristo que dá vida e fecundidade aos sarmentos, isto é, a nós que pela Igreja permanecemos n'Ele, sem o qual nada podemos fazer (Jo. 15, 1-5).

A Igreja é também muitas vezes chamada construção de Deus (1 Cor. 3,9). O próprio Senhor se comparou à pedra que os construtores rejeitaram e se tornou pedra angular (Mt. 21,42 par.; Act. 4,11; 1 Ped. 2,7; Salm. 117,22). Sobre esse fundamento é a Igreja construída pelos Apóstolos (cfr. 1 Cor. 3,11), e d'Ele recebe firmeza e coesão. Esta construção recebe vários nomes: casa de Deus (1 Tim. 3,15), na qual habita a Sua «família»; habitação de Deus no Espírito (cfr. Ef. 2, 19-22); tabernáculo de Deus com os homens (Apoc. 21,3); e sobretudo «templo» santo, o qual, representado pelos santuários de pedra e louvado pelos Santos Padres, é com razão comparado, na Liturgia, à cidade santa, a nova Jerusalém (5). Nela, com efeito, somos edificados cá na terra como pedras vivas (cfr. 1 Ped. 2,5). Esta cidade, S. João contemplou-a «descendo do céu, de Deus, na renovação do mundo, como esposa adornada para ir ao encontro do esposo» (Apoc. 21,1 ss.).

A Igreja, chamada «Jerusalém do alto» e «nossa mãe» (Gál. 4,26; cfr. Apoc. 12,17), é também descrita como esposa imaculada do Cordeiro imaculado (Apoc. 19,7; 21,2. 9; 22,17), a qual Cristo gamou e por quem Se entregou, para a santificar» (Ef. 5, 25-26), uniu a Si por um indissolúvel vínculo, e sem cessar «alimenta e conserva» (Ef. 5,29), a qual, purificada, quis unida a Si e submissa no amor e fidelidade (cfr. Ef. 5,24), cumulando-a, por fim, eternamente, de bens celestes; para que entendamos o amor de Deus e de Cristo por nós, o qual ultrapassa toda a compreensão (cfr. Ef. 3,19). Enquanto, na terra, a Igreja peregrina longe do Senhor (cfr. 2 Cor. 5,6), tem-se por exilada, buscando e saboreando as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus, e onde a vida da Igreja está escondida com Cristo em Deus, até que apareça com seu esposo na glória (Cfr. Col. 3, 1-4).

A Igreja, Corpo místico de Cristo

7. O filho de Deus, vencendo, na natureza humana a Si unida, a morte, com a Sua morte e ressurreição, remiu o homem e transformou-o em nova criatura (cfr. Gál. 6,15; 2 Cor. 5,17). Pois, comunicando o Seu Espírito, fez misteriosamente de todos os Seus irmãos, chamados de entre todos os povos, como que o Seu Corpo.

É nesse corpo que a vida de Cristo se difunde nos que crêem, unidos de modo misterioso e real, por meio dos sacramentos, a Cristo padecente e glorioso(6). Com efeito, pelo Baptismo somos assimilados a Cristo; «todos nós fomos baptizados no mesmo Espírito, para formarmos um só corpo» (1 Cor. 12,13). Por este rito sagrado é representada e realizada a união com a morte e ressurreição de Cristo: ; «fomos sepultados, pois, com Ele, por meio do Baptismo, na morte»; se, porém, ; «nos tornámos com Ele um mesmo ser orgânico por morte semelhante à Sua, por semelhante ressurreição o seremos também (Rom. 6, 4-5). Ao participar realmente do corpo do Senhor, na fracção do pão eucarístico, somos elevados à comunhão com Ele e entre nós. ; «Porque há um só pão, nós, que somos muitos, formamos um só corpo, visto participarmos todos do único pão» (1 Cor. 10,17). E deste modo nos tornamos todos membros desse corpo (cfr. 1 Cor. 12,27), sendo individualmente membros uns dos outros» (Rom. 12,5).

E assim como todos os membros do corpo humano, apesar de serem muitos, formam no entanto um só corpo, assim também os fiéis em Cristo (cfr. 1 Cor. 12,12). Também na edificação do Corpo de Cristo existe diversidade de membros e de funções. É um mesmo Espírito que distribui os seus vários dons segundo a sua riqueza e as necessidades dos ministérios para utilidade da Igreja (cfr. 1 Cor. 12, 1-11). Entre estes dons, sobressai a graça dos Apóstolos, a cuja autoridade o mesmo Espírito submeteu também os carismáticos (cfr 1 Cor. 14). O mesmo Espírito, unificando o corpo por si e pela sua força e pela coesão interna dos membros, produz e promove a caridade entre os fiéis. Daí que, se algum membro padece, todos os membros sofrem juntamente; e se algum membro recebe honras, todos se, alegram (cfr. 1 Cor. 12,26).

A cabeça deste corpo é Cristo. Ele é a imagem do Deus invisível e n 'Ele foram criadas todas as coisas. Ele existe antes de todas as coisas e todas n'Ele subsistem. Ele é a cabeça do corpo que a Igreja é. É o princípio, o primogénito de entre os mortos, de modo que em todas as coisas tenha o primado (cfr. Col. 1, 15-18). Pela grandeza do Seu poder domina em todas as coisas celestes e terrestres e, devido à Sua supereminente perfeição e acção, enche todo o corpo das riquezas da Sua glória (cfr. Ef. 1, 18-23) (7).

Todos os membros se devem conformar com Ele, até que Cristo se forme neles (cfr. Gál. 4,19). Por isso, somos assumidos nos mistérios da Sua vida, configurados com Ele, com Ele mortos e ressuscitados, até que reinemos com Ele (cfr. Fil. 3,21; 2 Tim. 2,11; Ef. 2,6; Col. 2,12; etc.). Ainda peregrinos na terra, seguindo as Suas pegadas na tribulação e na perseguição, associamo-nos nos seus sofrimentos como o corpo à cabeça, sofrendo com Ele, para com Ele sermos glorificados (cfr. Rom. 8,17).

É por Ele que «o corpo inteiro, alimentado e coeso em suas junturas e ligamentos, se desenvolve com o crescimento dado por Deus» (Col. 2,19). Ele mesmo distribui continuamente, no Seu corpo que é a Igreja, os dons dos diversos ministérios, com os quais, graças ao Seu poder, nos prestamos mutuamente serviços em ordem à salvação, de maneira que, professando a verdade na caridade, cresçamos em tudo para Aquele que é a nossa cabeça (cfr. Ef. 4, 11-16 gr.).

E para que sem cessar nos renovemos n'Ele (cfr. Ef. 4,23), deu-nos do Seu Espírito, o qual, sendo um e o mesmo na cabeça e nos membros, unifica e move o corpo inteiro, a ponto de os Santos Padres compararem a Sua acção à que o princípio vital, ou alma, desempenha no corpo humano(8).

Cristo ama a Igreja como esposa, fazendo-se modelo do homem que ama sua mulher como o próprio corpo (cfr. Ef. 5, 25-28); e a Igreja, por sua vez, é sujeita à sua cabeça (ib. 23-24). «Porque n'Ele habita corporalmente toda a plenitude da natureza divina» (Col. 2,9), enche a Igreja, que é o Seu corpo e plenitude, com os dons divinos (cfr. Ef. 1, 22-23), para que ela se dilate e alcance a plenitude de Deus (cfr. Ef. 3,19).

A Igreja, sociedade visível e espiritual

8. Cristo, mediador único, estabelece e continuamente sustenta sobre a terra, como um todo visível, a Sua santa Igreja, comunidade de fé, esperança e amor, por meio da qual difunde em todos a verdade e a graça (9). Porém, a sociedade organizada hierarquicamente, e o Corpo místico de Cristo, o agrupamento visível e a comunidade espiritual, a Igreja terrestre e a Igreja ornada com os dons celestes não se devem considerar como duas entidades, mas como uma única realidade complexa, formada pelo duplo elemento humano e divino (10). Apresenta por esta razão uma grande analogia com ó mistério do Verbo encarnado. Pois, assim como a natureza assumida serve ao Verbo divino de instrumento vivo de salvação, a Ele indissoluvelmente unido, de modo semelhante a estrutura social da Igreja serve ao Espírito de Cristo, que a vivifica, para o crescimento do corpo (cfr. Ef. 4,16) (11).

Esta é a única Igreja de Cristo, que no Credo confessamos ser una, santa, católica e apostólica (12); depois da ressurreição, o nosso Salvador entregou-a a Pedro para que a apascentasse (Jo. 21,17), confiando também a ele e aos demais Apóstolos a sua difusão e governo (cfr. Mt. 28,18 ss.), e erigindo-a para sempre em «coluna e fundamento da verdade» (I Tim. 3,5). Esta Igreja, constituída e organizada neste mundo como sociedade, é na Igreja católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em união com ele (13), que se encontra, embora, fora da sua comunidade, se encontrem muitos elementos de santificação e de verdade, os quais, por serem dons pertencentes à Igreja de Cristo, impelem para a unidade católica.

Mas, assim como Cristo realizou a obra da redenção na pobreza e na perseguição, assim a Igreja é chamada a seguir pelo mesmo caminho para comunicar aos homens os frutos da salvação. Cristo Jesus «que era de condição divina... despojou-se de si próprio tomando a condição de escravo (Fil. 2, 6-7) e por nós, «sendo rico, fez-se pobre» (2 Cor. 8,9): assim também a Igreja, embora necessite dos meios humanos para o prosseguimento da sua missão, não foi constituída para alcançar a glória terrestre, mas para divulgar a humildade e abnegação, também com o seu exemplo. Cristo foi enviado pelo Pai « a evangelizar os pobres... a sarar os contritos de coração» (Luc. 4,18), «a procurar e salvar o que perecera» (Luc. 19,10). De igual modo, a Igreja abraça com amor todos os afligidos pela enfermidade humana; mais ainda, reconhece nos pobres e nos que sofrem a imagem do seu fundador pobre e sofredor, procura aliviar as suas necessidades, e intenta servir neles a Cristo. Enquanto Cristo «santo, inocente, imaculado» (Hebr. 7,26), não conheceu o pecado (cfr. 2 Cor. 5,21), mas veio apenas expiar os pecados do povo (Hebr. 2,17), a Igreja, contendo pecadores no seu próprio seio, simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação, exercita continuamente a penitência e a renovação.

A Igreja «prossegue a sua peregrinação no meio das perseguições do mundo e das consolações de Deus» (14), anunciando a cruz e a morte do Senhor até que Ele venha (cfr. Cor. 11,26). Mas é robustecida pela força do Senhor ressuscitado, de modo a vencer, pela paciência e pela caridade, as suas aflições e dificuldades tanto internas como externas, e a revelar, velada mas fielmente, o seu mistério, até que por fim se manifeste em plena luz

CAPÍTULO II

O POVO DE DEUS

A Nova Aliança com o novo Povo de Deus

9. Em todos os tempos e em todas as nações foi agradável a Deus aquele que O teme e obra justamente (cfr. Act. 10,35). Contudo, aprouve a Deus salvar e santificar os homens, não individualmente, excluída qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em povo que O conhecesse na verdade e O servisse santamente. Escolheu, por isso, a nação israelita para Seu povo. Com ele estabeleceu uma aliança; a ele instruiu gradualmente, manifestando-Se a Si mesmo e ao desígnio da própria vontade na sua história, e santificando-o para Si. Mas todas estas coisas aconteceram como preparação e figura da nova e perfeita Aliança que em Cristo havia de ser estabelecida e da revelação mais completa que seria transmitida pelo próprio Verbo de Deus feito carne. Eis que virão dias, diz o Senhor, em que estabelecerei com a casa de Israel e a casa de Judá uma nova aliança... Porei a minha lei nas suas entranhas e a escreverei nos seus corações e serei o seu Deus e eles serão o meu povo... Todos me conhecerão desde o mais pequeno ao maior, diz o Senhor (Jer. 31, 31-34). Esta nova aliança instituiu-a Cristo, o novo testamento no Seu sangue (cfr. 1 Cor. 11,25), chamando o Seu povo de entre os judeus e os gentios, para formar um todo, não segundo a carne mas no Espírito e tornar-se o Povo de Deus. Com efeito, os que crêem em Cristo, regenerados não pela força de germe corruptível mas incorruptível por meio da Palavra de Deus vivo (cfr. 1 Ped. 1,23), não pela virtude da carne, mas pela água e pelo Espírito Santo (cfr. Jo. 3, 5-6), são finalmente constituídos em «raça escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo conquistado... que outrora não era povo, mas agora é povo de Deus» (1 Ped. 2, 9-10).

Este povo messiânico tem por cabeça Cristo, «o qual foi entregue por causa das nossas faltas e ressuscitado por causa da nossa justificação» (Rom. 4,25) e, tendo agora alcançado um nome superior a todo o nome, reina glorioso nos céus. E condição deste povo a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus, em cujos corações o Espírito Santo habita como num templo. A sua lei é o novo mandamento, o de amar assim como o próprio Cristo nos amou (cfr. Jo. 13,34). Por último, tem por fim o Reino de Deus, o qual, começado na terra pelo próprio Deus, se deve desenvolver até ser também por ele consumado no fim dos séculos, quando Cristo, nossa vida, aparecer (cfr. Col. 3,4) e «a própria criação for liberta do domínio da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus» (Rom. 8,21). Por isso é que este povo messiânico, ainda que não abranja de facto todos os homens, e não poucas vezes apareça como um pequeno rebanho, é, contudo, para todo o género humano o mais firme germe de unidade, de esperança e de salvação. Estabelecido por Cristo como comunhão de vida, de caridade e de verdade, é também por Ele assumido como instrumento de redenção universal e enviado a toda a parte como luz do mundo e sal da terra (cfr. Mt. 5, 13-16).

Mas, assim como Israel segundo a carne, que peregrinava no deserto, é já chamado Igreja de Deus (cfr. 2 Esdr. 13,1; Num. 20,4; Deut. 23,1 ss.), assim o novo Israel, que ainda caminha no tempo presente e se dirige para a futura e perene cidade (cfr. Hebr. 13-14), se chama também Igreja de Cristo (cfr. Mt. 16,18), pois que Ele a adquiriu com o Seu próprio sangue (cfr. Act. 20,28), encheu-a com o Seu espírito e dotou-a dos meios convenientes para a unidade visível e social. Aos que se voltam com fé para Cristo, autor de salvação e princípio de unidade e de paz, Deus chamou-os e constituiu-os em Igreja, a fim de que ela seja para todos e cada um sacramento visível desta unidade salutar (15). Destinada a estender-se a todas as regiões, ela entra na história dos homens, ao mesmo tempo que transcende os tempos e as fronteiras dos povos. Caminhando por meio de tentações e tribulações, a Igreja é confortada pela força da graça de Deus que lhe foi prometida pelo Senhor para que não se afaste da perfeita fidelidade por causa da fraqueza da carne, mas permaneça digna esposa do seu Senhor, e, sob a acção do Espírito Santo, não cesse de se renovar até, pela cruz, chegar à luz que não conhece ocaso.

O sacerdócio comum e o sacerdócio ministerial

10. Cristo Nosso Senhor, Pontífice escolhido de entre os homens (cfr. Hebr. 5, 1-5), fez do novo povo um «reino sacerdotal para seu Deus e Pai» (Apor. 1,6; cfr. 5, 9-10). Na verdade, os baptizados, pela regeneração e pela unção do Espírito Santo, são consagrados para serem casa espiritual, sacerdócio santo, para que, por meio de todas as obras próprias do cristão, ofereçam oblações espirituais e anunciem os louvores daquele que das trevas os chamou à sua admirável luz (cfr. 1 Ped. 2, 4-10). Por isso, todos os discípulos de Cristo, perseverando na oração e louvando a Deus (cfr. Act., 2, 42-47), ofereçam-se a si mesmos como hóstias vivas, santas, agradáveis a Deus (cfr. Roma 12,1), dêem. testemunho de Cristo em toda a parte e àqueles que lha pedirem dêem razão da esperança da vida eterna que neles habita (cfr. 1 Ped. 3,15). .O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico, embora se diferenciem essencialmente e não apenas em grau, ordenam-se mutuamente um ao outro; pois um e outro participam, a seu modo, do único sacerdócio de Cristo (16). Com efeito, o sacerdote ministerial, pelo seu poder sagrado, forma e conduz o povo sacerdotal, realiza o sacrifício eucarístico fazendo as vezes de Cristo e oferece-o a Deus em nome de todo o povo; os fiéis, por sua parte, concorrem para a oblação da Eucaristia em virtude do seu sacerdócio real (17), que eles exercem na recepção dos sacramentos, na oração e acção de graças, no testemunho da santidade de vida, na abnegação e na caridade operosa.

O exercício do sacerdócio comum nos sacramentos

11. A índole sagrada e, orgânica da comunidade sacerdotal efectiva-se pelos sacramentos e pelas virtudes. Os fiéis, incorporados na Igreja pelo Baptismo, são destinados pelo carácter baptismal ao culto da religião cristã e, regenerados para filhos de Deus, devem confessar diante dos homens a fé que de Deus receberam por meio da Igreja (18). Pelo sacramento da Confirmação, são mais perfeitamente vinculados à Igreja, enriquecidos com uma força especial do Espírito Santo e deste modo ficam obrigados a difundir e defender a fé por palavras e obras como verdadeiras testemunhas de Cristo (19). Pela participação no sacrifício eucarístico de Cristo, fonte e centro de toda a vida cristã, oferecem a Deus a vítima divina e a si mesmos juntamente com ela (20); assim, quer pela oblação quer pela sagrada comunhão, não indiscriminadamente mas cada um a seu modo, todos tomam parte na acção litúrgica. Além disso, alimentados pelo corpo de Cristo na Eucaristia, manifestam visivelmente a unidade do Povo de Deus, que neste augustíssimo sacramento é perfeitamente significada e admiravelmente realizada.

Aqueles que se aproximam do sacramento da Penitência, obtêm da misericórdia de Deus o perdão da ofensa a Ele feita e ao mesmo tempo reconciliam-se com a Igreja, que tinham ferido com o seu pecado, a qual, pela caridade, exemplo e oração, trabalha pela sua conversão. Pela santa Unção dos enfermos e pela oração dos presbíteros, toda a Igreja encomenda os doentes ao Senhor padecente e glorificado para que os salve (cfr. Tg. 5, 14-16); mais ainda, exorta-os a que, associando-se livremente à Paixão e morte de Cristo (cfr. Rom. 8,17; Col. 1,24; 2 Tim. 11,12; 1 Ped. 4,13), concorram para o bem do Povo de Deus. Por sua vez, aqueles de entre os fiéis que são assinalados com a sagrada Ordem, ficam constituídos em nome de Cristo para apascentar a Igreja com a palavra e graça de Deus. Finalmente, os cônjuges cristãos, em virtude do sacramento do Matrimónio, com que significam e. participam o mistério da unidade do amor fecundo entre Cristo e a Igreja (cfr. Ef. 5,32), auxiliam-se mutuamente para a santidade, pela vida conjugal e pela procriação e educação dos filhos, e têm assim, no seu estado de vida e na sua ordem, um dom próprio no Povo de Deus (cfr. 1 Cor. 7,7) (21) Desta união origina-se a família, na qual nascem novos cidadãos da sociedade humana os quais, para perpetuar o Povo de Deus através dos tempos, se tornam filhos de Deus pela graça do Espírito Santo, no Baptismo. Na família, como numa igreja doméstica, devem os pais, pela palavra e pelo exemplo, ser para os filhos os primeiros arautos da fé e favorecer a vocação própria de cada um, especialmente a vocação sagrada.

Munidos de tantos e tão grandes meios de salvação, todos os fiéis, seja qual for a sua condição ou estado, são chamados pelo Senhor à perfeição do Pai, cada um por seu caminho.

O sentido da fé e dos carismas no povo cristão

12. O Povo santo de Deus participa também da função profética de Cristo, difundindo o seu testemunho vivo, sobretudo pela vida de fé e de caridade oferecendo a Deus o sacrifício de louvor, fruto dos lábios que confessam o Seu nome (cfr. Hebr. 13,15). A totalidade dos fiéis que receberam a unção do Santo (cfr. Jo. 2, 20 e 27), não pode enganar-se na fé; e esta sua propriedade peculiar manifesta-se por meio do sentir sobrenatural da fé do povo todo, quando este, «desde os Bispos até ao último dos leigos fiéis» (22), manifesta consenso universal em matéria de fé e costumes. Com este sentido da fé, que se desperta e sustenta pela acção do Espírito de verdade, o Povo de Deus, sob a direcção do sagrado magistério que fielmente acata, já não recebe simples palavra de homens mas a verdadeira palavra de Deus (cfr. 1 Tess. 2,13), adere indefectivelmente à fé uma vez confiada aos santos (cfr. Jud. 3), penetra-a mais profundamente com juízo acertado e aplica-a mais totalmente na vida.

Além disso, este mesmo Espírito Santo não só santifica e conduz o Povo de Deus por meio dos sacramentos e ministérios e o adorna com virtudes, mas «distribuindo a cada um os seus dons como lhe apraz» (1 Cor. 12,11), distribui também graças especiais entre os fiéis de todas as classes, as quais os tornam aptos e dispostos a tomar diversas obras e encargos, proveitosos para a renovação e cada vez mais ampla edificação da Igreja, segundo aquelas palavras: ; «a cada qual se concede a manifestação do Espírito em ordem ao bem comum» (1 Cor. 12,7). Estes carismas, quer sejam os mais elevados, quer também os mais simples e comuns, devem ser recebidos com acção de graças e consolação, por serem muito acomodados e úteis às necessidades da Igreja. Não se devem porém, pedir temerariamente, os dons extraordinários nem deles se devem esperar com presunção os frutos das obras apostólicas; e o juízo acerca da sua autenticidade e recto uso, pertence àqueles que presidem na Igreja e aos quais compete de modo especial não extinguir o Espírito mas julgar tudo e conservar o que é bom (cfr. 1 Tess. 5, 12. 19-21).

Universalidade e catolicidade do único Povo de Deus

13. Ao novo Povo de Deus todos os homens são chamados. Por isso, este Povo, permanecendo uno e único, deve estender-se a todo o mundo e por todos os séculos, para se cumprir o desígnio da vontade de Deus que, no princípio, criou uma só natureza humana e resolveu juntar em unidade todos os seus filhos que estavam dispersos (cfr. Jo. 11,52). Foi para isto que Deus enviou o Seu Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas (cfr. Hebr. 1,2), para ser mestre, rei e sacerdote universal, cabeça do novo e universal Povo dos filhos de Deus. Para isto Deus enviou finalmente também o Espírito de Seu Filho, Senhor e fonte de vida, o qual é para toda a Igreja e para cada um dos crentes princípio de agregação e de unidade na doutrina e na comunhão dos Apóstolos, na fracção do pão e na oração (cfr. Act. 2,42 gr.).

E assim, o Povo de Deus encontra-se entre todos os povos da terra, já que de todos recebe os cidadãos, que o são dum reino não terrestre mas celeste. Pois todos os fiéis espalhados pelo orbe comunicam com os restantes por meio do Espírito Santo, de maneira que «aquele que vive em Roma, sabe que os indianos são membros seus»(23),. Mas porque o reino de Cristo não é deste mundo (cfr. Jo. 18,36), a Igreja, ou seja o Povo de Deus, ao implantar este reino, não subtrai coisa alguma ao bem temporal de nenhum povo, mas, pelo contrário, fomenta e assume as qualidades, as riquezas, os costumes e o modo de ser dos povos, na medida em que são bons; e assumindo-os, purifica-os, fortalece-os e eleva-os. Pois lembra-se que lhe cumpre ajuntar-se com aquele rei a quem os povos foram dados em herança (cfr. Salm. 2,8), e para a cidade à qual levam dons e ofertas (cfr. Salm. 71 [72], 10; Is. 60, 47; Apoc. 21,24). Este carácter de universalidade que distingue o Povo de Deus é dom do Senhor; por Ele a Igreja católica tende eficaz e constantemente à recapitulação total da humanidade com todos os seus bens sob a cabeça, Cristo, na unidade do Seu Espírito (24).

Em virtude desta mesma catolicidade, cada uma das partes traz às outras e a toda a Igreja os seus dons particulares, de maneira que o todo e cada uma das partes aumentem pela comunicação mútua entre todos e pela aspiração comum à plenitude na unidade. Daí vem que o Povo de Deus não só se forma de elementos oriundos de diversos povos mas também se compõe ele mesmo de várias ordens. Existe de facto entre os seus membros diversidade, quer segundo as funções, enquanto alguns desempenham o sagrado ministério a favor de seus irmãos, quer segundo a condição e estado de vida, enquanto muitos, no estado religioso, buscando a santidade por um caminho mais estreito, estimulam os irmãos com o seu exemplo. É também por isso que na comunhão eclesial existem legitimamente igrejas particulares com tradições próprias, sem detrimento do primado da cátedra de Pedro, que preside à universal assembleia da caridade (25), protege as legítimas diversidades e vigia para que as particularidades ajudem a unidade e de forma alguma a prejudiquem. Daí, finalmente, os laços de íntima união entre as diversas partes da Igreja, quanto às riquezas espirituais, obreiros apostólicos e ajudas materiais. Pois os membros do Povo de Deus são chamados a repartir entre si os bens, valendo para cada igreja as palavras do Apóstolo: «cada um ponha ao serviço dos outros o dom que recebeu, como bons administradores da multiforme graça de Deus» (1 Ped. 4,10).

Todos os homens são chamados a esta unidade católica do Povo de Deus, a qual anuncia e promove a paz universal; a ela pertencem, de vários modos, ou a ela se ordenam, quer os católicos quer os outros que acreditam em Cristo quer, finalmente, todos os homens em geral, pela graça de Deus chamados à salvação.

Os fiéis católicos; a necessidade da Igreja

14. O sagrado Concílio volta-se primeiramente para os fiéis católicos. Fundado na Escritura e Tradição, ensina que esta Igreja, peregrina sobre a terra, é necessária para a salvação. Com efeito, só Cristo é mediador e caminho de salvação e Ele torna-Se-nos presente no Seu corpo, que é a Igreja; ao inculcar expressamente a necessidade da fé e do Baptismo (cfr. Mc. 16,16; Jo. 3,15), confirmou simultaneamente a necessidade da Igreja, para a qual os homens entram pela porta do Baptismo. Pelo que, não se poderiam salvar aqueles que, não ignorando ter sido a Igreja católica fundada por Deus, por meio de Jesus Cristo, como necessária, contudo, ou não querem entrar nela ou nela não querem perseverar.

São plenamente incorporados à sociedade que é a Igreja aqueles que, tendo o Espírito de Cristo, aceitam toda a sua organização e os meios de salvação nela instituídos, e que, pelos laços da profissão da fé, dós sacramentos, do governo eclesiástico e da comunhão, se unem, na sua estrutura visível, com Cristo, que a governa por meio do Sumo Pontífice e dos Bispos. Não se salva, porém, embora incorporado à Igreja, quem não persevera na caridade: permanecendo na Igreja pelo «corpo», não está nela com o coração (26). Lembrem-se, porém, todos os filhos da Igreja que a sua sublime condição não é devida aos méritos pessoais, mas sim à especial graça de Cristo; se a ela não corresponderem com os pensamentos, palavras e acções, bem longe de se salvarem, serão antes mais severamente julgados (27).

Os catecúmenos que, movidos pelo Espírito Santo, pedem explicitamente para serem incorporados na Igreja, já lhe estão unidos por esse desejo, e a mãe Igreja já os abraça com amor e solicitude.

Vínculos da Igreja com os cristãos não-católicos

15. A Igreja vê-se ainda unida, por muitos títulos, com os baptizados que têm o nome de cristãos, embora não professem integralmente a fé ou não guardem a unidade de comunhão com o sucessor de Pedro (28). Muitos há, com efeito, que têm e prezam a Sagrada Escritura como norma de fé e de vida, manifestam sincero zelo religioso, crêem de coração em Deus Pai omnipotente e em Cristo, Filho de Deus Salvador (29), são marcados pelo Baptismo que os une a Cristo e reconhecem e recebem mesmo outros sacramentos nas suas próprias igrejas ou comunidades eclesiásticas. Muitos de entre eles têm mesmo um episcopado, celebram a sagrada Eucaristia e cultivam a devoção para com a Virgem Mãe de Deus (30). Acrescenta-se a isto a comunhão de orações e outros bens espirituais; mais ainda, existe uma certa união verdadeira no Espírito Santo, o qual neles actua com os dons e graças do Seu poder santificador, chegando a fortalecer alguns deles até ao martírio. Deste modo, o Espírito suscita em todos os discípulos de Cristo o desejo e a prática efectiva em vista de que todos, segundo o modo estabelecido por Cristo, se unam pacificamente num só rebanho sob um só pastor (31). Para alcançar este fim, não deixa nossa mãe a Igreja de orar, esperar e agir, e exorta os seus filhos a que se purifiquem e renovem, para que o sinal de Cristo brilhe mais claramente no seu rosto.

Relação da Igreja com os não-cristãos

16. Finalmente, aqueles que ainda não receberam o Evangelho, estão de uma forma ou outra orientados para o Povo de Deus (32). Em primeiro lugar, aquele povo que recebeu a aliança e as promessas, e do qual nasceu Cristo segundo a carne (cfr. Rom. 9, 4-5), povo que segundo a eleição é muito amado, por causa dos Patriarcas, já que os dons e o chamamento de Deus são irrevogáveis (cfr. Rom. 11, 28-29). Mas o desígnio da salvação estende-se também àqueles que reconhecem o Criador, entre os quais vêm em primeiro lugar os muçulmanos, que professam seguir a fé de Abraão, e connosco adoram o Deus único e misericordioso, que há-de julgar os homens no último dia. E o mesmo Senhor nem sequer está longe daqueles que buscam, na sombra e em imagens, o Deus que ainda desconhecem; já que é Ele quem a todos dá vida, respiração e tudo o mais (cfr. Act. 17, 25-28) e, como Salvador, quer que todos os homens se salvem (cfr. 1 Tim. 2,4). Com efeito, aqueles que, ignorando sem culpa o Evangelho de Cristo, e a Sua Igreja, procuram, contudo, a Deus com coração sincero, e se esforçam, sob o influxo da graça, por cumprir a Sua vontade, manifestada pelo ditame da consciência, também eles podem alcançar a salvação eterna (33). Nem a divina Providência nega os auxílios necessários à salvação àqueles que, sem culpa, não chegaram ainda ao conhecimento explícito de Deus e se esforçam, não sem o auxílio da graça, por levar uma vida recta. Tudo o que de bom e verdadeiro neles há, é considerado pela Igreja como preparação para receberem o Evangelho (34), dado por Aquele que ilumina todos os homens, para que possuam finalmente a vida. Mas, muitas vezes, os homens, enganados pelo demónio, desorientam-se em seus pensamentos e trocam a verdade de Deus pela mentira, servindo a criatura de preferência ao Criador (cfr. Rom. 1,21 e 25), ou então, vivendo e morrendo sem Deus neste mundo, se expõem à desesperação final. Por isso, para promover a glória de Deus e a salvação de todos estes, a Igreja, lembrada do mandato do Senhor: «pregai o Evangelho a toda a criatura» (Mc. 16,16), procura zelosamente impulsionar as missões.

Carácter missionário da Igreja

17. Assim como o Filho foi enviado pelo Pai, assim também Ele enviou os Apóstolos (cfr. Jo. 20,21) dizendo: «ide, pois, ensinai todas as gentes, baptizai-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinai-as a observar tudo aquilo que vos mandei. Eis que estou convosco todos os dias até à consumação dos séculos» (Mt. 28, 19-20). A Igreja recebeu dos Apóstolos este mandato solene de Cristo, de anunciar a verdade da salvação e de a levar até aos confins da terra (cfr. Act. 1,8). Faz, portanto, suas as palavras do Apóstolo: «ai de mim, se não prego o Evangelho» (1 Cor. 9,16), e por isso continua a mandar incessantemente os seus arautos, até que as novas igrejas se formem plenamente e prossigam, por sua vez, a obra da evangelização. Pois é impelida pelo Espírito Santo a cooperar para que o desígnio de Deus, que fez de Cristo o princípio de salvação para todo o mundo, se realize totalmente. Pregando o Evangelho, a Igreja atrai os ouvintes a crer e confessar a fé, dispõe para o Baptismo, liberta da escravidão do erro e incorpora-os a Cristo, a fim de que n'Ele cresçam pela caridade, até à plenitude. E a sua acção faz com que tudo quanto de bom encontra no coração e no espírito dos homens ou nos ritos e cultura próprios de cada povo, não só não pereça mas antes seja sanado, elevado e aperfeiçoado, para glória de Deus, confusão do demónio e felicidade do homem. A todo. o discípulo de Cristo incumbe o encargo de difundir a fé, segundo a própria medida (35). Mas se todos podem baptizar os que acreditam, contudo, é próprio do sacerdote aperfeiçoar, com o sacrifício eucarístico, a edificação do corpo, cumprindo assim a palavra de Deus, anunciada pelo profeta: «do Oriente até ao Ocidente grande é o meu nome entre as gentes, e em todos os lugares é sacrificada e oferecida ao meu nome uma oblação pura» (Mal. 1,11) (36). É assim que a Igreja simultâneamente ora e trabalha para que toda a humanidade se transforme em Povo de Deus, corpo do Senhor e templo do Espírito Santo, e em Cristo, cabeça de todos, se dê ao Pai e Criador de todas as coisas toda a honra e toda a glória.

CAPÍTULO III

A CONSTITUIÇÃO HIERÁRQUICA
DA IGREJA E EM ESPECIAL O EPISCOPADO

Proémio: o primado de Pedro

18. Cristo Nosso Senhor, para apascentar e aumentar continuamente o Povo de Deus, instituiu na Igreja diversos ministérios, para bem de todo o corpo. Com efeito, os ministros que têm o poder sagrado servem os seus irmãos para que todos os que pertencem ao Povo de Deus, e por isso possuem a verdadeira dignidade cristã, alcancem a salvação, conspirando livre e ordenadamente para o mesmo fim.

Este sagrado Concílio, seguindo os passos do Concílio Vaticano I, com ele ensina e declara que Jesus Cristo, pastor eterno, edificou a Igreja tendo enviado os Apóstolos como Ele fora enviado pelo Pai (cfr. Jo. 20,21); e quis que os sucessores deles, os Bispos, fossem pastores na Sua Igreja até ao fim dos tempos. Mas, para que o mesmo episcopado fosse uno e indiviso, colocou o bem-aventurado Pedro à frente dos outros Apóstolos e nele instituiu o princípio e fundamento perpétuo e visível da unidade de fé e comunhão (37). Este sagrado Concílio propõe de novo, para ser firmemente acreditada por todos os fiéis, esta doutrina sobre a instituição perpétua, alcance e natureza do sagrado primado do Pontífice romano e do seu magistério infalível, e, prosseguindo a matéria começada, pretende declarar e manifestar a todos a doutrina sobre os Bispos, sucessores dos Apóstolos, que, com o sucessor de Pedro, vigário de Cristo (38) e cabeça visível de toda a Igreja, governam a casa de Deus vivo.

O colégio dos doze Apóstolos

19. O Senhor Jesus, depois de ter orado ao Pai, chamando a Si os que Ele quis, elegeu doze para estarem com Ele e para os enviar a pregar o Reino de Deus (cfr. Mc. 3, 13-19; Mt. 10, 1-42); e a estes Apóstolos (cfr. Luc. 6,13) constituiu-os em colégio ou grupo estável e deu-lhes como chefe a Pedro, escolhido de entre eles (cfr. Jo. 21, 15-17). Enviou-os primeiro aos filhos de Israel e, depois, a todos os povos (cfr. Rom. 1,16), para que, participando do Seu poder, fizessem de todas as gentes discípulos seus e as santificassem e governassem (cfr. Mt. 28, 16-20; Mc. 16,15; Luc. 24, 45-8; Jo. 20, 21-23) e deste modo propagassem e apascentarem a Igreja, servindo-a, sob a direcção do Senhor, todos os dias até ao fim dos tempos (cfr. Mt. 28,20). No dia de Pentecostes foram plenamente confirmados nesta missão (cfr. Act. 2, 1-26) segundo a promessa do Senhor: «recebereis a força do Espírito Santo que descerá sobre vós e sereis minhas testemunhas em Jerusalém e em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra (Act. 1,8). E os Apóstolos, pregando por toda a parte o Evangelho (cfr. Mc. 16,20), recebido pelos ouvintes graças à acção do Espírito Santo, reunem a Igreja universal que o Senhor fundou sobre os Apóstolos e levantou sobre o bem-aventurado Pedro seu chefe, sendo Jesus Cristo a suma pedra angular (cfr. Apoc. 21,14; Mt. 16,18; Ef. 2,20) (39).

Os Bispos, sucessores dos Apóstolos

20. A missão divina confiada por Cristo aos Apóstolos durará até ao fim dos tempos (cfr. Mt. 28,20), uma vez que o Evangelho que eles devem anunciar é em todo o tempo o princípio de toda a vida na Igreja. Pelo que os Apóstolos trataram de estabelecer sucessores, nesta sociedade hierarquicamente constituída.

Assim, não só tiveram vários auxiliares no ministério (40) mas, para que a missão que lhes fora entregue se continuasse após a sua morte, confiaram a seus imediatos colaboradores, como em testamento, o encargo de completarem e confirmarem a obra começada por eles (41), recomendando-lhes que velassem por todo o rebanho, sobre o qual o Espírito Santo os restabelecera para apascentarem a Igreja de Deus (cfr. Act. 20, 28). Estabeleceram assim homens com esta finalidade e ordenaram também que após a sua morte fosse o seu ministério assumido por outros homens experimentados (42). Entre os vários ministérios que na Igreja se exercem desde os primeiros tempos, consta da tradição que o principal é o daqueles que, constituídos no episcopado em sucessão ininterrupta (43) são transmissores do múnus apostólico (44). E assim, como testemunha santo Ireneu, a tradição apostólica é manifestada em todo o mundo (45) e guardada (46) por aqueles que pelos Apóstolos foram constituídos Bispos e seus sucessores.

Portanto, os Bispos receberam, com os seus colaboradores os presbíteros e diáconos, o encargo da comunidade (47), presidindo em lugar de Deus ao rebanho (48) de que são pastores como mestres da doutrina, sacerdotes do culto sagrado, ministros do governo (49). E assim como permanece o múnus confiado pelo Senhor singularmente a Pedro, primeiro entre os Apóstolos, e que se devia transmitir aos seus sucessores, do mesmo modo permanece o múnus dos Apóstolos de apascentar a Igreja, o qual deve ser exercido perpetuamente pela sagrada Ordem dos Bispos (50). Ensina, por isso, o sagrado Concílio que, por instituição divina, os Bispos sucedem aos Apóstolos (51), como pastores da Igreja; quem os ouve, ouve a Cristo; quem os despreza, despreza a Cristo e Aquele que enviou Cristo (cfr. Luc. 10,16) (52).

O Episcopado como Sacramento

21. Na pessoa dos Bispos, assistidos pelos presbíteros, está presente no meio dos fiéis o Senhor Jesus Cristo, pontífice máximo. Sentado à direita de Deus Pai, não deixa de estar presente ao corpo dos seus pontífices (53), mas, antes de mais, por meio do seu exímio ministério, prega a todas as gentes a palavra de Deus, administra continuamente aos crentes os sacramento . da fé, incorpora por celeste regeneração e graças à sua acção paternal cfr. 1 Cor. 4,15) novos membros ao Seu corpo e, finalmente, com sabedoria e prudência, dirige e orienta o Povo do Novo Testamento na peregrinação para a eterna felicidade. Estes pastores, escolhidos para apascentar o rebanho do Senhor, são ministros de Cristo e dispensadores dos mistérios de Deus (cfr. 1 Cor. 4,1); a eles foi confiado o testemunho do Evangelho da graça de Deus (cfr. Rom. 15,16; Act. 20,24) e a administração do Espírito e da justiça em glória (cfr. 2 Cor. 3, 8-9).

Para desempenhar tão elevadas funções, os Apóstolos foram enriquecidos por Cristo com uma efusão especial do Espírito Santo que sobre eles desceu (cfr. Act. 1,8; 2,4; Jo. 20, 22-23), e eles mesmos transmitiram este dom do Espírito aos seus colaboradores pela imposição das mãos (cfr. 1 Tim. 4,14; 2 Tim. 1, 6-7), o qual foi transmitido até aos nossos dias através da consagração episcopal (54). Ensina, porém, o sagrado Concílio que, pela consagração episcopal, se confere a plenitude do sacramento da Ordem, aquela que é chamada sumo sacerdócio e suma do sagrado ministério na tradição litúrgica e nos santos Padres (55). A consagração episcopal, juntamente com o poder de santificar, confere também os poderes de ensinar e governar, os quais, no entanto, por sua própria natureza, só podem ser exercidos em comunhão hierárquica com a cabeça e os membros do colégio episcopal. De facto, consta pela tradição, manifestada sobretudo nos ritos litúrgicos da Igreja tanto ocidental como oriental, que a graça do Espírito Santo é conferida pela imposição das mãos e pelas palavras da consagração (56), e o carácter sagrado é impresso (57) de tal modo que os Bispos representam de forma eminente e conspícua o próprio Cristo, mestre, pastor e pontífice, e actuam em vez d'Ele (58). Pertence aos Bispos assumir novos eleitos no corpo episcopal por meio do sacramento da Ordem.

O Colégio dos Bispos e a sua Cabeça

22. Assim como, por instituição do Senhor, S. Pedro e os restantes Apóstolos formam um colégio apostólico, assim de igual modo estão unidos entre si o Romano Pontífice, sucessor de Pedro, e os Bispos, sucessores dos Apóstolos. A natureza colegial da ordem episcopal, claramente comprovada pelos Concílios ecuménicos celebrados no decurso dos séculos, manifesta-se já na disciplina. primitiva, segundo a qual os Bispos de todo o orbe comunicavam entre si e com o Bispo de Roma no vínculo da unidade, da caridade e da paz (59); e também na reunião de Concílios (60), nos quais se decidiram em comum coisas importantes (61), depois de ponderada a decisão pelo parecer de muitos (62); o mesmo é claramente demonstrado pelos Concílios Ecuménicos, celebrados no decurso dos séculos. E o uso já muito antigo de chamar vários Bispos a participarem na elevação do novo eleito ao ministério do sumo sacerdócio insinua-a já também. É, pois, em virtude da sagração episcopal e pela comunhão hierárquica com a cabeça e os membros do colégio que alguém é constituído membro do corpo episcopal.

Porém, o colégio ou corpo episcopal não tem autoridade a não ser em união com o Romano Pontífice, sucessor de Pedro, entendido com sua cabeça, permanecendo inteiro o poder do seu primado sobre todos, quer pastores quer fiéis. Pois o Romano Pontífice, em virtude do seu cargo de vigário de Cristo e pastor de toda a Igreja, tem nela pleno, supremo e universal poder que pode sempre exercer livremente. A Ordem dos Bispos, que sucede ao colégio dos Apóstolos no magistério e no governo pastoral, e, mais ainda, na qual o corpo apostólico se continua perpetuamente, é também juntamente com o Romano Pontífice, sua cabeça, e nunca sem a cabeça, sujeito do supremo e pleno poder sobre toda a Igreja (63), poder este que não se pode exercer senão com o consentimento do Romano Pontífice. Só a Simão colocou o Senhor como pedra e clavário da Igreja (cfr. Mt. 16, 18-19), e o constituiu pastor de todo o Seu rebanho (cfr. Jo. 21, 15 ss.); mas é sabido que o encargo de ligar e desligar conferido a Pedro (Mt. 16,19), foi também atribuído ao colégio dos Apóstolos unido à sua cabeça (Mt. 18,18; 28, 16-20) (64). Este colégio, enquanto composto por muitos, exprime a variedade e universalidade do Povo de Deus e, enquanto reunido sob uma só cabeça, revela a unidade do redil de Cristo. Neste colégio, os Bispos, respeitando fielmente o primado e chefia da sua cabeça, gozam de poder próprio para bem dos seus fiéis e de toda a Igreja, corroborando sem cessar o Espírito Santo a estrutura orgânica e a harmonia desta.

O supremo poder sobre a Igreja universal, que este colégio tem, exerce-se solenemente no Concílio Ecuménico. Nunca se dá um Concílio Ecuménico sem que seja como tal confirmado ou pelo menos aceite pelo sucessor de Pedro; e é prerrogativa do Romano Pontífice convocar estes Concílios, presidi-los e confirmá-los (65). O mesmo poder colegial pode ser exercido, juntamente com o Papa, pelos Bispos espalhados pelo mundo, contanto que a cabeça do colégio os chame a uma acção colegial ou, pelo menos, aprove ou aceite livremente a acção conjunta dos Bispos dispersos, de forma que haja verdadeiro acto colegial.

Relação dos Bispos dentro do Colégio

23. A união colegial aparece também nas mútuas relações de cada Bispo com as igrejas particulares e com a Igreja universal. O Romano Pontífice, como sucessor de Pedro, é perpétuo e visível fundamento da unidade, não só dos Bispos mas também da multidão dos fiéis (66). E cada um dos Bispos é princípio e fundamento visível da unidade nas suas respectivas igrejas(67), formadas à imagem da Igreja universal, das quais e pelas quais existe a Igreja católica, una e única (68). Pelo que, cada um dos Bispos representa a sua igreja e, todos em união com o Papa, no vínculo da paz, do amor e da unidade, a Igreja inteira.

Cada um dos Bispos que estão à frente de igrejas particulares, desempenha a acção pastoral sobre o porção do Povo de Deus a ele confiada, não sobre as outras igrejas nem sobre a Igreja universal. Porém, enquanto membros do colégio episcopal e legítimos sucessores dos Apóstolos, estão obrigados, por instituição e preceito de Cristo, à solicitude sobre toda a Igreja (69), a qual, embora não se exerça por um acto de jurisdição, concorre, contudo, grandemente para o bem da Igreja universal. Todos os Bispos devem, com efeito, promover e defender a unidade da fé e disciplina comum a toda a Igreja; formar os fiéis no amor pelo Corpo místico de Cristo, principalmente pelos membros pobres, sofredores e que padecem perseguição por amor da justiça (cfr. Mt. 5,0); devem, finalmente, promover todas as actividades que são comuns a toda a Igreja, sobretudo para que a fé se difunda e a luz da verdade total nasça para todos os homens. Aliás, é certo que, governando bem a própria igreja, como porção da Igreja universal, concorrem eficazmente para o bem de todo o Corpo místico, que é também o corpo das igrejas (70).

O cuidado de anunciar o Evangelho em todas as partes da terra pertence ao corpo dos pastores, aos quais em conjunto deu Cristo o mandato, impondo este comum dever, como já o Papa Celestino recordava aos Padres do Concílio de Éfeso (71). Pelo que, cada um dos Bispos, quanto o desempenho do seu próprio ministério o permitir, está obrigado a colaborar com os demais Bispos é com o sucessor de Pedro, a quem, dum modo especial, foi confiado o nobre encargo de propagar o cristianismo (72). Devem, por isso, com todas as forças, subministrar às Missões, não só operários para a messe, mas também auxílios espirituais e materiais, tanto por si mesmos directamente como fomentando a generosa cooperação dos fiéis. Finalmente, os Bispos, em universal comunhão de caridade, prestem de boa vontade ajuda fraterna às outras igrejas, em especial às mais vizinhas e necessitadas, segundo o venerando exemplo dos antepassados.

Por divina Providência sucedeu que várias igrejas, instituídas em diversos lugares pelos Apóstolos e seus sucessores, se juntam, no decorrer do tempo, em vários grupos organicamente unidos, os quais, salva a unidade da fé e a única constituição divina da Igreja universal, têm leis próprias, rito litúrgico próprio, e património teológico e espiritual próprio. Algumas de entre elas, principalmente as antigas igrejas patriarcais, como matrizes da fé, geraram outras, que são como que as suas filhas e com as quais permaneceram unidas na vida sacramental e no respeito pelos mútuos direitos e deveres (73). Esta variedade de igrejas locais a convergir para a unidade, manifesta mais claramente a catolicidade da indivisa Igreja. De modo semelhante, as Conferências episcopais podem hoje aportar uma contribuição múltipla e fecunda para que o sentimento colegial leve a aplicações concretas.

O tríplice ministério dos Bispos

24. Os Bispos, com sucessores dos Apóstolos, recebem do Senhor, a quem foi dado todo o poder no céu e na terra, a missão de ensinar todos os povos e de pregar o Evangelho a toda a criatura, para que todos os homens se salvem pela fé, pelo Baptismo e pelo cumprimento dos mandamentos (cfr. Mt 28,18; Mc. 16, 15-16; Act. 26, 17 ss.). Para realizar esta missão, Cristo Nosso Senhor prometeu o Espírito Santo aos Apóstolos e enviou-o do céu no dia de Pentecostes, para, com o Seu poder, serem testemunhas perante as nações, os povos e os reis, até aos confins da terra (cfr. Act. 1,8; 2,1 ss.; 9,15). Este encargo que o Senhor confiou aos pastores do Seu povo é um verdadeiro serviço, significativamente chamado «diaconia» ou ministério na Sagrada Escritura (cfr. Act. 1, 17 e 25; 21-19; Rom. 11, 13; 1 Tim. 1,12).

A missão canónica dos Bispos pode realizar-se segundo legítimos costumes, não revogados pela suprema e universal autoridade da Igreja, ou por leis concedidas ou reconhecidas por esta mesma autoridade, ou directamente pelo próprio sucessor de Pedro. Se este recusar ou negar a comunhão apostólica, não poderão os Bispos entrar no exercício do seu cargo (74).

O ministério episcopal de ensinar

25. Entre os principais encargos dos Bispos ocupa lugar preeminente a pregação do Evangelho (75). Os Bispos são os arautos da fé que para Deus conduzem novos discípulos. Dotados da autoridade de Cristo, são doutores autênticos, que pregam ao povo a eles confiado a fé que se deve crer e aplicar na vida prática; ilustrando-a sob a luz do Espírito Santo e tirando do tesoiro da revelação coisas novas e antigas (cfr. Mt. 13,52), fazem-no frutificar e solicitamente afastam os erros que ameaçam o seu rebanho (cfr. 2 Tim. 4, 1-4). Ensinando em comunhão com o Romano Pontífice, devem por todos ser venerados como testemunhas da verdade divina e católica. E os fiéis devem conformar-se ao parecer que o seu Bispo emite em nome de Cristo sobre matéria de fé ou costumes, aderindo a ele com religioso acatamento. Esta religiosa submissão da vontade e do entendimento é por especial razão devida ao magistério autêntico do Romano Pontífice, mesmo quando não fala ex cathedra; de maneira que o seu supremo magistério seja reverentemente reconhecido, se preste sincera adesão aos ensinamentos que dele emanam, segundo o seu sentir e vontade; estes manifestam-se sobretudo quer pela índole dos documentos, quer pelas frequentes repetições da mesma doutrina, quer pelo modo de falar.

Embora os Bispos, individualmente, não gozem da prerrogativa da infalibilidade, anunciam, porém, infalivelmente a doutrina de Cristo sempre que, embora dispersos pelo mundo mas unidos entre si e com o sucessor de Pedro, ensinam autenticamente matéria de fé ou costumes concordando em que uma doutrina deve ser tida por definida (76). O que se verifica ainda mais manifestamente quando, reunidos em Concílio Ecuménico, são doutores e juízes da fé e dos costumes para toda a Igreja, devendo-se aderir com fé às suas definições (77).

Mas esta infalibilidade com que o divino Redentor quis dotar a Sua igreja, na definição de doutrinas de fé ou costumes, estende-se tanto quanto se estende o depósito da divina Revelação, o qual se deve religiosamente guardar e fielmente expor. Desta mesma infalibilidade goza o Romano Pontífice em razão do seu ofício de cabeça do colégio episcopal, sempre que, como supremo pastor dos fiéis cristãos, que deve confirmar na fé os seus irmãos (cfr. Lc. 22,32), define alguma doutrina em matéria de fé ou costumes (78). As suas definições com razão se dizem irreformáveis por si mesmas e não pelo consenso da Igreja, pois foram pronunciadas sob a assistência do Espírito Santo, que lhe foi prometida na pessoa de S. Pedro. Não precisam, por isso, de qualquer alheia aprovação, nem são susceptíveis de apelação a outro juízo. Pois, nesse caso, o Romano Pontífice não fala como pessoa privada, mas expõe ou defende a doutrina da fé católica como mestre supremo da Igreja universal, no qual reside de modo singular o carisma da infalibilidade da mesma Igreja (79). A infalibilidade prometida à Igreja reside também no colégio episcopal, quando este exerce o supremo magistério em união com o sucessor de Pedro. A estas definições nunca pode faltar o assentimento da Igreja, graças à acção do Espírito Santo, que conserva e faz progredir na unidade da fé todo o rebanho de Cristo (80).

Porém, quando o Romano Pontífice, ou o corpo episcopal com ele, define alguma verdade, propõe-na segundo a Revelação, à qual todos se devem conformar. Esta transmite-se integralmente, por escrito ou por tradição, através da legítima sucessão dos Bispos e, antes de mais, graças à solicitude do mesmo Romano Pontífice; e, sob a iluminação do Espírito de verdade, é santamente conservada e fielmente exposta na Igreja (81). Para a investigar como convém e enunciar aptamente, o Romano Pontífice e os Bispos, segundo o próprio ofício e a gravidade do assunto, trabalham diligentemente, recorrendo aos meios adequados (82); não recebem, porém, nenhuma nova revelação pública que pertença ao depósito divino da fé (83).

O ministério episcopal de santificar

26. Revestido da plenitude do sacramento da Ordem, o Bispo é o «administrador da graça do supremo sacerdócio» (84), principalmente na Eucaristia, que ele mesmo oferece ou providencia para que seja oferecida (85), e pela qual vive e cresce a Igreja. Esta Igreja de Cristo está verdadeiramente presente em todas as legítimas comunidades locais de fiéis, as quais aderindo aos seus pastores, são elas mesmas chamadas igrejas no Novo Testamento (86). Pois elas são, no local em que se encontram, o novo Povo chamado por Deus, no Espírito Santo e com plena segurança (cfr. 1 Tess. 1, 5). Nelas se congregam os fiéis pela pregação do Evangelho de Cristo e se celebra o mistério da Ceia do Senhor «para que o corpo da inteira fraternidade seja unido por meio da carne e sangue do Senhor» (87) Em qualquer comunidade que participa do altar sob o ministério sagrado do Bispo (88), é manifestado o símbolo do amor e da unidade do Corpo místico, sem o que não pode haver salvação (89). Nestas comunidades, embora muitas vezes pequenas e pobres, ou dispersas, está presente Cristo, por cujo poder se unifica a Igreja una, santa, católica e apostólica (90). Pois «outra coisa não faz a participação no corpo e sangue de Cristo, do que transformar-nos naquilo que recebemos» (91). Toda a legítima celebração da Eucaristia é dirigida pelo Bispo, a quem foi confiado o encargo de oferecer à divina Majestade o culto da religião cristã, e de o regular segundo os preceitos do Senhor e as leis da Igreja, ulteriormente determinadas para a própria diocese, segundo o seu parecer. Deste modo, os Bispos, orando e trabalhando pelo povo, espalham multiforme e abundantemente «plenitude da santidade de Cristo. Pelo ministério da palavra, comunicam a força de Deus, para salvação dos que crêem (cfr. Rom. 1,16) e, por meio dos sacramentos, cuja distribuição regular e frutuosa ordenam com a sua autoridade, santificam os fiéis (92). São eles que regulam a administração do Baptismo, pelo qual é concedida a participação no sacerdócio real de Cristo. São eles os ministros originários da Confirmação, dispensadores das sagradas ordens e reguladores da disciplina penitencial, e com solicitude exortam e instruem o seu povo para que participe com fé e reverência na Liturgia, principalmente no santo sacrifício da missa. Finalmente, devem ajudar com o próprio exemplo aqueles que governam, purificando os próprios costumes de todo o mal e tornando-os bons, quanto lhes for possível com o auxílio do Senhor, para que alcancem, com o povo que lhes é confiado, a vida eterna (93).

O ministério episcopal de reger

27. Os Bispos governam as igrejas particulares que lhes foram confiadas como vigários e legados de Cristo (94), por meio de conselhos, persuasões, exemplos, mas também com autoridade e poder sagrado, que exercem unicamente para edificar o próprio rebanho na verdade e na santidade, lembrados de que aquele que é maior se deve fazer como o menor, e o que preside como aquele que serve (cfr. Luc. 22, 26-27). Este poder que exercem pessoalmente em nome de Cristo, é próprio, ordinário e imediato, embora o seu exercício seja superiormente regulado pela suprema autoridade da Igreja e possa ser circunscrito dentro de certos limites para utilidade da Igreja ou dos fiéis. Por virtude deste poder, têm os Bispos o sagrado direito e o dever, perante o Senhor, de promulgar leis para os seus súbditos, de julgar e de orientar todas as coisas que pertencem à ordenação do culto e do apostolado.

A eles é confiado em plenitude o encargo pastoral, isto é, o cuidado quotidiano e habitual das próprias ovelhas; nem devem ser tidos por vigários dos Romanos Pontífices, uma vez que exercem uma autoridade própria e com toda a verdade são chamados antístites (95) dos povos que governam. O seu poder não é, pois, diminuído pela autoridade suprema e universal, mas antes, pelo contrário, é por ela assegurado, fortificado e defendido (96), dado que o Espírito Santo conserva indefectivelmente a forma de governo estabelecida por Cristo Nosso Senhor na Igreja.

O Bispo, enviado pelo Pai de família a governar a Sua família, tenha diante dos olhos o exemplo do bom pastor, que veio servir e não ser servido (cfr. Mt. 20,28; Mc. 10,45) e dar a própria vida pelas ovelhas (cfr. Jo. 10,11). Escolhido dentre os homens, e sujeito às fraquezas humanas, pode compadecer-se dos ignorantes e transviados (cfr. Hebr. 5, 1-2). Não se recuse a ouvir os súbditos, de quem cuida como verdadeiros filhos e a quem exorta a que animosamente cooperem consigo. Tendo que prestar contas a Deus pelas suas almas (cfr. Hebr. 13,17), deve, com a oração, a pregação e todas as obras de caridade, ter cuidado tanto deles como daqueles que ainda não pertencem ao único rebanho, os quais ele deve considerar como tendo-lhe sido confiados pelo Senhor. Devendo, como o Apóstolo, dar-se a todos, esteja sempre pronto para a todos evangelizar (cfr. Rom. 1, 14-15) e para exortar os próprios fiéis ao trabalho apostólico e missionário. Por seu lado, os fiéis devem aderir ao seu Bispo, como a Igreja adere a Jesus Cristo, e Jesus Cristo ao Pai, a fim de que todas as coisas conspirem para a unidade (97) e se multipliquem para a glória de Deus (cfr. 2 Cor. 4,15).

Os Presbíteros e suas relações com Cristo,
com os Bispos, com o presbitério e com o povo Cristão

28. Por meio dos Seus Apóstolos, Cristo, a quem o Pai santificou e enviou ao mundo (Jo. 10,36), tornou os Bispos, que são sucessores daqueles, participantes da Sua consagração e missão (98): e estes transmitiram legitimamente o múnus do seu ministério em grau diverso e a diversos sujeitos. Assim, o ministério eclesiástico, instituído por Deus, é exercido em ordens diversas por aqueles que desde a antiguidade são chamados Bispos, presbíteros e diáconos (99). Os presbíteros, embora não possuam o fastígio do pontificado e dependam dos Bispos no exercício do próprio poder, estão-lhes, porém, unidos na honra do sacerdócio (100) e, por virtude do sacramento da Ordem (101), são consagrados, à imagem de Cristo, sumo e eterno sacerdote (Hebr. 5, 1-10; 7,24; 9, 11-28), para pregar o Evangelho, apascentar os fiéis e celebrar o culta divino, como verdadeiros sacerdotes do Novo Testamento (102). Participantes, segundo o grau do seu ministério, da função de Cristo mediador único (1 Tim, 2,5), anunciam a todos a palavra de Deus. Mas é no culto. ou celebração eucarística que exercem principalmente o seu múnus sagrado; nela, actuando em nome de Cristo (103) e proclamando o Seu mistério, unem as preces dos fiéis ao sacrifício da cabeça e, no sacrifício da missa, representam e aplicam, até à vinda do Senhor (cfr. 1 Cor. 11,26), o único sacrifício do Novo Testamento, ou seja, Cristo oferecendo-se, uma vez por todas, ao Pai, como hóstia imaculada (cfr. Hebr. 9, 11-28) (104). Exercem ainda, por título eminente, o ministério da reconciliação e o do conforto para com os fiéis arrependidos ou enfermos, e apresentam a Deus Pai as necessidades e preces dos crentes (cfr. Hebr. 5, 1-4. Desempenhando, segundo a medida da autoridade que possuem, o múnus de Cristo pastor e cabeça (105), reúnem a família de Deus em fraternidade animada por um mesmo espírito (106) e, por Cristo e no Espírito Santo, conduzem-na a Deus Pai. No meio do próprio rebanho adoram-nO em espírito e verdade (cfr. Jo. 4,24). Trabalham, enfim, pregando e ensinando (1 Tim. 5,17), acreditando no que lêem e meditam na lei do Senhor, ensinando o que crêem e vivendo o que ensinam (107).

Os presbíteros, como esclarecidos cooperadores da ordem episcopal (108) e a sua ajuda e instrumento, chamados para o serviço do Povo de Deus, constituem com o seu Bispo um presbitério (108) com diversas funções. Em cada uma das comunidades de fiéis, tornam de algum modo presente o Bispo, ao qual estão associados com ânimo fiel e generoso e cujos encargos e solicitude assumem, segundo a própria medida, e exercem com cuidado quotidiano. Sob a autoridade do Bispo, santificam e governam a porção do rebanho a si confiada, tornam visível, no lugar em que estão, a Igreja universal e prestam uma grande ajuda para a edificação de todo o corpo de Cristo (cfr. Ef. 4, 12). Sempre atentos ao bem dos filhos de Deus, procurem dar a sua ajuda ao trabalho de toda a diocese, melhor, de toda a Igreja. Por causa desta participação no sacerdócio e na missão, reconheçam os presbíteros o Bispo verdadeiramente como pai, e obedeçam-lhe com reverência. O Bispo, por seu lado, considere os sacerdotes, seus colaboradores, como filhos e amigos, à imitação de Cristo que já não chama aos seus discípulos servos mas amigos (cfr. Jo. 15,15). Deste modo, todos os sacerdotes, tanto diocesanos como religiosos, estão associados ao corpo episcopal em razão da Ordem e do ministério, e, segundo a própria vocação e graça, contribuem para o bem de toda a Igreja.

Em virtude da comum sagrada ordenação e missão, todos os presbíteros estão entre si ligados em íntima fraternidade, que espontânea e livremente se deve manifestar no auxílio mútuo, tanto espiritual como material, pastoral ou pessoal, em reuniões e na comunhão de vida, de trabalho e de caridade.

Velem, como pais em Cristo, pelos fiéis que espiritualmente geraram pelo Baptismo e pela doutrinação (cfr. 1 Cor. 4,15; 1 Ped. 1,23). Fazendo-se, de coração, os modelos do rebanho (1 Ped. 5,3), de tal modo dirijam e sirvam a sua comunidade local que esta possa dignamente ser chamada com aquele nome com que se honra o único Povo de Deus todo inteiro, a saber, a Igreja de Deus (cfr. 1 Cor. 1,2; 2 Cor. 1,1; etc. etc.). No seu trato e solicitude de cada dia, não se esqueçam de apresentar aos fiéis e infiéis, aos católicos e não-católicos, a imagem do autêntico ministério sacerdotal e pastoral, de dar a todos testemunho de verdade e de vida, e de procurar também, como bons pastores (cfr. Luc. 15, 4-7), aqueles que, baptizados embora na Igreja católica, abandonaram os sacramentos ou até mesmo a fé.

Dado que o género humano caminha hoje cada vez mais para a unidade política, económica e social, tanto mais necessário é que os sacerdotes em conjunto e sob a direcção dos Bispos e do Sumo Pontífice, evitem todo o motivo de divisão, para que a humanidade toda seja conduzida à unidade da família de Deus.

Os diáconos

29. Em grau inferior da hierarquia estão os diáconos, aos quais foram impostas as mãos «não em ordem ao sacerdócio mas ao ministério» (109). Pois que, fortalecidos com a graça sacramental, servem o Povo de Deus em união com o Bispo e o seu presbitério, no ministério da Liturgia, da palavra e da caridade. É próprio do diácono, segundo for cometido pela competente autoridade, administrar solenemente o Baptismo, guardar e distribuir a Eucaristia, assistir e abençoar o Matrimónio em nome da Igreja, levar o viático aos moribundos, ler aos fiéis a Sagrada Escritura, instruir e exortar o povo, presidir ao culto e à oração dos fiéis, administrar os sacramentais, dirigir os ritos do funeral e da sepultura. Consagrados aos ofícios da caridade e da administração, lembrem-se os diáconos da recomendação de S. Policarpo: «misericordiosos, diligentes, caminhando na verdade do Senhor, que se fez servo de todos» (110).

Como porém, estes ofícios, muito necessários para a vida da Igreja na disciplina actual da Igreja latina, dificilmente podem ser exercidos em muitas regiões, o diaconado poderá ser, para o futuro, restaurado como grau próprio e permanente da Hierarquia. As diversas Conferências episcopais territoriais competentes cabe decidir, com a aprovação do Sumo Pontífice, se e onde é oportuno instituir tais diáconos para a cura das almas. Com o consentimento do Romano Pontífice, poderá este diaconado ser conferido a homens de idade madura, mesmo casados, e a jovens idóneos; em relação a estes últimos, porém, permanece em vigor a lei do celibato.

CAPÍTULO IV

OS LEIGOS

Proémio: Carácter peculiar dos leigos

30. Declaradas as diversas funções da Hierarquia, o sagrado Concílio volta de bom grado a sua atenção para o estado daqueles fiéis cristãos que se chamam leigos. Com efeito, se é verdade que todas as coisas que se disseram a respeito do Povo de Deus se dirigem igualmente aos leigos, aos religiosos e aos clérigos, algumas, contudo, pertencem de modo particular aos leigos, homens e mulheres, em razão do seu estado e missão; e os seus fundamentos, devido às circunstâncias especiais do nosso tempo, devem ser mais cuidadosamente expostos. Os sagrados pastores conhecem, com efeito, perfeitamente quanto os leigos contribuem para o bem de toda a Igreja. Pois eles próprios sabem que não foram instituídos por Cristo para se encarregarem por si sós de toda a missão salvadora da Igreja para com o mundo, mas que o seu cargo sublime consiste em pastorear de tal modo os fiéis e de tal modo reconhecer os seus serviços e carismas, que todos, cada um segundo o seu modo próprio, cooperem na obra comum. Pois é necessário que todos, «praticando a verdade na caridade, cresçamos de todas as maneiras para aquele que é a cabeça, Cristo; pelo influxo do qual o corpo inteiro, bem ajustado e coeso por toda a espécie de junturas que o alimentam, com a acção proporcionada a cada membro, realiza o seu crescimento em ordem à própria edificação na caridade (Ef. 4, 15-16).

Conceito e vocação do leigo na Igreja

31. Por leigos entendem-se aqui todos os cristãos que não são membros da sagrada Ordem ou do estado religioso reconhecido pela Igreja, isto é, os fiéis que, incorporados em Cristo pelo Baptismo, constituídos em Povo de Deus e tornados participantes, a seu modo, da função sacerdotal, profética e real de Cristo, exercem, pela parte que lhes toca, a missão de todo o Povo cristão na Igreja se no mundo.

É própria e peculiar dos leigos a característica secular. Com efeito, os membros da sagrada Ordem, ainda que algumas vezes possam tratar de assuntos seculares, exercendo mesmo uma profissão profana, contudo, em razão da sua vocação específica, destinam-se sobretudo e expressamente ao sagrado ministério; enquanto que os religiosos, no seu estado, dão magnífico e privilegiado testemunho de que se não pode transfigurar o mundo e oferecê-lo a Deus sem o espírito das bem-aventuranças. Por vocação própria, compete aos leigos procurar o Reino de Deus tratando das realidades temporais e ordenando-as segundo Deus. Vivem no mundo, isto é, em toda e qualquer ocupação e actividade terrena, e nas condições ordinárias da vida familiar e social, com as quais é como que tecida a sua existência. São chamados por Deus para que, aí, exercendo o seu próprio ofício, guiados pelo espírito evangélico, concorram para a santificação do mundo a partir de dentro, como o fermento, e deste modo manifestem Cristo aos outros, antes de mais pelo testemunho da própria vida, pela irradiação da sua fé, esperança e caridade. Portanto, a eles compete especialmente, iluminar e ordenar de tal modo as realidades temporais, a que estão estreitamente ligados, que elas sejam sempre feitas segundo Cristo e progridam e glorifiquem o Criador e Redentor.

Unidade na diversidade

32. A santa Igreja, por instituição divina, é organizada e governada com uma variedade admirável. «Assim como num mesmo corpo temos muitos membros, e nem todos têm a mesma função, assim, sendo muitos, formamos um só corpo em Cristo, sendo membros uns dos outros» (Rom. 12, 4-5).

Um só é, pois, o Povo de Deus: «um só Senhor, uma só fé, um só Baptismo (Ef. 4,5); comum é a dignidade dos membros, pela regeneração em Cristo; comum a graça de filhos, comum a vocação à perfeição; uma só salvação, uma só esperança e uma caridade indivisa. Nenhuma desigualdade, portanto, em Cristo e na Igreja, por motivo de raça ou de nação, de condição social ou de sexo, porque «não há judeu nem grego, escravo nem homem livre, homem nem mulher: com efeito, em Cristo Jesus, todos vós sois um» (Gál. 3,28 gr.; cfr. Col. 3,11).

Portanto, ainda que, na Igreja, nem todos sigam pelo mesmo caminho, todos são, contudo, chamados à santidade, e a todos coube a mesma fé pela justiça de Deus (cfr. 2 Ped. 1,1). Ainda que, por vontade de Cristo, alguns são constituídos doutores, dispensadores dos mistérios e pastores em favor dos demais, reina, porém, igualdade entre todos quanto à dignidade e quanto à actuação, comum a todos os fiéis, em favor da edificação do corpo de Cristo. A distinção que o Senhor estabeleceu entre os ministros sagrados e o restante Povo de Deus, contribui para a união, já que os pastores e os demais fiéis estão ligados uns aos outros por uma vinculação comum: os pastores da Igreja, imitando o exemplo do Senhor, prestem serviço uns aos outros e aos fiéis: e estes dêem alegremente a sua colaboração aos pastores e doutores. Deste modo, todos testemunham, na variedade, a admirável unidade do Corpo místico de Cristo: a própria diversidade de graças, ministérios e actividades, consagra em unidade os filhos de Deus, porque «um só e o mesmo é o Espírito que opera todas estas coisas» (1 Cor. 12,11).

Os leigos, portanto, do mesmo modo que, por divina condescendência, têm por irmão a Cristo, o qual, apesar de ser Senhor de todos, não veio para ser servido mas para servir (cfr. Mt. 20,28), de igual modo têm por irmãos aqueles que, uma vez estabelecidos no sagrado ministério, apascentam a família de Deus ensinando, santificando e governando com a autoridade de Cristo, de modo que o mandamento da caridade seja por todos observado. A este respeito diz belissimamente S. Agostinho: «aterra-me o ser para vós, mas consola-me o estar convosco. Sou para vós, como Bispo; estou convosco, como cristão. Nome de ofício, o primeiro; de graça, o segundo; aquele, de risco; este, de salvação»(111).

O Apostolado dos leigos

33. Unidos no Povo de Deus, e constituídos no corpo único de Cristo sob uma só cabeça, os leigos, sejam quais forem, todos são chamados a concorrer como membros vivos, com todas as forças que receberam da bondade do Criador e por graça do Redentor, para o crescimento da Igreja e sua contínua santificação.

O apostolado dos leigos é participação na própria missão salvadora da Igreja, e para ele todos são destinados pelo Senhor, por meio do Baptismo e da Confirmação. E os sacramentos, sobretudo a sagrada Eucaristia, comunicam e alimentam aquele amor para com Deus e para com os homens, que é a alma de todo o apostolado.

Mas os leigos são especialmente chamados a tornarem a Igreja presente e activa naqueles locais e circunstâncias em que só por meio deles ela pode ser o sal da terra (112). Deste modo, todo e qualquer leigo, pelos dons que lhe foram concedidos, é ao mesmo tempo testemunha e instrumento vivo da missão da própria Igreja, «segundo a medida concedida por Cristo» (Ef. 4,7).

Além deste apostolado, que diz respeito a todos os fiéis, os leigos podem ainda ser chamados, por diversos modos, a uma colaboração mais imediata no apostolado da Hierarquia 3, à semelhança daqueles homens e mulheres que ajudavam o apóstolo Paulo no Evangelho, trabalhando muito no Senhor (cfr. Fil. 4,3; Rom. 16,3 ss.). Têm ainda a capacidade de ser chamados pela Hierarquia a exercer certos cargos eclesiásticos, com finalidade espiritual.

Incumbe, portanto, a todos os leigos a magnífica tarefa de trabalhar para que o desígnio de salvação atinja cada vez mais os homens de todos os tempos e lugares. Esteja-lhes, pois, amplamente aberto o caminho, a fim de que, segundo as próprias forças e as necessidades dos tempos, também eles participem com ardor na acção salvadora da Igreja.

A consagração do mundo pelo apostolado dos leigos

34. O supremo e eterno sacerdote Cristo Jesus, querendo também por meio dos leigos continuar o Seu testemunho e serviço, vivifica-o pelo Seu Espírito e sem cessar os incita a toda a obra boa e perfeita. E assim, àqueles que Intimamente associou à própria vida e missão, concedeu também participação no seu múnus sacerdotal, a fim de que exerçam um culto espiritual, para glória de Deus e salvação dos homens. Por esta razão, os leigos, enquanto consagrados a Cristo e ungidos no Espírito Santo, têm uma vocação admirável e são instruídos para que os frutos do Espírito se multipliquem neles cada vez mais abundantemente. Pois todos os seus trabalhos, orações e empreendimentos apostólicos, a vida conjugal e familiar, o trabalho de cada dia, o descanso do espírito e do corpo, se forem feitos no Espírito, e as próprias incomodidades da vida, suportadas com paciência, se tornam em outros tantos sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por Jesus Cristo (cfr. 1 Ped. 2,5); sacrifícios estes que são piedosamente oferecidos ao Pai, juntamente com a oblação do corpo do Senhor, na celebração da Eucaristia. E deste modo, os leigos, agindo em toda a parte santamente, como adoradores, consagram a Deus o próprio mundo.

O testemunho de vida pelo apostolado dos leigos

35. Cristo, o grande profeta, que pelo testemunho da vida e a força da palavra proclamou o reino do Pai, realiza a sua missão profética, até à total revelação da glória, não só por meio da Hierarquia, que em Seu nome e com a Sua autoridade ensina, mas também por meio dos leigos; para isso os constituiu testemunhas, e lhes concedeu o sentido da fé e o dom da palavra (cfr. Act. 2, 17-18; Apoc. 19,10) a fim de que a força do Evangelho resplandeça na vida quotidiana, familiar e social. Os leigos mostrar-se-ão filhos da promessa se, firmes na fé e na esperança, aproveitarem bem o tempo presente (cfr. Ef. 5,16; Col. 4,5) e com paciência esperarem a glória futura (cfr. Rom. 8,25). Mas não devem esconder esta esperança no seu íntimo, antes, pela contínua conversão e pela luta «contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra os espíritos do mal» (Ef. 6,12), manifestem-na também nas estruturas da vida secular.

Do mesmo modo que os sacramentos da nova lei, que alimentam a vida e o apostolado dos fiéis, prefiguram um novo céu e uma nova terra (cfr. Apoc. 21,1), assim os leigos tornam-se valorosos arautos da fé naquelas realidades que esperamos (cfr. Hebr. 11,1), se juntarem sem hesitação, a uma vida de fé, a profissão da mesma fé. Este modo de evangelizar, proclamando a mensagem de Cristo com o testemunho da vida e com a palavra, adquire um certo carácter específico e uma particular eficácia por se realizar nas condições ordinárias da vida no mundo.

Nesta obra, desempenha grande papel aquele estado de vida que é santificado por um sacramento próprio: a vida matrimonial e familiar. Aí se encontra um exercício e uma admirável escola de apostolado dos leigos, se a religião penetrar toda a vida e a transformar cada vez mais. Aí encontram os esposos a sua vocação própria, de serem um para o outro e para os filhos as testemunhas da fé e do amor de Cristo. A família cristã proclama em alta voz as virtudes presentes do reino de Deus e a esperança na vida bem-aventurada. E deste modo, pelo exemplo e pelo testemunho, argui o mundo do pecado e ilumina aqueles que buscam a verdade.

Por isso, ainda mesmo quando ocupados com os cuidados temporais, podem e devem os leigos exercer valiosa acção para a evangelização do mundo. E se há alguns que, na medida do possível, suprem nas funções religiosas os ministros sagrados que faltam ou estão impedidos em tempo de perseguição, a todos, porém, incumbe a obrigação de cooperar para a dilatação e crescimento do Reino de Cristo no mundo. Dediquem-se, por isso, os leigos com diligência a conseguir um conhecimento mais profundo da verdade revelada, e peçam insistentemente a Deus o dom da sabedoria.

A santificação das estruturas humanas pelo apostolado dos leigos

36. Tendo-se feito obediente até à morte e tendo sido, por este motivo, exaltado pelo Pai (cfr. Fil. 2, 8-9), entrou Cristo na glória do Seu reino. Todas as coisas Lhe estão sujeitas, até que Ele se submeta, e a todas as criaturas, ao Pai, para que Deus seja tudo em todos (cfr. 1 Cor. 15, 27-28). Comunicou este poder aos discípulos, para que também eles sejam constituídos em régia liberdade e, com a abnegação de si mesmos e a santidade da vida, vençam em si próprios o reino do pecado (cfr. Rom. 6,12); mais ainda, para que, servindo a Cristo também nos outros, conduzam os seus irmãos, com humildade e paciência, àquele Rei, a quem servir é reinar. Pois o Senhor deseja dilatar também por meio dos leigos o Seu reino, reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz (114), no qual a própria criação será liberta da servidão da corrupção, alcançando a liberdade da glória dos filhos de Deus (cfr. Rom. 8,21). Grande é a promessa, grande o mandamento que é dado aos discípulos: «tudo é vosso; vós sois de Cristo; e Cristo é de Deus» (1 Cor. 3,23).

Por consequência, devem os fiéis conhecer a natureza íntima e o valor de todas as criaturas, e a sua ordenação para a glória de Deus, ajudando-se uns aos outros, mesmo através das actividades propriamente temporais, a levar uma vida mais santa, para que assim o mundo seja penetrado do espírito de Cristo e, na justiça, na caridade e na paz, atinja mais eficazmente o seu fim. Na realização plena deste dever, os leigos ocupam o lugar mais importante. Por conseguinte, com a sua competência nas matérias profanas, e a sua actuação interiormente elevada pela graça de Cristo, contribuam eficazmente para que os bens criados sejam valorizados pelo trabalho humano, pela técnica e pela cultura para utilidade de todos os homens, sejam melhor distribuídos entre eles e contribuam a seu modo para o progresso de todos na liberdade humana e cristã, em harmonia com o destino que lhes deu o Criador e segundo a iluminação do Verbo. Deste modo, por meio dos membros da Igreja, Cristo iluminará cada vez mais a humanidade inteira com a Sua luz salvadora.

Além disso, também pela união das próprias forças, devem os leigos sanear as estruturas e condições do mundo, se elas porventura propendem a levar ao pecado, de tal modo que todas se conformem às normas da justiça e antes ajudem ao exercício das virtudes do que o estorvem. Agindo assim, informarão de valor moral a cultura e as obras humanas. E, por este modo, o campo, isto é, o mundo ficará mais preparado para a semente da palavra divina e abrir-se-ão à Igreja mais amplamente as portas para introduzir no mundo a mensagem da paz.

Devido à própria economia da salvação, devem os fiéis aprender a distinguir cuidadosamente entre os direitos e deveres que lhes competem como membros da Igreja e os que lhes dizem respeito enquanto fazem parte da sociedade humana. Procurem harmonizar entre si uns e outros, lembrando-se que se devem guiar em todas as coisas temporais pela consciência cristã, já que nenhuma actividade humana, nem mesmo em assuntos temporais, se pode subtrair ao domínio de Deus. É muito necessário em nossos dias que esta distinção e harmonia se manifestem claramente nas atitudes dos fiéis, que a missão da Igreja possa corresponder mais plenamente às condições particulares do mundo actual. Assim como se deve reconhecer que a cidade terrena se consagra a justo título aos assuntos temporais e se rege por princípios próprios, assim com razão se deve rejeitar a nefasta doutrina que pretende construir a sociedade sem ter para nada em conta a religião, atacando e destruindo a liberdade religiosa dos cidadãos (115)

Relações dos leigos com a Hierarquia

37. Como todos os fiéis, também os leigos têm o direito de receber com abundância, dos sagrados pastores, os bens espirituais da Igreja, principalmente os auxílios da palavra de Deus e dos sacramentos (116); e com aquela liberdade e confiança que convém a filhos de Deus e a irmãos em Cristo, manifestem-lhes as suas necessidades e aspirações. Segundo o grau de ciência, competência e autoridade que possuam, têm o direito, e por vezes mesmo o dever, de expor o seu parecer sobre os assuntos que dizem respeito ao bem da Igreja (117). Se o caso o pedir, utilizem os órgãos para isso instituídos na Igreja, e procedam sempre em verdade, fortaleza e prudência, com reverência e amor para com aqueles que, em razão do seu cargo, representam a pessoa de Cristo.

Como todos os cristãos, devem os leigos abraçar prontamente, com obediência cristã, todas as coisas que os sagrados pastores, representantes de Cristo, determinarem na sua qualidade de mestres e guias na Igreja, a exemplo de Cristo, o qual com a Sua obediência, levada até à morte, abriu para todos o feliz caminho da liberdade dos filhos de Deus. Nem deixem de encomendar ao Senhor nas suas orações os seus prelados, já que eles olham pelas nossas almas, como devendo dar contas delas, a fim de que o façam com alegria e não gemendo (cfr. Hebr. 13,17).

Por seu lado, os sagrados pastores devem reconhecer e fomentar a dignidade e responsabilidade dos leigos na Igreja; recorram espontaneamente ao seu conselho prudente, entreguem-lhes confiadamente cargos em serviço da Igreja e dêem-lhes margem e liberdade de acção, animando-os até a tomarem a iniciativa de empreendimentos. Considerem atentamente e com amor paterno, em Cristo, as iniciativas, pedidos e desejos propostos pelos leigos (118). E reconheçam a justa liberdade que a todos compete na cidade terrestre.

Muitos bens se devem esperar destas relações confiantes entre leigos e pastores: é que assim se fortalece nos leigos o sentido da própria responsabilidade, fomenta-se o seu empenho é mais facilmente se associam nas suas energias à obra dos pastores. Estes, por sua vez, ajudados pela experiência dos leigos, tanto nas coisas espirituais como nas temporais, mais facilmente julgarão com acerto, a fim de que a Igreja inteira, com a energia de todos os seus membros, cumpra mais eficazmente a sua missão para a vida do mundo.

Conclusões: os leigos vivificadores do mundo

38. Cada leigo deve ser, perante o mundo, uma testemunha da ressurreição e da vida do Senhor Jesus e um sinal do Deus vivo. Todos em conjunto, e cada um por sua parte, devem alimentar o mundo com frutos espirituais (cfr. Gál. 5,22) e nele difundir aquele espírito que anima os pobres, mansos e pacíficos, que o Senhor no Evangelho proclamou bem-aventurados (cfr. Mt. 5, 3-9). Numa palavra, «sejam os cristãos no mundo aquilo que a alma é no corpo» (119)

CAPÍTULO V

A VOCAÇÃO DE TODOS À SANTIDADE NA IGREJA

Proémio: chamamento universal à santidade

39. A nossa fé crê que a Igreja, cujo mistério o sagrado Concílio expõe, é indefectivelmente santa. Com efeito, Cristo, Filho de Deus, que é com o Pai e o Espírito ao único Santo» (120), amou a Igreja como esposa, entregou-Se por ela, para a santificar (cfr. Ef. 5, 25-26) e uniu-a a Si como Seu corpo, cumulando-a com o dom do Espírito Santo, para glória de. Deus. Por isso, todos na Igreja, quer pertençam à Hierarquia quer por ela sejam pastoreados, são chamados à santidade, segundo a palavra do Apóstolo: «esta é a vontade de Deus, a vossa santificação» (1 Tess. 4,3; cfr. Ef. 1,4). Esta santidade da Igreja incessantemente se manifesta, e deve manifestar-se, nos frutos da graça que o Espírito Santo produz nos fiéis; exprime-se de muitas maneiras em cada um daqueles que, no seu estado de vida, tendem à perfeição da caridade, com edificação do próximo; aparece dum modo especial na prática dos conselhos chamados evangélicos. A prática destes conselhos, abraçada sob a moção do Espírito Santo por muitos cristãos, quer privadamente quer nas condições ou estados aprovados pela Igreja, leva e deve levar ao mundo um admirável testemunho e exemplo desta santidade.

Jesus, mestre e modelo

40. Jesus, mestre e modelo divino de toda a perfeição, pregou a santidade de vida, de que Ele é autor e consumador, a todos e a cada um dos seus discípulos, de qualquer condição: «sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito» (Mt. 5,48) (121). A todos enviou o Espírito Santo, que os move interiormente a amarem a Deus com todo o coração, com toda a alma, com todo o espírito e com todas as forças (cfr. Mc. 12,30) e a amarem-se uns aos outros como Cristo os amou (cfr. Jo. 13,34; 15,12). Os seguidores de Cristo, chamados por Deus e justificados no Senhor Jesus, não por merecimento próprio mas pela vontade e graça de Deus, são feitos, pelo Baptismo da fé, verdadeiramente filhos e participantes da natureza divina e, por conseguinte, realmente santos. É necessário, portanto, que, com o auxílio divino, conservem e aperfeiçoem, vivendo-a, esta santidade que receberam. O Apóstolo admoesta-os a que vivam acorro convém a santos» (Ef. 5,3), acorro eleitos e amados de Deus, se revistam de entranhas de misericórdia, benignidade, humildade, mansidão e paciência» (Col. 3,12) e alcancem os frutos do Espírito para a santificação (cfr. Gál. 5,22; Rom. 6,22). E porque todos cometemos faltas em muitas ocasiões (Tg. 3,2), precisamos constantemente. da misericórdia de Deus e todos os dias devemos orar: «perdoai-nos as nossas ofensas» (Mt. 6,12) (122). É, pois, claro a todos, que os cristãos de qualquer estado ou ordem, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade (123). Na própria sociedade terrena, esta santidade promove um modo de vida mais humano. Para alcançar esta perfeição, empreguem os fiéis as forças recebidas segundo a medida em que as dá Cristo, a fim de que, seguindo as Suas pisadas e conformados à Sua imagem, obedecendo em tudo à vontade de Deus, se consagrem com toda a alma à glória do Senhor e ao serviço do próximo. Assim crescerá em frutos abundantes a santidade do Povo de Deus, como patentemente se manifesta na história da Igreja, com a vida de tantos santos.

A santidade nos diversos estados

41. Nos vários géneros e ocupações da vida, é sempre a mesma a santidade que é cultivada por aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus e, obedientes à voz do Pai, adorando em espírito e verdade a Deus Pai, seguem a Cristo pobre, humilde, e levando a cruz, a fim de merecerem ser participantes da Sua glória. Cada um, segundo os próprios dons e funções, deve progredir sem desfalecimentos pelo caminho da fé viva, que estimula a esperança e que actua pela caridade.

Em primeiro lugar, os pastores do rebanho de Cristo, à semelhança do sumo e eterno sacerdote, pastor e bispo das nossas almas, desempenhem o próprio ministério santamente e com alegria, com humildade e fortaleza; assim cumprido, também para eles será o seu ministério um sublime meio de santificação. Escolhidos para a plenitude do sacerdócio, receberam a graça sacramental para que, orando, sacrificando e pregando, com toda a espécie de cuidados e serviços episcopais, realizem a tarefa perfeita da caridade pastoral (124), sem hesitarem em oferecer a vida pelas ovelhas e, feitos modelos do rebanho (cfr. 1 Ped. 5,3), suscitem na Igreja, também com o seu exemplo, uma santidade cada vez maior.

Os presbíteros, à semelhança da ordem dos Bispos, de que são a coroa espiritual (125), já que participam das suas funções por graça de Cristo, eterno e único mediador, cresçam no amor de Deus e do próximo com o exercício do seu dever quotidiano; guardem o vínculo da unidade sacerdotal, abundem em toda a espécie de bens espirituais e dêem a todos vivo testemunho de Deus (126), tornando-se émulos daqueles sacerdotes que no decorrer dos séculos, em serviço muitas vezes humilde e escondido, nos deixaram magnífico exemplo de santidade. O seu louvor persevera na Igreja. Orando e oferecendo o sacrifício pelo próprio rebanho e por todo o Povo de Deus, conforme é seu ofício, conscientes do que fazem e imitando as realidades com que lidam (127), longe de serem impedidos pelos cuidados, perigos e tribulações do apostolado, devem antes por eles elevar-se a uma santidade mais alta, alimentando e afervorando a sua acção com a abundância da contemplação, para alegria de toda a Igreja de Deus. Todos os presbíteros, e especialmente aqueles que por título particular da sua ordenação são chamados sacerdotes diocesanos, lembrem-se de quanto ajudam para a sua santificação a união fiel e a cooperação generosa com o próprio Bispo.

Na missão de graça do sumo sacerdote, participam também de modo peculiar os ministros de ordem inferior, e sobretudo os diáconos; servindo nos mistérios de Cristo e da Igreja (128), devem conservar-se puros de todo o vício, agradar a Deus, atender a toda a espécie de boas obras diante dos homens (cfr. 1 Tim. 3, 8-10. 12-13). Os clérigos que, chamados pelo Senhor e separados a fim de ter parte com Ele, se preparam sob a vigilância dos pastores para desempenhar os ofícios de ministros, procurem conformar o coração e o espírito com tão magnífica eleição, sendo assíduos na oração e fervorosos no amor, ocupando o pensamento com tudo o que é verdadeiro, justo e de boa reputação, fazendo tudo para glória é honra de Deus. Destes se aproximam aqueles leigos, que, escolhidos por Deus, são chamados pelos Bispos para se consagrarem totalmente às actividades apostólicas e com muito fruto trabalham no campo do Senhor (129).

Os esposos e pais cristãos devem, seguindo o seu caminho peculiar, amparar-se mutuamente na graça, com amor fiel, durante a vida inteira, e imbuir com a doutrina cristã e as virtudes evangélicas a prole que amorosamente receberam de Deus. Dão assim a todos exemplo de amor incansável e generoso, edificam a comunidade fraterna e são testemunhas e cooperadores da fecundidade da Igreja, nossa mãe, em sinal e participação daquele amor, com que Cristo amou a Sua esposa e por ela Se entregou (130). Exemplo semelhante é dado, mas de outro modo, pelas pessoas viúvas ou celibatárias, que muito podem concorrer para a santidade e acção da Igreja. Aqueles que se ocupam em trabalhos muitas vezes duros, devem, através das tarefas humanas, aperfeiçoar-se a si mesmos, ajudar os seus concidadãos, fazer progredir a sociedade e toda a criação; e, ainda, imitando com operosa caridade a Cristo, cujas mãos se exercitaram em trabalhos de operário e, em união com o Pai, continuamente actua para a salvação de todos; alegres na esperança, levando os fardos uns dos outros, subam com o próprio trabalho quotidiano a uma santidade mais alta, também ela apostólica.

Todos quantos se vêem oprimidos pela pobreza, pela fraqueza, pela doença ou tribulações várias, e os que sofrem perseguição por amor da justiça, saibam que estão unidos, de modo especial, a Cristo nos seus sofrimentos pela salvação do mundo; o Senhor, no Evangelho, proclamou-os bem-aventurados e «o Deus... de toda a graça, que nos chamou à Sua eterna glória em Cristo Jesus, depois de sofrerem um pouco, os há-de restabelecer, confirmar e consolidar» (1 Ped. 5,10).

Todos os fiéis se santificarão cada dia mais nas condições, tarefas e circunstâncias da própria vida e através de todas elas, se receberem tudo com fé da mão do Pai celeste e cooperarem com a divina vontade, manifestando a todos, na própria actividade temporal, a caridade com que Deus amou o mundo.

A caridade. O martírio.
Os conselhos evangélicos.
A santidade no próprio estado

42. «Deus é caridade e quem permanece na caridade, permanece em Deus e Deus nele» (1 Jo. 4,16). Ora, Deus difundiu a sua caridade nos nossos corações, por meio do Espírito Santo, que nos foi dado (cfr. Rom. 5,5). Sendo assim, o primeiro e mais necessário dom é a caridade, com que amamos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo por amor d'Ele. Para que esta caridade, como boa semente, cresça e frutifique na alma, cada fiel deve ouvir de bom grado a palavra de Deus, e cumprir, com a ajuda da graça, a Sua vontade, participar frequentemente nos sacramentos, sobretudo na Eucaristia, e nas funções sagrarias, dando-se continuamente à oração, à abnegação de si mesmo, ao serviço efectivo de seus irmãos e a toda a espécie de virtude; pois a caridade, vínculo da perfeição e plenitude da lei (cfr. Col. 3,14; Rom. 13,10), é que dirige todos os meios de santificação, os informa e leva a seu fim (131). E, pois, pela caridade para com Deus e o próximo que se caracteriza o verdadeiro discípulo de Cristo.

Como Jesus, Filho de Deus, manifestou o Seu amor dando a vida por nós, assim ninguém dá maior prova de amor do que aquele que oferece a própria vida por Ele e por seus irmãos (cfr. 1 Jo. 3,16; Jo. 15,13). Desde os primeiros tempos, e sempre assim continuará a suceder, alguns cristãos foram chamados a dar este máximo testemunho de amor diante de todos, e especialmente perante os perseguidores. Por esta razão, o martírio, pelo qual o discípulo se torna semelhante ao mestre, que livremente aceitou a morte para salvação do mundo, e a Ele se conforma no derramamento do sangue, é considerado pela Igreja como um dom insigne e prova suprema de amor. E embora seja concedido a poucos, todos, porém, devem estar dispostos a confessar a Cristo diante dos homens e a segui-l'O no caminho da cruz em meio das perseguições que nunca faltarão à Igreja.

A santidade da Igreja é também especialmente favorecida pelos múltiplos conselhos que o Senhor propõe no Evangelho aos Seus discípulos (132). Entre eles sobressai o de, com o coração mais facilmente indiviso (cfr. 1 Cor. 7, 32-34), se consagrarem só a Deus, na virgindade ou no celibato, dom da graça divina que o Pai concede a alguns (cfr. Mt. 19,11; 1 Cor. 7,7) (133). Esta continência perfeita, abraçada pelo reino dos céus, foi sempre tida em grande estima pela Igreja, como sinal e incentivo do amor e ainda como fonte privilegiada de fecundidade espiritual no mundo.

A Igreja recorda-se também da recomendação com que o Apóstolo, incitando os fiéis à caridade, os exorta a ter sentimentos semelhantes aos de Jesus Cristo, o qual «Se despojou a Si próprio, tomando a condição de escravo... feito obediente até à morte (Fil. 2, 7-8) e, «sendo rico, por nós Se fez pobre» (2 Cor. 8,9). Sendo necessário que sempre e em todo o tempo os discípulos imitem esta caridade e humildade de Cristo, e delas dêem testemunho, a mãe Igreja alegra-se de encontrar no seu seio muitos homens e mulheres que seguem mais de perto o abatimento do Salvador e mais claramente o manifestam, abraçando a pobreza na liberdade dos filhos de Deus e renunciando às próprias vontades: em matéria de perfeição, sujeitam-se, por amor de Deus, ao homem, para além do que é de obrigação, a fim de mais plenamente se conformarem a Cristo obediente (134).

Todos os cristãos são, pois, chamados e obrigados a tender à santidade e perfeição do próprio estado. Procurem, por isso, ordenar rectamente os próprios afectos, para não serem impedidos de avançar na perfeição da caridade pelo uso das coisas terrenas e pelo apego às riquezas, em oposição ao espírito da pobreza evangélica, segundo o conselho do Apóstolo: os que usam no mundo, façam-no como se dele não usassem, pois é transitório o cenário deste mundo (1 Cor. 7,31 gr.) (135).

CAPÍTULO VI

OS RELIGIOSOS

Os conselhos evangélicos e o estado religioso

43. Os conselhos evangélicos de castidade consagrada a Deus, de pobreza e de obediência, visto que fundados sobre a palavra e o exemplo de Cristo e recomendados pelos Apóstolos, pelos Padres, Doutores e Pastores da Igreja, são um dom divino, que a mesma Igreja recebeu do seu Senhor e com a Sua graça sempre conserva. A autoridade da Igreja, sob a direcção do Espírito Santo, cuidou de regular a sua prática e também de constituir, à base deles, formas estáveis de vida. E assim sucedeu que, como em árvore plantada por Deus e maravilhosa e variamente ramificada no campo do Senhor, surgiram diversas formas de vida, quer solitária quer comum, e várias famílias religiosas, que vêm aumentar as riquezas espirituais, tanto em proveito dos seus próprios membros como no de todo o Corpo de Cristo (136). Com efeito, essas famílias dão aos seus membros os auxílios duma estabilidade mais firme no modo de vida, duma doutrina segura em ordem a alcançar a perfeição, duma comunhão fraterna na milícia de Cristo, duma liberdade robustecida pela obediência, para assim poderem cumprir com segurança e guardar fielmente a profissão religiosa e avançar jubilosos no caminho da caridade (137).

Tendo em conta a constituição divina hierárquica da Igreja, este estado não é intermédio entre o estado dos clérigos e o dos leigos; de ambos estes estados são chamados por Deus alguns cristãos, a usufruirem um dom especial na vida da Igreja e, cada um a seu modo, a ajudarem a sua missão salvadora (138).

Consagração ao serviço divino; o testemunho de vida

44. Pelos votos, ou outros compromissos sagrados a eles semelhantes, com os quais se obriga aos três mencionados conselhos evangélicos, o cristão entrega-se totalmente ao serviço de Deus sumamente amado, de maneira que por um título novo e especial fica destinado ao serviço do Senhor. Já pelo Baptismo, morrera ao pecado e fora consagrado a Deus; mas, para poder recolher frutos mais abundantes dá graça baptismal, pretende libertar-se, pela profissão dos conselhos evangélicos na Igreja, dos impedimentos que o poderiam afastar do fervor da caridade e da perfeição do culto divino, é consagrado mais intimamente ao serviço divino (139). E esta consagração será tanto mais perfeita quanto mais a firmeza e a estabilidade dos vínculos representarem a indissolúvel união de Cristo à Igreja, Sua esposa.

E como os conselhos evangélicos, em razão da caridade a que conduzem (140), de modo especial unem à Igreja e ao seu mistério aqueles que os seguem, deve também a sua vida espiritual ser consagrada ao bem de toda ela. Daqui nasce o dever de trabalhar na implantação e consolidação do reino de Cristo nas almas e de o levar a todas as regiões com a oração ou também com a acção, segundo as próprias forças e a índole da própria vocação. Por isso, a Igreja defende e favorece a índole própria dos vários Institutos religiosos.

A profissão dos conselhos evangélicos aparece assim como um sinal, que pode e deve atrair eficazmente todos os membros da Igreja a corresponderem animosamente às exigências da. vocação cristã. E porque o Povo de Deus não tem na terra a sua cidade permanente, mas vai em demanda da futura, o estado religioso, tornando os seus seguidores mais livres das preocupações terrenas, manifesta também mais claramente a todos os fiéis os bens celestes, já presentes neste mundo; é assim testemunha da vida nova é eterna, adquirida com a redenção de Cristo, e preanuncia a ressurreição futura e a glória do reino celeste. O mesmo estado. religioso imita mais de perto, e perpetuamente representa na Igreja aquela forma de vida que o Filho de Deus assumiu ao entrar no mundo para cumprir a vontade do Pai, e por Ele foi proposta aos discípulos que O seguiam. Finalmente, o estado religioso patenteia de modo especial a elevação do reino de Deus sobre tudo o que é terreno e as suas relações transcendentes; e revela aos homens a grandeza do poder de Cristo Rei e a potência infinita com que o Espírito Santo maravilhosamente actua na Igreja.

Portanto, o estado constituído pela profissão dos conselhos evangélicos, embora não pertença à estrutura hierárquica da Igreja, está contudo inabalavelmente ligado à sua vida e santidade.

Regras e constituições
A relação com a Hierarquia

45. Sendo dever da Hierarquia pastorear o Povo de Deus e conduzi-lo a abundante pastio (cfr. Ez. 34,14), a ela pertence regular com sábias leis a prática dos conselhos evangélicos, que tanto ajudam à perfeição da caridade para com Deus e o próximo (141). Dócil à moção do Espírito Santo, ela acolhe as regras, propostas por homens e mulheres eminentes é, depois de aperfeiçoadas, aprova-as autênticamente; e assiste com vigilância e protecção de sua autoridade aos Institutos, por toda a parte fundados para a edificação do Corpo de Cristo, para que cresçam e floresçam segundo o espírito dos fundadores.

Para que melhor se atenda às necessidades de todo o rebanho do Senhor, qualquer Instituto de perfeição e cada um dos seus membros, podem ser isentos pelo Sumo Pontífice, em razão do seu primado sobre toda a Igreja, da jurisdição do Ordinário do lugar e ficar sujeitos só a ele, em vista do bem comum (142). Podem igualmente ser deixados, ou confiados, à autoridade patriarcal própria. E os membros dos Institutos de perfeição, ao cumprir o seu dever para com a Igreja, segundo o modo peculiar da sua vida, devem, de acordo com as leis canónicas, respeito e obediência aos Bispos, em atenção à sua autoridade de pastores das igrejas particulares e à necessária unidade e harmonia no trabalho apostólico (143).

Mas a Igreja não se limita a elevar, com a sua aprovação, a profissão religiosa à dignidade de estado canónico, senão que a manifesta também na sua liturgia como estado consagrado a Deus. Com efeito, pela autoridade que Deus lhe concedeu, ela recebe os votos dos que professam, implora para eles, com a sua oração pública, os auxílios da graça, recomenda-os a Deus e concede-lhes a bênção espiritual, unindo a sua oblação ao sacrifício eucarístico.

Pureza de vida ao serviço do mundo

46. Procurem os religiosos com empenho que, por seu intermédio, a Igreja revele cada vez mais Cristo aos fiéis e infiéis, Cristo orando sobre o monte, anunciando às multidões o reino de Deus, curando os doentes e feridos, trazendo os pecadores à conversão, abençoando as criancinhas e fazendo bem a todos, obediente em tudo à vontade do Pai que O enviou (144).

Finalmente, tenham todos presente que a profissão dos conselhos evangélicos, ainda que importa a renúncia a bens de grande valor, não se opõe, contudo, ao verdadeiro desenvolvimento da pessoa humana, más antes a favorece grandemente. Na verdade, os conselhos evangélicos, assumidos livremente segundo a vocação pessoal de cada um, contribuem muito para a pureza de coração e liberdade de espírito, alimentam continuamente o fervor da caridade e, sobretudo, como bem o demonstra o exemplo de tantos santos fundadores, podem levar o cristão a conformar-se mais plenamente com o género de vida virginal e pobre que Cristo Nosso Senhor escolheu para Si e a Virgem Sua mãe abraçou. Nem se pense que os religiosos, pela sua consagração, se tornam estranhos aos homens ou inúteis para a cidade terrena. Pois, mesmo quando não prestam uma ajuda directa aos seus contemporâneos, têm-nos sempre presentes dum modo mais profundo, no amor de Cristo, e colaborara espiritualmente com eles, a fim de que a construção da cidade terrena se funde sempre no Senhor e para Ele se oriente, não seja que trabalhem em vão os que edificam a casa (145).

Por isso, finalmente, o sagrado Concílio confirma e louva os homens e mulheres, Irmãos e Irmãs, que, nos mosteiros, escolas, hospitais ou missões, embelezam a Igreja com a sua perseverante e humilde fidelidade na mencionada consagração, e prestam generosamente aos homens os mais variados serviços.

Conclusão: perseverança e santidade

47. Cada um dos que foram chamados à profissão dos conselhos, cuide com empenho de perseverar na vocação a que o Senhor o chamou, e de nela se aperfeiçoar para maior santidade da Igreja e maior glória da una e indivisa Trindade, a qual em Cristo e por Cristo é a fonte e origem de toda a santidade.

CAPÍTULO VII

A ÍNDOLE ESCATOLÓGICA DA IGREJA PEREGRINA
E A SUA UNIÃO COM A IGREJA CELESTE

Caráter escatológico da nossa vocação à Igreja

48. A Igreja, à qual todos somos chamados e na qual por graça de Deus alcançamos a santidade, só na glória celeste alcançará a sua realização acabada, quando vier o tempo da restauração de todas as coisas (cfr. Act. 3,21) e, quando, juntamente com o género humano, também o universo inteiro, que ao homem está intimamente ligado e por ele atinge o seu fim, for perfeitamente restaurado em Cristo (cfr. Ef, 1,10; Col. 1,20; 2 Ped. 3, 10-13).

Na verdade, Cristo, elevado sobre a terra, atraiu todos a Si (cfr. Jo. 12,32 gr.); ressuscitado de entre os mortos (cfr. Rom. 6,9), infundiu nos discípulos o Seu Espírito vivificador e por Ele constituiu a Igreja, Seu corpo, como universal sacramento da salvação; sentado à direita do Pai, actua continuamente na terra, a fim de levar os homens à Igreja e os unir mais estreitamente por meio dela, e, alimentando-os com o Seu próprio corpo e sangue, os tornar participantes da Sua vida gloriosa. A prometida restauração que esperamos, já começou, pois, em Cristo, progride com a missão do Espírito Santo e, por Ele, continua na Igreja; nesta, a fé ensina-nos o sentido da nossa vida temporal, enquanto, na esperança dos bens futuros, levamos a cabo a missão que o Pai nos confiou no mundo e trabalhamos na nossa salvação (cfr. Fil. 2,12).

Já chegou, pois, a nós, a plenitude dos tempos (cfr. 1 Cor. 10,11), a restauração do mundo foi já realizada irrevogavelmente e, de certo modo, encontra-se já antecipada neste mundo: com efeito, ainda aqui na terra, a Igreja está aureolada de verdadeira, embora imperfeita, santidade. Enquanto não se estabelecem os novos céus e a nova terra em que habita a justiça (cfr. 2 Ped. 3,13), a Igreja peregrina, nos seus sacramentos e nas suas instituições, que pertencem à presente ordem temporal, leva a imagem passageira deste mundo e vive no meio das criaturas que gemem e sofrem as dores de parto, esperando a manifestação dos filhos de Deus (cfr. Rom. 8, 19-22).

Unidos, pois, a Cristo na Igreja, e marcados com o sinal do Espírito Santo «que é o penhor da nossa herança» (Ef. 1,14), chamamo-nos filhos de Deus e em verdade o somos (cfr. 1 Jo. 3,1); mas não aparecemos ainda com Cristo na glória (cfr. Col. 3,4), na qual seremos semelhantes a Deus, porque O veremos como Ele é (cfr. 1 Jo. 3,2). E assim, «enquanto estamos no corpo, vivemos exilados, longe do Senhor» (2 Cor. 5,6) e, tendo recebido as primícias do Espírito, gememos no nosso íntimo (cfr. Rom. 8,23) e anelamos por estar com Cristo (cfr. Fil. 1,23). Por este mesmo amor somos incitados a viver mais para Ele, que por nós morreu e ressuscitou (cfr. 2 Cor. 5,15). Esforçamo-nos, por isso, por agradar a Deus em todas as coisas (cfr. 2 Cor. 5,9) e revestimo-nos da armadura de Deus, para podermos fazer frente às maquinações do diabo e resistir no dia perverso (cfr. Ef. 6, 11-13). Mas, como não sabemos o dia nem a hora, é preciso que, segundo a recomendação do Senhor, vigiemos continuamente, a fim de que no termo da nossa vida sobre a terra, que é só uma (cfr. Hebr. 9,27), mereçamos entrar com Ele para o banquete de núpcias e ser contados entre os eleitos (cfr. Mt. 25, 51-46), e não sejamos lançados, como servos maus e preguiçosos (cfr. M t. 25,26), no fogo eterno (cfr. Mt. 25,41), nas trevas exteriores, onde «haverá choro e ranger de dentes» (Mt. 22,13; 25,30). Com efeito, antes de reinarmos com Cristo glorioso, cada um de nós será apresentado «perante o tribunal de Cristo, a fim de ser remunerado pelas obras que realizou enquanto vivia no corpo, boas ou más» (2 Cor. 5,10); e, no fim do mundo, «os que tiverem feito boas obras, irão para a ressurreição da vida, os que tiverem praticado más acções, para a ressurreição da condenação (Jo. 5,29; cfr. Mt. 25,46). Pensando, pois, que «os sofrimentos desta vida não têm proporção com a glória que se há-de revelar em nós» (Rom. 8,18; cfr. 2 Tim. 2, 11-12), fortalecidos pela fé, aguardamos «a bem-aventurada esperança e a vinda gloriosa do grande Deus e salvador nosso Jesus Cristo), (Tit. 2,13), «o qual transformará o nosso corpo miserável, tornando-o conforme ao Seu corpo glorioso), (Fil. 3,21) e virá «ser glorificado nos Seus santos e admirado em todos os que acreditaram), (2 Tess. 1,10).

União da Igreja celeste com a Igreja peregrina

49. Deste modo, enquanto o Senhor não vier na Sua majestade e todos os Seus anjos com Ele (cfr. Mt. 25,31) e, vencida a morte, tudo Lhe for submetido (cfr. 1 Cor. 15, 26-27), dos Seus discípulos uns peregrinam sobre a terra, outros, passada esta vida, são purificados, outros, finalmente, são glorificados e contemplam «claramente Deus trino e uno, como Ele é»(146); todos, porém, comungamos, embora em modo e grau diversos, no mesmo amor de Deus e do próximo, e todos entoamos ao nosso Deus o mesmo hino de louvor. Com efeito, todos os que são de Cristo e têm o Seu Espírito, estão unidos numa só Igreja e ligados uns aos outros n'Ele (cfr. Ef. 4,16). E assim, de modo nenhum se interrompe a união dos que ainda caminham sobre a terra com os irmãos que adormeceram na paz de Cristo, mas antes, segundo a constante fé da Igreja, é reforçada pela comunicação dos bens espirituais (147). Porque os bem-aventurados, estando mais ìntimamente unidos com Cristo, consolidam mais firmemente a Igreja na santidade, enobrecem o culto que ela presta a Deus na terra, e contribuem de muitas maneiras para a sua mais ampla edificação em Cristo (cfr. 1 Cor. 12, 12-27) (148). Recebidos na pátria celeste e vivendo junto do Senhor (cfr. 2 Cor. 5,8), não cessam de interceder, por Ele, com Ele e n'Ele, a nosso favor diante do Pai (149), apresentando os méritos que na terra alcançaram, graças ao mediador único entre Deus e os homens, Jesus Cristo (cfr. 1 Tim., 2,5), servindo ao Senhor em todas as coisas e completando o que falta aos sofrimentos de Cristo, em favor do Seu corpo que é a Igreja (cfr. Col. 1,24) (150). A nossa fraqueza é assim grandemente ajudada pela sua solicitude de irmãos.

Expressões dessa união:
orações pelos defuntos, culto dos santos

50. Reconhecendo claramente esta comunicação de todo o Corpo místico de Cristo, a Igreja dos que ainda peregrinam, cultivou com muita piedade desde os primeiros tempos do Cristianismo a memória dos defuntos (151) e, «porque é coisa santa e salutar rezar pelos mortos, para que sejam absolvidos de seus pecados» (2 Mac. 12,46), por eles ofereceu também sufrágios. Mas, os apóstolos e mártires de Cristo que, derramando o próprio sangue, deram o supremo testemunho de fé e de caridade, sempre a Igreja acreditou estarem mais ligados connosco em Cristo, os venerou com particular afecto, juntamente com a Bem-aventurada Virgem Maria e os santos Anjos (152) e implorou o auxílio da sua intercessão. Aos quais bem depressa foram associados outros, que mais de perto imitaram a virgindade e pobreza de Cristo (153) e, finalmente, outros, cuja perfeição nas virtudes cristãs (154) e os carismas divinos recomendavam à piedosa devoção dos fiéis (155).

Com efeito, a vida daqueles que fielmente seguiram a Cristo, é um novo motivo que nos entusiasma a buscar a cidade futura (cfr. Hebr. 14,14; 11,10) e, ao mesmo tempo, nos ensina um caminho seguro, pelo qual, por entre as efémeras realidades deste mundo e segundo o estado e condição próprios de cada um, podemos chegar à união perfeita com Cristo, na qual consiste a santidade (156). É sobretudo na vida daqueles que, participando connosco da natureza humana, se transformam, porém, mais perfeitamente à imagem de Cristo, (cfr. 2 Cor. 3,18) que Deus revela aos homens, de maneira mais viva, a Sua presença e a Sua face. Neles nos fala, e nos dá um sinal do Seu reino (157), para o qual, rodeados de uma tão grande nuvem de testemunhas (cfr. Hebr. 12,1) e tendo uma tal afirmação da verdade do Evangelho, somos fortemente atraídos.

Porém, não é só por causa de seu exemplo que veneramos a memória dos bem-aventurados, mas ainda mais para que a união de toda a Igreja aumente com o exercício da caridade fraterna (cfr. Ef. 4, 1-6). Pois, assim como a comunhão cristã entre os peregrinos nos aproxima mais de Cristo, assim a comunhão com os santos nos une a Cristo, de quem procedem, como de fonte e cabeça, toda a graça e ã própria vida do Povo de Deus(158).

É, portanto, muito justo que amemos estes amigos e co-herdeiros de Jesus Cristo, nossos irmãos e grandes benfeitores, que dêmos a Deus, por eles, as devidas graças (159), «lhes dirijamos as nossas súplicas e recorramos às suas orações, ajuda e patrocínio, para obter de Deus os benefícios, por Seu Filho Jesus Cristo, Nosso Senhor e Redentor e Salvador único» (160) Porque todo o genuíno testemunho de veneração que prestamos aos santos, tende e leva, por sua mesma natureza, a Cristo, que é a «coroa de todos os santos» (161) e, por Ele, a Deus, que é admirável nos seus santos e neles é glorificado (162).

Mas a nossa união com a Igreja celeste realiza-se de modo mais sublime. quando, sobretudo na sagrada Liturgia, na qual a virtude do Espírito Santo actua sobre nós através dos sinais sacramentais, concelebramos em comum exultação os louvores da divina Majestade (163) e, todos de todas as tribos, línguas e povos, remidos no sangue de Cristo (cfr. Apoc. 5,9) e reunidos numa única Igreja, engrandecemos com um único canto de louvor o Deus uno e trino. Assim, ao celebrar o sacrifício eucarístico, unimo-nos no mais alto grau ao culto da Igreja celeste, comungando e venerando a memória, primeiramente da gloriosa sempre Virgem Maria, de S. José, dos santos Apóstolos e mártires e de todos os santos (164).

Unidade no amor e na Liturgia

51. Esta venerável fé dos nossos maiores acerca da nossa união vital com os irmãos que já estão na glória celeste ou que, após a morte, estão ainda em purificação, aceita-a este sagrado Concílio com muita piedade e de novo propõe os decretos dos sagrados Concílios Niceno II (167), Florentino (165) e Tridentino (166). Ao mesmo tempo, com solicitude pastoral, exorta todos aqueles a quem isto diz respeito a esforçarem-se por desterrar ou corrigir os abusos, excessos ou defeitos que porventura tenham surgido aqui ou além, e tudo restaurem para maior glória de Cristo e de Deus. Ensinem, portanto, aos fiéis que o verdadeiro culto dos santos não consiste tanto na multiplicação dos actos externos quanto na intensidade do nosso amor efectivo, pelo qual, para maior bem nosso e da Igreja, procuramos «na vida dos santos um exemplo, na comunhão com eles uma participação, e na sua intercessão uma ajuda» (168). Por outro lado, mostrem aos fiéis que as nossas relações com os bem-aventurados, quando concebidas à luz da fé, de modo algum diminuem o culto de adoração prestado a Deus pai por Cristo, no Espírito, mas pelo contrário o enriquecem ainda mais (169).

Pois, com efeito, todos os que somos filhos de Deus, e formamos em Cristo uma família (cfr. Hebr. 3,6), ao comunicarmos na caridade mútua e no comum louvor da Trindade Santíssima, correspondemos à íntima vocação da Igreja e participamos, prelibando-a, na liturgia da glória (170), Com efeito, quando Cristo aparecer e se der a gloriosa ressurreição dos mortos, a luz de Deus iluminará a cidade celeste e o seu candelabro será o Cordeiro (cfr. Apoc. 21,24). Então, toda a Igreja dos santos, na suprema felicidade da caridade, adorará a Deus e ao «Cordeiro que foi imolado» (Apoc. 5,12), proclamando numa só voz: «louvor, honra, glória e poderio, pelos séculos dos séculos, Aquele que está sentado no trono, e ao Cordeiro» (Apoc. 5, 13-14).

CAPÍTULO VIII

A BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA MÃE DE DEUS
NO MISTÉRIO DE CRISTO E DA IGREJA

I. PROÉMIO

A Virgem mãe de Cristo

52. Querendo Deus, na Sua infinita benignidade e sabedoria, levar a cabo a redenção do mundo, «ao chegar a plenitude dos tempos, enviou Seu Filho, nascido de mulher,... a fim de recebermos a filiação adoptiva» (Gál. 4, 4-5). «Por amor de nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus e encarnou na Virgem Maria, por obra e graça do Espírito Santo» (171). Este divino mistério da salvação é-nos relevado e continua na Igreja, instituída pelo Senhor como Seu corpo; nela, os fiéis, aderindo à cabeça que é Cristo, e em comunhão com todos os santos, devem também venerar a memória «em primeiro lugar da gloriosa sempre Virgem Maria Mãe do nosso Deus e Senhor Jesus Cristo» (172).

A Virgem e a Igreja

53. Efectivamente, a Virgem Maria, que na anunciação do Anjo recebeu o Verbo no coração e no seio, e deu ao mundo a Vida, é reconhecida e honrada como verdadeira Mãe de Deus Redentor. Remida dum modo mais sublime, em atenção aos méritos de seu Filho, e unida a Ele por um vínculo estreito e indissolúvel, foi enriquecida com a excelsa missão e dignidade de Mãe de Deus Filho; é, por isso, filha predilecta do Pai e templo do Espírito Santo, e, por este insigne dom da graça, leva vantagem á todas as demais criaturas do céu e da terra. Está, porém, associada, na descendência de Adão, a todos os homens necessitados de salvação; melhor, «é verdadeiramente Mãe dos membros (de Cristo)..., porque cooperou com o seu amor para que na Igreja nascessem os fiéis, membros daquela cabeça» (173). É, por esta razão, saudada como membro eminente e inteiramente singular da Igreja, seu tipo e exemplar perfeitíssimo na fé e na caridade; e a Igreja católica, ensinada pelo Espírito Santo, consagra-lhe, como a mãe amantíssima, filial afecto de piedade.

Intenção do Concílio

54. Por isso, o sagrado Concílio, ao expor a doutrina acerca da Igreja, na qual o divino Redentor realiza a salvação, pretende esclarecer cuidadosamente não só o papel da Virgem Santíssima no mistério do Verbo encarnado e do Corpo místico, mas também os deveres dos homens resgatados para com a Mãe de Deus, Mãe de Cristo e Mãe dos homens, sobretudo dos fiéis. Não tem, contudo, intenção de propor toda a doutrina acerca de Maria, nem de dirimir as questões ainda não totalmente esclarecidas pelos teólogos. Conservam, por isso, os seus direitos as opiniões que nas escolas católicas livremente se propõem acerca daquela que na santa Igreja ocupa depois de Cristo o lugar mais elevado e também o mais próximo de nós (174).

II. A VIRGEM SANTÍSSIMA NA ECONOMIA DA SALVAÇÃO

A mãe do Redentor no Antigo Testamento

55. A Sagrada Escritura do Antigo e Novo Testamento e a venerável Tradição mostram de modo progressivamente mais claro e como que nos põem diante dos olhos o papel da Mãe do Salvador na economia da salvação. Os livros do Antigo Testamento descrevem a história da salvação na qual se vai preparando lentamente a vinda de Cristo ao mundo. Esses antigos documentos, tais como são lidos na Igreja e interpretados à luz da plena revelação ulterior, vão pondo cada vez mais em evidência a figura duma mulher, a Mãe do Redentor. A esta luz, Maria encontra-se já profeticamente delineada na promessa da vitória sobre a serpente (cfr. Gén. 3,15), feita aos primeiros pais caídos no pecado. Ela é, igualmente, a Virgem que conceberá e dará à luz um Filho, cujo nome será Emmanuel (cfr. Is. 7,14; cfr. Miq. 5, 2-3; Mt. 1, 22-23). É a primeira entre os humildes e pobres do Senhor, que confiadamente esperam e recebem a salvação de Deus. Com ela, enfim, excelsa Filha de Sião, passada a longa espera da promessa, se cumprem os tempos e se inaugura a nova economia da salvação, quando o Filho de Deus dela recebeu a natureza humana, para libertar o homem do pecado com os mistérios da Sua vida terrena.

Maria na Anunciação

56. Mas o Pai das misericórdias quis que a aceitação, por parte da que Ele predestinara para mãe, precedesse a encarnação, para que, assim como uma mulher contribuiu para a morte, também outra mulher contribuisse para a vida. É o que se verifica de modo sublime na Mãe de Jesus, dando à luz do mundo a própria Vida, que tudo renova. Deus adornou-a com dons dignos de uma tão grande missão; e, por isso, não é de admirar que os santos Padres chamem com frequência à Mãe de Deus «toda santa» e «imune de toda a mancha de pecado», visto que o próprio Espírito Santo a modelou e d'Ela fez uma nova criatura (175). Enriquecida, desde o primeiro instante da sua conceição, com os esplendores duma santidade singular, a Virgem de Nazaré é saudada pelo Anjo, da parte de Deus, como «cheia de graça» (cfr. Luc. 1,28); e responde ao mensageiro celeste: «eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» (Luc. 1,38). Deste modo, Maria, filha de Adão, dando o seu consentimento à palavra divina, tornou-se Mãe de Jesus e, não retida por qualquer pecado, abraçou de todo o coração o desígnio salvador de Deus, consagrou-se totalmente, como escrava do Senhor, à pessoa e à obra de seu Filho, subordinada a Ele e juntamente com Ele, servindo pela graça de Deus omnipotente o mistério da Redenção. por isso, consideram com razão os santos Padres que Maria não foi utilizada por Deus como instrumento meramente passivo, mas que cooperou livremente, pela sua fé e obediência, na salvação dos homens. Como diz S. Ireneu, «obedecendo, ela tornou-se causa de salvação, para si e para todo o género humano» (176). Eis porque não poucos, Padres afirmam com ele, nas suas pregações, que «o no da desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria; e aquilo que a virgem Eva atou, com a sua incredulidade, desatou-o a virgem Maria com a sua fé» (177); e, por comparação com Eva, chamam Maria a «mãe dos vivos»(178) e afirmam muitas vezes: «a morte veio por Eva, a vida veio por Maria» (179).

Maria na infância de Jesus

57. Esta associação da mãe com o Filho na obra da salvação, manifesta-se desde a conceição virginal de Cristo até à Sua morte. Primeiro, quando Maria, tendo partido solicitamente para visitar Isabel, foi por ela chamada bem-aventurada, por causa da fé com que acreditara na salvação prometida, e o precursor exultou no seio de sua mãe (cfr. Luc. 1, 41-45); depois, no nascimento, quando a Mãe de Deus, cheia de alegria, apresentou aos pastores e aos magos o seu Filho primogénito, o qual não só não lesou a sua integridade, mas antes a consagrou (180). E quando O apresentou no templo ao Senhor, com a oferta dos pobres, ouviu Simeão profetizar que o Filho viria a ser sinal de contradição e que uma espada trespassaria o coração da mãe, a fim de se revelarem os pensamentos de muitos (cfr. Luc. 2, 34-35). Ao Menino Jesus, perdido e buscado com aflição, encontraram-n'O os pais no templo, ocupado nas coisas de Seu Pai; e não compreenderam o que lhes disse. Mas sua mãe conservava todas estas coisas no coração e nelas meditava (cfr. Luc. 2, 41-51).

Maria na vida pública e na paixão de Cristo

58. Na vida pública de Jesus, Sua mãe aparece duma maneira bem marcada logo no princípio, quando, nas bodas de Caná, movida de compaixão, levou Jesus Messias a dar início aos Seus milagres. Durante a pregação de Seu Filho, acolheu as palavras com que Ele, pondo o reino acima de todas as relações de parentesco, proclamou bem-aventurados todos os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática (cfr. Mc. 3,35 e paral.; Luc. 11, 27-28); coisa que ela fazia fielmente (cfr. Luc. 2, 19 e 51). Assim avançou a Virgem pelo caminho da fé, mantendo fielmente a. união com seu Filho até à cruz. Junto desta esteve, não sem desígnio de Deus (cfr. Jo.19,25), padecendo acerbamente com o seu Filho único, e associando-se com coração de mãe ao Seu sacrifício, consentindo com amor na imolação da vítima que d'Ela nascera; finalmente, Jesus Cristo, agonizante na cruz, deu-a por mãe ao discípulo, com estas palavras: mulher, eis aí o teu filho (cfr. Jo. 19, 26-27) (181).

Maria depois da Ascensão

59. Tendo sido do agrado de Deus não manifestar solenemente o mistério da salvação humana antes que viesse o Espírito prometido por Cristo, vemos que, antes do dia de Pentecostes, os Apóstolos «perseveravam unânimemente em oração, com as mulheres, Maria Mãe de Jesus e Seus irmãos» (Act. 1,14), implorando Maria, com as suas orações, o dom daquele Espírito, que já sobre si descera na anunciação. Finalmente, a Virgem Imaculada, preservada imune de toda a mancha da culpa original (198), terminado o curso da vida terrena, foi elevada ao céu em corpo e alma (183) e exaltada por Deus como rainha, para assim se conformar mais plenamente com seu Filho, Senhor dos senhores (cfr. Apoc. 19,16) e vencedor do pecado e da morte (184).

III. A VIRGEM SANTÍSSIMA E A IGREJA

O influxo salutar de Maria e a mediação de Cristo

60. O nosso mediador é só um, segundo a palavra do Apóstolo: «não há senão um Deus e um mediador entre Deus e os homens, o homem Jesus Cristo, que Se entregou a Si mesmo para redenção de todos (1 Tim. 2, 5-6). Mas a função maternal de Maria em relação aos homens de modo algum ofusca ou diminui esta única mediação de Cristo; manifesta antes a sua eficácia. Com efeito, todo o influxo salvador da Virgem Santíssima sobre os homens se deve ao beneplácito divino e não a qualquer necessidade; deriva da abundância dos méritos de Cristo, funda-se na Sua mediação e dela depende inteiramente, haurindo aí toda a sua eficácia; de modo nenhum impede a união imediata dos fiéis com Cristo, antes a favorece.

A maternidade espiritual

61. A Virgem Santíssima, predestinada para Mãe de Deus desde toda a eternidade simultâneamente com a encarnação do Verbo, por disposição da divina Providência foi na terra a nobre Mãe do divino Redentor, a Sua mais generosa cooperadora e a escrava humilde do Senhor. Concebendo, gerando e alimentando a Cristo, apresentando-O ao Pai no templo, padecendo com Ele quando agonizava na cruz, cooperou de modo singular, com a sua fé, esperança e ardente caridade, na obra do Salvador, para restaurar nas almas a vida sobrenatural. É por esta razão nossa mãe na ordem da graça.

A natureza da sua mediação

62. Esta maternidade de Maria na economia da graça perdura sem interrupção, desde o consentimento, que fielmente deu na anunciação e que manteve inabalável junto à cruz, até à consumação eterna de todos os eleitos. De facto, depois de elevada ao céu, não abandonou esta missão salvadora, mas, com a sua multiforme intercessão, continua a alcançar-nos os dons da salvação eterna (185). Cuida, com amor materno, dos irmãos de seu Filho que, entre perigos e angústias, caminham ainda na terra, até chegarem à pátria bem-aventurada. Por isso, a Virgem é invocada na Igreja com os títulos de advogada, auxiliadora, socorro, medianeira (186). Mas isto entende-se de maneira que nada tire nem acrescente à dignidade e eficácia do único mediador, que é Cristo (187).

Efectivamente, nenhuma criatura se pode equiparar ao Verbo encarnado e Redentor; mas, assim como o sacerdócio de Cristo é participado de diversos modos pelos ministros e pelo povo fiel, e assim como a bondade de Deus, sendo uma só, se difunde vàriamente pelos seres criados, assim também a mediação única do Redentor não exclui, antes suscita nas criaturas cooperações diversas, que participam dessa única fonte.

Esta função subordinada de Maria, não hesita a Igreja em proclamá-la; sente-a constantemente e inculca-a aos fiéis, para mais intimamente aderirem, com esta ajuda materna, ao seu mediador e salvador.

Maria tipo da Igreja como Virgem e Mãe

63. Pelo dom e missão da maternidade divina, que a une a seu Filho Redentor, e pelas suas singulares graças e funções, está também a Virgem intimamente ligada, à Igreja: a Mãe de Deus é o tipo e a figura da Igreja, na ordem da fé, da caridade e da perfeita união com Cristo, como já ensinava S. Ambrósio (188). Com efeito, no mistério da Igreja, a qual é também com razão chamada mãe e virgem, a bem-aventurada Virgem Maria foi adiante, como modelo eminente e único de virgem e de mãe (189). Porque, acreditando e obedecendo, gerou na terra, sem ter conhecido varão, por obra e graça do Espírito Santo, o Filho do eterno Pai; nova Eva, que acreditou sem a mais leve sombra de dúvida, não na serpente antiga, mas no mensageiro celeste. E deu à luz um Filho, que Deus estabeleceu primogénito de muitos irmãos (Rom. 8,29), isto é, dos fiéis, para cuja geração e educação Ela coopera com amor de mãe.

A fecundidade virginal da Igreja

64. Por sua vez, a Igreja que contempla a sua santidade misteriosa e imita a sua caridade, cumprindo fielmente a vontade do Pai, toma-se também, ela própria, mãe, pela fiel recepção da palavra de Deus: efectivamente, pela pregação e pelo Baptismo, gera, para vida nova e imortal, os filhos concebidos por acção do Espírito Santo e nascidos de Deus. E também ela é virgem, pois guarda fidelidade total e pura ao seu Esposo e conserva virginalmente, à imitação da Mãe do seu Senhor e por virtude do Espírito Santo, uma fé íntegra, uma sólida esperança e uma verdadeira caridade (190).

Virtudes de Maria

65. Mas, ao passo que, na Santíssima Virgem, a Igreja alcançou já aquela perfeição sem mancha nem ruga que lhe é própria (cfr. Ef. 5,27), os fiéis ainda têm de trabalhar por vencer o pecado e crescer na santidade; e por isso levantam os olhos para Maria, que brilha como modelo de virtudes sobre toda a família dos eleitos. A Igreja, meditando piedosamente na Virgem, e contemplando-a à luz do Verbo feito homem, penetra mais profundamente, cheia de respeito, no insondável mistério da Encarnação, e mais e mais se conforma com o seu Esposo. Pois Maria, que entrou intimamente na história da salvação, e, por assim dizer, reune em si e reflecte os imperativos mais altos da nossa fé, ao ser exaltada e venerada, atrai os fiéis ao Filho, ao Seu sacrifício e ao amor do Pai. Por sua parte, a Igreja, procurando a glória de Cristo, torna-se mais semelhante àquela que é seu tipo e sublime figura, progredindo continuamente na fé, na esperança e na caridade, e buscando e fazendo em tudo a vontade divina. Daqui vem igualmente que, na sua acção apostólica, a Igreja olha com razão para aquela que gerou a Cristo, o qual foi concebido por acção do Espírito Santo e nasceu da Virgem precisamente para nascer e crescer também no coração dos fiéis, por meio da Igreja. E, na sua vida, deu a Virgem exemplo daquele afecto maternal de que devem estar animados todos quantos cooperam na missão apostólica que a Igreja tem de regenerar os homens.

IV. O CULTO DA BEM-AVENTURADA VIRGEM NA IGREJA

Natureza e fundamento do culto

66. Exaltada por graça do Senhor e colocada, logo a seguir a seu Filho, acima de todos os anjos e homens, Maria que, como mãe santíssima de Deus, tomou parte nos mistérios de Cristo, é com razão venerada pela Igreja com culto especial. E, na verdade, a Santíssima Virgem é, desde os tempos mais antigos, honrada com o título de «Mãe de Deus», e sob a sua protecção se acolhem os fiéis, em todos os perigos e necessidades (191). Foi sobretudo a partir do Concílio do Éfeso que o culto do Povo de Deus para com Maria cresceu admiràvelmente, na veneração e no amor, na invocação e na imitação, segundo as suas proféticas palavras: «Todas as gerações me proclamarão bem-aventurada, porque realizou em mim grandes coisas Aquele que é poderoso» (Luc.1,48). Este culto, tal como sempre existiu na Igreja, embora inteiramente singular, difere essencialmente do culto de adoração, que se presta por igual ao Verbo encarnado, ao Pai e ao Espírito Santo, e favorece-o poderosamente. Na verdade, as várias formas de piedade para com a Mãe de Deus, aprovadas pela Igreja, dentro dos limites de sã e recta doutrina, segundo os diversos tempos e lugares e de acordo com a índole e modo de ser dos fiéis, têm a virtude de fazer com que, honrando a mãe, melhor se conheça, ame e gloria fique o Filho, por quem tudo existe (cfr. Col. 1, 15-16) e no qual «aprouve a Deus que residisse toda a plenitude» (Col. 1,19), e também melhor se cumpram os seus mandamentos.

Espírito da pregação e do culto

67. Muito de caso pensado ensina o sagrado Concílio esta doutrina católica, e ao mesmo tempo recomenda a todas os filhos da Igreja que fomentem generosamente o culto da Santíssima Virgem, sobretudo o culto litúrgico, que tenham em grande estima as práticas e exercícios de piedade para com Ela, aprovados no decorrer dos séculos pelo magistério, e que mantenham fielmente tudo aquilo que no passado foi decretado acerca do culto das imagens de Cristo, da Virgem e dos santos (192). Aos teólogos e pregadores da palavra de Deus, exorta-os instantemente a evitarem com cuidado, tanto um falso exagero como uma demasiada estreiteza na consideração da dignidade singular da Mãe de Deus (193). Estudando, sob a orientação do magistério, a Sagrada Escritura, os santos Padres e Doutores, e as liturgias das Igrejas, expliquem como convém as funções e os privilégios da Santíssima Virgem, os quais dizem todos respeito a Cristo, origem de toda a verdade, santidade e piedade. Evitem com cuidado, nas palavras e atitudes, tudo o que possa induzir em erro acerca da autêntica doutrina da Igreja os irmãos separados ou quaisquer outros. E os fiéis lembrem-se de que a verdadeira devoção não consiste numa emoção estéril e passageira, mas nasce da fé, que nos faz reconhecer a grandeza da Mãe de Deus e nos incita a amar filialmente a nossa mãe e a imitar as suas virtudes.

V. MARIA, SINAL DE SEGURA ESPERANÇA E DE CONSOLAÇÃO
PARA O POVO DE DEUS PEREGRINANTE

Sinal de Esperança e de consolação

68. Entretanto, a Mãe de Jesus, assim como, glorificada já em corpo e alma, é imagem e início da Igreja que se há-de consumar no século futuro, assim também, na terra, brilha como sinal de esperança segura e de consolação, para o Povo de Deus ainda peregrinante, até que chegue o dia do Senhor (cfr. 2 Ped. 3,10).

Medianeira para a unidade da Igreja

69. E é uma grande alegria e consolação para este sagrado Concílio o facto de não faltar entre os irmãos separados quem preste à Mãe do Senhor e Salvador o devido culto; sobretudo entre os Orientais, que acorrem com fervor e devoção a render culto à sempre Virgem Mãe de Deus (194). Dirijam todos os fiéis instantes súplicas à Mãe de Deus e mãe dos homens, para que Ela, que assistiu com suas orações aos começos da Igreja, também agora, exaltada sobre todos os anjos e bem-aventurados, interceda, junto de seu Filho, na comunhão de todos os santos, até que todos os povos, tanto os que ostentam o nome cristão, como os que ainda ignoram o Salvador, se reunam felizmente, em paz e harmonia, no único Povo de Deus, para glória da santíssima e indivisa Trindade.

Roma, 21 de Novembro de 1964.

PAPA PAULO VI


NOTIFICAÇÕES FEITAS PELO EX.MO SECRETÁRIO GERAL
DO SAGRADO CONCÍLIO, NA CONGREGAÇÃO GERAL CXXIII,
NO DIA 16 DE NOVEMBRO DE 1964

Notificações: valor teológico das proposições

Foi perguntado qual deve ser a qualificação teológica da doutrina exposta no esquema De Ecclesia que se propõe à votação. A Comissão Doutrinal respondeu à pergunta ao examinar os Modos referentes ao capítulo terceiro do esquema De Ecclesia, com estas palavras:

«Como é evidente, o texto conciliar deve sempre ser interpretado segundo as regras gerais, de todos conhecidas». A Comissão Doutrinal, nesta ocasião, remete para a sua Declaração do dia 6 de Março de 1964, cujo texto se transcreve aqui:

«Tendo em conta a praxe conciliar e o fim pastoral do presente Concilio, este sagrado Concilio só define aquelas coisas relativas à fé e aos costumes que abertamente declarar como de fé.

Tudo o mais que o sagrado Concílio propõe, como doutrina do supremo Magistério da Igreja, devem-no os fiéis receber e abraçar segundo a mente do mesmo sagrado Concílio, a qual se deduz quer do assunto em questão, quer do modo de dizer, segundo as normas da interpretação teológica».

Por autoridade superior comunica-se aos Padres uma nota prévia explicativa dos «Modos» referentes ao capítulo terceiro do esquema De Ecclesia; é segundo o espírito e o sentido desta nota que se deve explicar e entender a doutrina exposta nesse capítulo terceiro.

NOTA EXPLICATIVA PRÉVIA

«A Comissão decidiu fazer preceder das seguintes observações gerais o exame dos Modos:

Colégio não se entende em sentido jurídico estrito, ou seja, de um grupo de iguais, que delegam o seu poder ao que preside; mas no sentido de um grupo estável, cuja estrutura e autoridade se devem deduzir da Revelação. Por isso, na resposta ao Modo 12, se diz expressamente, acerca dos Doze, que o Senhor constituiu-os em Colégio ou grupo estável. Cfr. também o Modo 53, c. - Pelo mesmo motivo, ao tratar-se do Colégio dos Bispos, são também empregados a cada passo os termos Ordem ou Corpo. O paralelismo entre Pedro e os restantes Apóstolos por um lado, e o Sumo Pontífice e os Bispos pelo outro, não implica a transmissão do poder extraordinário dos Apóstolos aos seus sucessores, nem, como é evidente, a igualdade entre a Cabeça e os membros do Colégio, mas apenas uma proporcionalidade entre a primeira relação (Pedro-Apóstolos) e a segunda (Papa-Bispos). Daí ter a Comissão resolvido escrever no inicio do n.° 22 «pari ratione» e não « eadem ratione». Cfr. Modo 57.

2.° Uma pessoa torna-se membro do Colégio em virtude da sagração episcopal e pela comunhão hierárquica com a Cabeça e com os membros do Colégio. Cfr. n.° 22, no fim da primeira alínea.

Na sagração é conferida a participação ontológica nos ofícios sagrados, como indubitàvelmente consta da Tradição, mesmo litúrgica. Intencionalmente se emprega a palavra munerum e não potestatum, porque esta última palavra poderia entender-se como poder apto para o exercício. Ora, para que tal poder exista, deve sobrevir a determinação canónica ou jurídica, por parte da autoridade hierárquica. Esta determinação do poder pode consistir na concessão de um ofício particular ou na atribuição de súbditos, e é dada segundo as normas aprovadas pela autoridade suprema. Essa norma ulterior é exigida pela própria natureza das coisas, visto tratar-se de poderes que devem ser exercidos por diversas pessoas que, segundo a vontade de Cristo, cooperam hieràrquicamente. E evidente que esta «comunhão» sé foi exercendo na vida da Igreja, segundo as circunstâncias dos tempos, mesmo antes de, por assim dizer, ser codificada no direito.

Por isso mesmo se diz expressamente que se requer a comunhão hierárquica com a Cabeça e membros da Igreja. A comunhão é um conceito tido em grande veneração na antiga Igreja (e ainda hoje, sobretudo no Oriente). Não se trata, porém, de um sentimento vago, mas de uma realidade orgânica, que exige uma forma jurídica e é ao mesmo tempo animada pela caridade. Por isso a Comissão resolveu, quase por unanimidade, que se devia escrever: «pela comunhão hierárquica». Cfr. Modo 40 e também o que se diz acerca da missão canónica, no n. 24.

Os documentos dos últimos Sumos Pontífices acerca da jurisdição dos Bispos, devem ser interpretados segundo esta determinação necessária dos poderes.

3.° Diz-se que o Colégio, que não pode existir sem cabeça, «é também sujeito do supremo e pleno poder sobre toda a Igreja». Isto tem de se admitir necessàriamente, para que a plenitude do poder do Romano Pontífice não seja posta em questão. O Colégio, com efeito, entende-se sempre e necessàriamente com a sua Cabeça, a qual, no Colégio, conserva integralmente o seu cargo de Vigário de Cristo e Pastor da Igreja Universal. Por outras palavras, a distinção não se faz entre o Romano Pontífice e os Bispos, tomados colectivamente, mas entre o Romano Pontífice só, e o Romano Pontífice juntamente com os Bispos. E uma vez que o Sumo Pontífice é a Cabeça do Colégio, só ele pode executar certos actos, que de modo nenhum competem aos Bispos como, por exemplo, convocar e dirigir o Colégio, aprovar normas de acção, etc. Cfr. Modo 81.

Ao juízo do Sumo Pontífice, a quem foi entregue o cuidado de todo o rebanho de Cristo, compete, segundo as necessidades da Igreja, que variam no decurso dos tempos, determinar o modo mais conveniente de actuar esse cuidado, quer essa actuação se faça de modo pessoal quer de modo colegial. Quanto a ordenar, promover e aprovar o exercício colegial, procede o Romano Pontífice segundo a sua própria discrição.

4.° O Sumo Pontífice, visto ser o Pastor supremo da Igreja, pode exercer, como lhe aprouver, o seu poder ern todo o tempo; exige-o o próprio cargo. O Colégio, porém, embora exista sempre, nem por isso age permanentemente com uma acção estritamente colegial, conforme consta da Tradição da Igreja.

Por outras palavras, não está sempre «em exercício pleno». Mais ainda: sòmente por intervalos age de uma maneira estritamente colegial e nunca sem o consentimento da Cabeça. Diz-se, porém, «com o consentimento da Cabeça» para que não se pense numa dependência de pessoa por assim dizer estranha; o termo «consentimento» evoca, pelo contrário, a comunhão entre a Cabeça. e os membros e implica a necessidade do acto que é próprio da Cabeça. Isto é afirmado explicitamente no número 22 e explicado no mesmo lugar. A fórmula negativa «a não ser» compreende todos os casos, e assim é evidente que as normas aprovadas pela Autoridade suprema devem ser sempre observadas. Cfr. Modo 84.

Em tudo isto, é também evidente que se trata da união dos Bispos com a sua Cabeça e nunca de uma acção dos Bispos independentemente do Papa. Neste caso, faltando a acção da Cabeça, os Bispos não podem agir colegial mente, como se depreende da mesma noção de «Colégio». Esta Comunhão hierárquica de todos os Bispos com o Sumo Pontífice é certamente habitual na Tradição.

N. B. Sem a comunhão hierárquica, o cargo sacramental-ontológico, que se deve distinguir do aspecto canónico-jurídico, não pode ser exercido. A Comissão, porém, julgou que não devia entrar nas questões de liceidade e validade, que se deixam à discussão dos teólogos, em especial no referente ao poder que de facto se exerce entre os Orientais separados e para cuja explicação existem várias sentenças».


Notas

1. Cfr. S. Cipriano, Epist. 64, 4: PL 3, 1017. CSEL (Hartel), III B, p. 720. S. Hilário Píct., In Mt. 23, 6: PL 9, 1047. S. Agostinho, passim. S. Cirilo Alex., Glaph. in Gen. 2, 10: PG 69, 110 A.

2. Cfr. S. Gregório M., Hom. in Evang. 19, 1: PL 76, 1154 B. S. Agostinho, Serm. 341, 9, 11: PL 39, 1499 s. S. J. Damasceno, Adv. Iconocl. 11: PG, 1357.

3. Cfr. S. Ireneu, Adv. Haer. III, 24, 1: PG 7, 966 B; Harvey 2, 131, ed. Sagnard, Sources Chr., p. 398.

4. S. Cipriano, De orat. Dom. 23: PL 4, 553; Hartel, III A, p. 285. S. Agostinho, Serm. 71, 20, 33: PL 38, 463 s. S. J. Damasceno, Adv. Iconocl. 12: PG 96, 1358 D.

5. Cfr. Origenes, In Mt. 16, 21: PG 13, 1443 C; Tertuliano, Adv. Marc. 3, 7: PL 2, 357 C; CSEL 47, 3, p. 386. Para os documentos litúrgicos, cfr. Sacramentarium Gregorianum: PL 78, 160 B. ou C. Mohlberg, Liber Sacramentorum romanae ecclesiae, Roma, 1960, p.111, XC; «Deus, qui ex omni coaptacione sanctorum aeternum tibi condis habitaculum...». Hinos Urbs Ierusalem beata em Breviário monástico, e Coelestis Urbs Ierusalem em Breviário Romano.

6. Cfr. S. Tomás, Summa Theol. III, q. 62, a. 5, ad 1.

7. Cfr. Pio XII, Encíclica Mystici Corporis, 29 jun. 1943: AAS 35 (1943), p. 208.

8. Cfr. Leão XIII, Carta Encicl. Divinum illud, 9 maio 1897: ASS 29 (1896-97) p. 650. Pio XII, Encíclica Mystici Corporis, 1. c., pp. 219-220; Denz. 2288 (3808). S. Agostinho, Serm. 268, 2: PL 38, 1232, etc. S. João Crisóstomo, In Eph. Hom. 9, 3: PG 62, 72. Didimo Alex., Trin. 2, 1: PG 39, 449 s. S. Tomás, In Col. 1, 18, lect. 5; ed. Marietti, II, n. 46: «Sicut constituitur unum corpus ex unitate animae, ita Ecclesia ex unitate Spiritus...».

9. Leão XIII, Encíclica Sapientiae christianae, 10 jan. 1890: ASS 22 (1889-90) p. 392. Id., Carta Encicl. Satis cognitum, 29 jun. 1896: ASS 28 (1895-96) pp. 710 e 724 ss. Pio XII, Encíclica Mystici Corporis, 1. c., pp. 199-200.

10. Cfr. Pio XII, Encíclica, Mystici Corporis, 1. c., p. 221 ss. Id., Encíclica Humani generis, 12 agosto 1950: AAS 42 (1950) p. 571.

11. Leão XIII, Carta Encícl. Satis cognitum, 1. c., p. 713.

12. Símbolo. Apostólico: Denz. 6-9 (10-13) ; Símbolo Nic. - Constantinopolitano: Denz. 86 (150) ; cfr. Prof. fidei Trid,: Denz. 994 e 999 (1862 e 1868).

13. Diz-se «Igreja santa (católica, apostólica) romana» em: Prof. fidei Trid., 1. c., e Cone. Vat. I, Const. dogm. de fide cath.: Denz. 1782 (3001).

14. S. Agostinho, De Civ. Dei, XVIII, 51, 2: PL 41, 614.

15. Cfr. S. Cipriano, Epist. 69, 6: PL 3, 1142 B; Hartel 3 B, p. 754: «inseparabile unitatis sacramentum».

16. Cfr. Pio XII, Aloc. Magnificate Dominum, 2 nov. 1954: AAS 46 (1954) p. 669. Encícl. Mediator Dei, 20 nov. 1947: AAS 39 (1947) p, 555.

17. Cfr. Pio XI, Encicl. Miserentissimus Redemptor, 8 maio 1928: AAS 29 (1928) p. 171 s. Pio XII, Aloc. Vous nous avez, 22 set. 1956: AAS 48 (1956) p. 714.

18. Cfr. S. Tomás, Summa Theol. III, q. 63, a. 2.

19. Cfr. S. Cirilo de Jerus. Catech. 17, de Spiritu Santo, II, 35-37: PG 33, 1009-1012. Nic. Cabasilas, De vita in Christo, lib. III, de utilitate chrismatis: PG 150, 569-580. S. Tomás, Summa Theol. 111, q. 65, a. 3 e q. 72, a. 1 e 5.

20. Cfr. Pio XII, Encicl. Mediator Dei, 20 nov. 1947: AAS 39 (1947), sobretudo p. 552 s.

21. 1 Cor. 7, 7: «Unusquisque proprium donum (idion charisma) habet ex Deo: alius quidem sie, alius vero sic». Cfr. S. Agostinho, De Dono Persev. 14, 37: PL 45, 1015 s.: Non tantum continentia Dei donum est, sed coniugatorum atiam castitas».

22. Cfr. S. Agostinho, De Praed. Sanct. 14, 27: PL 44, 980.

23. Cfr. S. J. Crisóstomo, In Io. Hom. 65, 1: PG 59, 361.

24. Cfr. S. Ireneu, Adv. Haer. 111, 16, 6; III, 22, 1-3: PG 7, 925 C-926 A, e 955 C-958 A: Harvey 2, 87 s. e 120-123; Sagnard, Ed. Sources Chrét., pp. 290-292 e 372 ss.

25. Cfr. S. Inácio M., Ad Rom., Pref.: ed. Funk, I, p. 252.

26. Cfr. S. Agostinho, Bapt. c. Donat. V, 28, 39: PL 43, 197: «C'erte manifestum est, id quod dicitur, in Ecclesia intus et foris, in corde, non in corpore cogitandum». Cfr. ib., III, 19, 26: col. 152; V, 18, 24: col. 189; In Io. Tr. 61, 2: PL 35, 1800, etc. etc.

27. Cfr. Lc. 12, 48: « Omni autem, cui multum datum est, multum quaeretur ab eo». Cfr. Mt. 5, 19-20; 7, 21-22; 25, 41-46; Tg. 2,14.

28. Cfr. Leão XIII, Carta Apost. Praeclara gratulationis, 20 jun. 1894: ASS 26 (1893-94) p. 707.

29. Cfr. Leão XIII, Carta Encícl. Satis cognitum, 29 jun. 1896: ASS 28 (1895-96) p. 738. Carta Encicl. Caritatis studium, 25 jul. 1898: ASS 31 (1898-99) p. 11. Pio XII, Radiomensagem Nel'alba, 24 dez. 1941: AAS 34 (1942) p. 21.

30. Cfr. Pio XI, Encicl. Rerum Orientalium, 8 set. 1928: AAS 20 (1928) p. 287. Pio XII, Encícl. Orientalis Ecclesiae, 9 abril 1944: AAS 36 (1944) p. 137.

31. Cfr. Instr. do Santo Oficio, 20 dez. 1949: AAS 42 (1950) p. 142.

32. Cfr. S. Tomás, Summa Theol. III, q. 8, a. 3, ad 1.

33. Cfr. Carta do S. Oficio ao Arcebispo de Boston: Denz. 3869-72.

34. Cfr. Eusébio Ces., Praeparatio Evangelica, 1, 1: PG 21, 28 AB.

35. Cfr. Bento XV, Carta Apost. Maximum Illud: AAS 11 (1919) p. 440, sobretudo p. 451 ss. Pio XI, Encícl, Rerum Ecclesiae: AAS 18 (1926) p. 68-69. Pio XII, Encicl. Fidei Donum, 21 abr. 1957: AAS 49 (1957) pp. 236-237.

36. Cfr. Didachè, 14: ed. Funk, I, p. 32. S. Justino, Dial. 41: PG 6, 564. Ireneu, Adv. Haer. IV, 17, 5: PG 7, 1023; Harvey, 2, p. 199 s. Conc. Trid., Sess. 22, cap. 1; Denz. 939 (1742).

37. Cfr. Conc. Vat. I, Const. Dogm. Pastor aeternus: Denz. 1821 (3050 s.).

38. Cfr. Cone. Flo., Decretum pro Graecis: Denz. 694 (1307) e Conc. Vat. I, ib.: Denz. 1826 (3059).

39. Cfr. Liber sacramentorum de S. Gregório, Praefatio in natali S. Matthiae et S. Thomae: PL 78, 50, 51 e 152; cfr. Cod. Vat. lat. 3548, f. 18. S. Hilário, In Ps. 67, 10: PL 9, 450; CSEL 22, p. 286. S. Jerónimo, Adv. Iovin. 1, 26: PL 23, 247 A. S. Agostinho, In Ps. 86, 4: PL 37, 1103. S. Gregório M., Mor. in lob, XXVIII, V:. PL 76, 455-456. Primásio, Comm in Apoc. V.: PL 68, 924 BC. Pascãsio Radb., In Matth. L. VIII, cap. 16: PL 120, 561 C. Cfr. Leão XIII, Carta Et sane,17 dez. 1888: ASS 21 (1888) p. 321.

40. Cfr. Act, 6, 2-6; 11,30; 13,1; 14,23; 20,17; 1 Tess. 5, 12-13; F11. 1,1; Col. 4,11, etc. etc.

41. Cfr. Act. 20, 25-27; 2 Tim. 4,6 s. coll. 1 Tim. 5,22; 2 Tim. 2,2; Tit. 1,5; S. Clem. Rom., Ad Cor. 44,3; ed. Funk, I, p. 156.

42. S. Clem. Rom. Ad Cor. 44,2; ed. Funk, I, p. 154 s.

43. Cfr. Tertuliano, Praescr. Haer. 32: PL 2, 52 s.; S. Inácio M., passim.

44. Cfr. Tertuliano, Praescr. Haer. 32: PL 2, 53.

45. Cfr. S. Ireneu. Adv. Haer. III, 3, 1: PG 7, 848 A; Harvey 2,8; Sagnard, p. 100 s.: «manifestatam».

46. Cfr. S. Ireneu, Adv. Haer, III, 2, 2: PG 7, 847; Harvey 2,7; Sagnard, p. 100: « custoditur>>, cfr. ib. IV, 26,2: col. 1053; Harvey 2, 236, e IV, 33,8: co1..1077; Harvey 2,262.

47. S. Inácio M., Philad., Praef., ed. Funk, I, p. 264.

48. S. Inácio M., Philad, 1,1; Magn. 6,1; ed. Funk, I, pp. 264 e 234.

49. S. Clem. Rom., 1. c., 42, 3-4; 44, 3-4; 57, 1-2; ed. Funk, I, 152, 156, 171 s. S. Inácio M. Philad. 2; Smyrn. 8; Magn. 3; Trall, 7; ed. Funk, p. 265 s.; 282, 232; 246 s. etc.; S. Justino, Apol., 1, 65: PG 6, 428; S. Cipriano, Epist. passim.

50. Cfr. Leão XIII, Carta Encícl. Satis cognitum, 29 jun. 1896: ASS 28 (1895-96) p. 732.

51. Cfr. Conc. Trid., Decr. de sacr. Ordinis, cap. 4: Denz. 960 (1768); Cone. Vat. I, Pastor aeternus, Const. Dogm. 1 De Ecclesia Christi, cap. 3: Denz. 1828 (3061). Pio XII, Encícl. Mystici Corporis, 29 jun. 1943: AAS 35 (1943) pp. 209 e 212. Cod. Iur. Can., c. 329 § 1.

52. Cfr. Leão XIII, Carta Et sane, 17 dez. 1888: ASS 21 (1888), p. 321 s.

53. S. Leão M., Serm. 5, 3: PL. 54, 154.

54. Cone. Trid., Sess. 23, cap. 3 cita as palavras de 2 Tim. 1, 6-7, para provar que a ordem é um verdadeiro sacramento: Denz. 959 (1766).

55. Em Trad. Apost. 3, ed. Botte, Sources Chr., pp. 27-30, dá-se ao Bispo o «primado do sacerdócio». Cfr. Sacramentarium Leonianum, ed. C. Mohlberg, Sacramentarium Veronense, Roma, 1955, p. 119: «ad summi sacerdotii... ministerium... Comple in sacerdotibus tuis mysterii tui summam»... Id. Liber Sacramentorum Romanae Ecclesiae, Roma, 1960, pp. 121-122: «Tribuas eis, Domine, cathedram episcopalem ad regendam Ecelesiam tuam et plebem universam». Cfr. PL 78, 224.

56. Trad. Apost. 2, ed. Botte, p. 27.

57. Conc. Trid., Sess. 23, cap. 4, ensina que o sacramento da Ordem imprime carácter indelével: Denz. 960 (1767). Cfr. João XXIII, Aloc. Iubilate Deo, 8 maio 1960: AAS 52 (1960) p. 466. Paulo VI, Homilia na Bas. Vaticana, 20 out. 1963: AAS 55 (1963) p. 1014.

58. S. Cipriano, Epist. 63, 14: PL 4, 386; Hartel, III B. p. 713: «Sacerdos vice Christi vere fungitur». S. João Crisóstomo In 2 Tim. Hom. 2. 4: PG 62, 612: sacerdos est «symbolon» Christi. S. Ambrósio, In Ps. 38, 25-26: PL 14, 1051-52: CSEL 64, 203-204. Ambrosiaster, In 1 Tim. 5, 19: PL 17, 479 C e In Eph. 4, 11-12: col. 387 C. Teodoro Mops., Hom. Catech. XV, 21 e 24: ed. Tonneau, pp. 497 e 503. Hesiquio de Jerus., In Lev. L. 2, 9, 23: PG 93, 894 B.

59. Cfr. Eusébio, Hist. Eccl., V, 24, 10: GCS II, 1, p. 495; ed. Bardy, Sources Chr. II, p. 69. Dionisio, em Eusébio, ib. VII, 5, 2: GCS II, p. 638 s.; Bardy, II, p. 168 s.

60. Acerca dos antigos Concílios, cfr. Eusébio Hist. Eccl. V, 23-24: GCS II, 1, p. 488 s.; Bardy, II, p. 66 ss. etc. Conc. Niceia, can. 5: Conc. Oec. Decr. p. 7.

61. Tertuliano, De Ieiunio, 13: PL 2, 972 B; CSEL 20, p. 292, lin. 13-16.

62. S. Cipriano, Epist. 56, 3: Hartel III B, p. 650; Bayard, p. 154.

63. Cfr. Relação oficial de Zinelli, no Conc. Vat. I: Mansi 52, 1109 C.

64. Cfr. Conc. Vat. I, Esquema da Const. dogm. II, de Ecclesia Christi, c. 4: Mansi 53, 310. Cfr. Relação de Kleutgen sobre o Esquema reformado: Mansi 53, 321 B-322 B e declaração de Zinelli: Mansi 52, 1110 A. Cfr. também S. Leão M., Serm. 4, 3: PL 151 A.

65. Cfr. Cod. Iur. Can., c. 222 e 227.

66. Cfr. Conc. Vat. I, Const. Dogm. Pastor aeternus: Denz. 1821 (3050 s.).

67. Cfr. S. Cipriano, Epist. 66, 8: Hartel III, 2, p. 733: «Episcopus in Ecclesia et Ecclesia In Episcopo».

68. Cfr. S. Cipriano, Epist. 55, 24: Hartel, p. 642, lin. 13: «Una Ecclesia per totum mundum in multa membra divisa». Epist. 36, 4: Hartel, p. 575, lin. 29-21.

69. Cfr. Pio XII, Encícl. Fidei Donum, 21 de abr. 1957: AAS 49 (1957) p. 237.

70. Cfr. S. Hilário Pict., In Ps. 14, 3: PL 9, 206; CSEL 22, p. 86. S. Gregório M., Moral. IV, 7, 12: PL 75, 643 C. Ps.-Basilio, In Is. 15, 296: PG 30, 637 C.

71. Cfr. S, Celestino, Epist. 18, 1-2, ao Conc. de Éfeso: PL 50, 505 AB; Schwartz, Acta Conc. Oec. I, 1, 1, p. 22. Cfr. Bento XV, Carta Apost. Maximum illud: AAS 11 (1919) p. 440. Pio XI, Encicl. Rerum Ecclesiae, 28 fev. 1926: AAS 18 (1926) p. 69. Pio XII, Encícl. Fidei Donum, 1. c.

72. Leão XIII, Encícl. Grande munus, 30 set. 1880: AAS 13- (1880) p. 145. Cfr. Cod. Iur. Can., c. 1327; c. 1350 § 2.

73. Acerca dos direitos das Sés patriarcais, cfr. Conc. Nicaenum, can. 6 sobre Alexandria e Antioquia, e can. 7 sobre Jerusalém: Conc. Oec. Decr., p. 8. Conc. Later. IV, em 1215, Constit. V: De dignitate Patriarcharum: ibid. p. 212 - Conc. Ferr. - ibid. p. 504.

74. Cfr. Cod. Iuris Can. pro Eccl. Orient., c. 216-314: de Patriarchis; c. 324-339: de Archiepiscopis maioribus; c. 362-391: de aliis dignitariis; In. specie, c. 238 § 3, 216; 240 251; 255: de Episcopis a Patriarcha nominandis.

75. Cfr. Conc. Trid., Decr. de reform., Sess. V, c. 2, n, 9; e Sess. XXIV, can. 4: Conc. Oec. Decr. pp. 645 e 739.

76. Cfr. Conc. Vat. I, Const. dogm. Dei Filius, 3: Denz. 1,712 (3011). Cfr. nota junta ao esquema I de Eccl. (tirada de S. Rob. Belarmino): Mansi 51, 579 C; e o Esquema reformado da Const. II de Ecclesia, com o comentário de Kleutgen: Mansi 53, 313 AB. Pio IX, Carta Tuas libenter: Denz. 1683 (2879).

77. Cfr. Cod. Iur. Can., c. 1322-1323.

78. Cfr. Conc. Vat. I, Const. dogm. Pastor Aeternus: Denz. 1389 (3074).

79 Cfr. explicação de Gasser em Conc. Vat. I: Mansi 52, 1213 AC.

80. Gasser, ib.: Mansi 1214 A.

81. Gasser, ib.: Mansi 1215 CD, 1216-1217 A.

82. Gasser, ib.: Mansi 1213.

83. Conc. Vat. I, Const. dogm. Pastor Aeternus, 4: Denz. 1836 (3070).

84. Oração da sagração episcopal no rito bizantino: Euchologion to mega, Roma, 1873, p. 139.

85. Cfr. S. Inácio M., Smyrn. 8, 1: ed. Funk, I, p. 282.

86. Cfr. Act. 8,1; 14, 22-23; 20, 17, etc., etc.

87. Oração moçárabe: PL 96, 759 B.

88. Cfr. S. Inácio M., Smyrn. 8, 1: ed. Funk, I, p. 282.

89. S. Tomás, Summa Theol. III, q. 73, a. 3.

90. Cfr. S. Agostinho, C. Faustum, 12, 20: PL 42, 265; Serm. 57, 7: PL 38, 389, etc.

91. S. Leão M., Sermo 63,7: PL 54, 357 C.

92. Traditio Apostolica Hippolyti, 2-3: ed. Botte, pp. 26-30.

93. Cfr. texto do exame no inicio da sagração episcopal, e oração no fim da missa da mesma sagração, depois do Te Deum.

94. Bento XV, Breve Romana Ecclesia, 5 out. 1752, § 1: Bullarium Benedicti XIV, t. IV, Roma, 1758, 21: «Episcopus Christi typum gerit, Eiusque munere fungitur». Pio XII, Encicl. Mystici Corporis, 1. c., p. 211: «Assignatos sibi greges singuli singulos Chrísti nomine pascunt et regunt».

95. Leão XIII, Carta Encicl. Satis cognitum, 29 jun. 1896: ASS 28 (1895-96) P. 732. Idem, Carta Officio sanctissimo, 22 dez. 1887: ASS 20 (1887) p. 264. Pio IX, Carta Apost. aos Bispos alemães, 12 março 1875, e Aloc. Consist., 15 março 1875: Denz. 3112-3117, só na nova ed.

96. Conc. Vat. I, Const. dogma Pastor aeternus, 3: Denz. 1828 (3061). Cfr. Relação de Zinelli: Mansi 52, 1114 D

97. Cfr. S. Inácio M., Ad Ephes. 5, 1: ed. Funk, 1, p. 216.

98. Cfr. S. Inácio M., Ad Ephes, 6, 1: ed. Funk, I, p. 216.

99. Cfr. Conc. Trid. De sacr. Ordinis, cap. 2: Denz. 958 (1765), e can. 6: Denz. 966 (1776).

100. Cfr. Inocêncio I, Epist. ad Decentium: PL 20, 554 A; Mansi 3, 1029; Denz. 98 (215) : «Presbyteri, licet secundi sint sacerdotes, pontificatus tamen apicem ron habent». S. Cipriano, Epist. 61, 3: ed. Hartel, p. 696.

101. Cfr. Conc. Trid., 1. c., Denz. 956a-968 (1763-1778), e em especial can. 7: Denz. 967 (1777). Pio XII, Const. Apost. Sacramentum Ordinis: Denz. 2301 (3857-61).

102. Cfr. Inocêncio I, 1. c.; S. Gregório Naz., Apol. II, 22: PG 35, 432 B. Ps.-Dionísio, Eccl. Hier., 1, 2: PG 3, 372 D.

103. Cfr. Conc. Trid., Sess. 22: Denz. 940 (1743). Pio XII, Encícl. Mediator Dei, 20 nov. 1947: AAS 39 (1947) p. 553; Denz. 2300 (3850).

104. Cfr. Conc. Trid. Sess. 22: Denz. 938 (1739-40). Conc. Vat. II, Const. De Sacra Liturgia, Sacrosanctum Concilium, n. 7 e n. 47.

105. Cfr. Pio XII, Encícl. Mediator Dei, 1. c. n. 67.

106. Cfr. S. Cipriano, Epist. 11, 3: PL 3, 242 B: Hartel, II, 2, p. 497.

107. Cfr. Pontificale romanum, De Ordinatione presbyterorum, na imposição das vestes.

108. Cfr. Pontificale romanum, De Ordinatione presbyterorum, no prefácio.

109. Cfr. S. Inácio M., Philad. 4: ed. Funk, I, p. 266. S. Cornélio I, em S. Cipriano, Epist. 48, 2: Hartel III, 2, p. 610.

110. Constitutiones Ecclesiae aegyptiacae, III, 2: ed. Funk, Didascalia, II, p. 103. Statuta Eccl. Ant. 31-41: Mansi 3, 954. 75 S. Policarpo, Ad Phil. 5, 2: ed. Funk, p. 300: Cristo é chamado «omnium diaconus factus». Cfr. Didachè, 15, 1: ib., p. 32; S. Inácio M., Trall. 2, 3: ib., p. 242. Constitutiones Apostolorum, 8, 28, 4: ed. Funk, Didascalia, I, p. 530.

111. S. Agostinho, Serm. 340, 1: PL 38, 1483.

112. Cfr. Pio XI, Encícl. Quadragesimo anno, 15 maio 1931: AAS 23 (1931) p. 221 s. Pio XII, Aloc. De quelle consolation, 14 out. 1951: AAS 43 (1951) p. 790 s.

113. Cfr. Pio XII, Aloc. Six ans se sont écoulés, 5 out. 1957: AAS 49 (1957) p. 927.

114. Cfr. Missale romanum, Prefácio da festa de Cristo Rei.

115. Cfr. Leão XIII, Carta Encícl. Immortale Dei, 1 nov. 1855: ASS 18 (1885), p. 166 ss. Idem, Encícl. Sapientia christianae, 10 jan. 1890: ASS 22 (1889-90) p. 397 ss. Pio XII, Aloc. Alla vostra filiale, 23 março 1958: AAS 50 (1958) p. 220: «la légittima sana laicità dello Stato».

116. Cfr. Cod. Iur. Can. can. 682.

117. Cfr. Pio XII, Aloc. De quelle consolation, I. c., p. 789: «Dans les batailles décisives, c'est parfois du front que partent les plus heureuses iniciativas...» Idem, Aloc. L'Importance de Ia presse catholique, 17 fev. 1950: AAS 42 (1950) p. 256.

118. Cfr. 1 Tess. 5,19 e 1 Io. 4,1.

119. Epist. ad Diognetum, 6: ed. Funk I, p. 400. Cfr. S. João Crisóstomo, In Matth. Hom. 46 (47),2: PG 58, 478, acerca do fermento na massa.

120. Missale Romanum, Gloria in excelsis. Cfr. Lc. 1,35; Mc, 1,24; Lc. 4,34; Io. 6,69 (ho hagios tou Theou); Act. 3,14; 4,27 e 30; Hebr. 7,26; 1 Io. 2,20: Apoc. 3,7.

121. Cfr. Orígenes, Comm Rom. 7, 7: PG 14, 1122 B. Ps. - Macário, De Oratione, 11: PG 34, 861 AB. S. Tomás, Summa Theol. II-II q. 184, a. 3.

122. Cfr. S. Agostinho, Retract. II, 18: PL 32, 637 s. Pio XII, Encícl. Mystici Corporis, 29 jun. 1943: AAS 35 (1943) p. 225.

123. Cfr. Pio XI, Encícl. Rerum omnium, 26 jan. 1923: AAS 15 (1923) p. 50 e pp. 59-60. Encicl. Casti Connubii, 31 dez. 1930: AAS 22 (1930) p. 548. Pio XII, Const. Apost. Provida Mater, 2 fev. 1947: AAS 39 (1947) p. 117. Aloc. Annus sacer, 8 dez. 1950: AAS 43 (1951) pp. 27-28. Aloc. Nel darvi, 1 jul. 1956: AAS 48 (1956) p. 574 s.

124. Cfr. S. Tomás, Summa Theol. II-II, q. 184, a. 5 e 6. De perf. vitae spir. c. 18; Orígenes, In Is. Hom. 6, 1: PG 13, 239.

125. Cfr. S. Inácio M., Magn. 13, 1: ed. Funk, I, p. 241.

126. Cfr. S. Pio X, Exort. Haerent animo, 4 ago. 1908: ASS 41 (1908) p. 560 s. Cod. Iur. Can., can. 124. Pio XI, Encicl. Ad catholici sacerdotii, 20 dez. 1935: AAS 28 (1936) p. 22 s.

127. Cfr. Pontificale romanum, De Ordinatione presbyterorum, na exortação inicial.

128. Cfr. S. Inácio M., Trall. 2, 3: ed. Funk, p. 244.

129. Cfr. Pio XII, Aloc. Sous Ia maternelle protection, 9 dez. 1957: AAS 50 (1958) p. 36.

130. Pio XI, Encicl. Casti Connubii, 31 dez. 1930: AAS 22 (1930) p. 548 s. S. João Crisóstomo, In Ephes. Hom. 20, 2: PG 62, 136 ss.

131. Cfr. S. Agostinho, Enchir. 121, 32: PL 40, 288. S. Tomás, Summa Theol.Menti nostrae, 23 set. 1950: AAS 42 (1950) p. 660. II-II, q. 184, a. 1. Pio XII, Exort. Apost.

132. Acerca dos conselhos em geral, cfr. Orígenes, Comm. Rom. X, 14: PG 14, 1275 B. S. Agostinho De S. Virginitate, 15, 15: PL 40, 403. S. Tomás, Summa Theol. I-II, q. 100, a. 2 C. (no fim); I-II, q. 44, a. 4, ad 3.

133. Acerca da superioridade da sagrada virgindade, cfr. Tertuliano, Exhort. Cast. 10: PL 2, 925 C. S. Cipriano, Hab. Virg. 3 e 22: PL 4, 433 B e 461 A s. S. Atanásio, De Virg.: PG 28, 252, ss. S. João Crisóstomo, De Virg.: PG 48, 533 ss.

134. Sobre a pobreza espiritual, cfr. Mt. 5,3 e 19-21; Mc. 10,21; Lc. 18,22; sobre a obediência, aduz o exemplo de Cristo Jo. 4,34 e 6,38; Fil. 2, 8-10; Hebr. 10, 5-7. Os Padres e fundadores de Ordens abundam em referências.

135. Acerca da prática efectiva dos conselhos, que não se impõe a todos, cfr. S. João Crisóstomo, In Matth. Hom. 7, 7: PG 57, 81 s. S. Ambrósio, De Viduis, 4, 23: PL 16, 241 s.

136. Cfr. Rosweydus, Vitae Patrum, Anvers, 1628, Apophtegmata Patrum: PG 65. Paladius, Historia Lausiaca: PG 34, 995 ss.: ed. Butler, Cambridge 1898 (1904). Pio XI, Const. Apost. Umbratilem, 8 jul. 1924: AAS 16 (1924) pp. 386-387. Pio XII, Aloc. Nous sommes heureux, 11 abr. 1958:. AAS 50 (1958) p. 283.

137. Cfr. Paulo VI, Aloc. Magno gaudio, 23 maio 1964: AAS 56 (1964), p. 566.

138. Cfr. Cod. Iur. Can., e. 487 e 488, 4.°; Pio XII, Aloc. Annus sacer, 8 dez. 1950: AAS 43 (1951) p. 27 s.; Pio XII, Const. Apost. Provida Mater, 2. fev. 1947: AAS 39 (1947) p. 120 ss.

139. Cfr. Paulo VI, 1. c., p. 567.

140. Cfr. S. Tomás, Summa Theol. II-II, q, 184, a. 3 e q. 188, a. 2. S. Boaventura, Opusc. XI, Apologia Pauperum, e. 3, 3: ed. Opera, Quaracchi, 1898, t. 8, p. 245 a.

141. Cfr. Cone. Vat. I, Esquema De Ecclesia Christi, cap. XV, e Adnot. 48: Mansi 51, 549 s. e 619 s. - Leão XIII, Carta Au milieu des consolations, 23 dez. 1900: ASS 33 (1900-01) p. 361. Pio XII, Const. Apost. Provida Mater, l. c., p. 114 s.

142. Cfr. Leão XIII, Const. Romanos Pontifices, 8 maio 1881: ASS 13 (1880-81) p. 483. Pio XII, Aloc. Annus sacer, 8 dez. 1950: AAS 43 (1951) p. 28 s.

143. Cfr. Pio XII, Aloc. Annus sacer, 1. c., p, 28. Pio XII, Const. Apost. Sedes Sapientiae, 31 maio 1956: AAS 48 (1956) p. 355. Paulo VI, Aloc. Magno gaudio, 23 maio 1964: AAS 56 (1964), p. 570-571.

144. Cfr. Pio XII, Encícl. Mystici Corporis, 29 jun. 1943: AAS 35 (1943) p. 214 s.

145. Cfr. Pio XII, Aloc. Annus sacer, 1. c., p. 30. Aloc. Sous Ia maternelle protection, 9 dez. 1957: AAS 50 (1958) p. 39 s.

146. Conc. Florentino, Decretum pro Graecis: Denz. 693 (1305).

147. Além de documentos mais antigos contra qualquer forma de evocação dos espíritos a partir de Alexandre IV (27 set. 1258), efr. Carta do Santo Oficio, De magnetismi abusu, 4 ago. 1856: ASS (1865) pp. 177-178; Denz. 1653-1654 (2823-2825); resposta do Santo Ofício, 24 abr. 1917: AAS 9 (1917) p. 268; Denz. 2182 (3642).

148. Veja-se a exposição sintética desta doutrina paulina em: Pio XII Encícl. Mystici Corporis: AAS 35 (1943) p. 200, etc., etc.

149. Cfr. S. Agostinho, Enar. in Ps. 85, 24: PL 37, 1099. S. Jerónimo, Liber contra Vigilantium, 6: PL 23, 344. S. Tomás, In 4m Sent., d. 45, q. 3, a. 2. S. Boaventura, In 4m Sent., d. 45, a. 3 q. 2; etc.

150. Cfr. Pio XII, Encícl. Mystici Corporis: AAS 35 (1943) p. 245.

151. Cfr. muitas inscrições nas catacumbas romanas.

152. Cfr. Gelásio I, Decretal De libris recipendis, 3: PL 59, 160, Denz. 165 (353).

153. Cfr. S. Método, Symposion, VII, 3: GCS (Bonwetsch), 74.

154. Cfr. Bento XV, Decretum approbationis virtutum in Causa beatificationis e canonizationis Servi Dei Ioannis Nepomuceni Neumann: AAS 14 (1922) p. 23; Várias alocuções de Pio XI sobre os Santos: Inviti All'eroismo, em Discorsi e Radiomessaggi t. I-III, Roma, 1941-1942, passim; Pio XII, Discorsi e Radiomessaggi, t. 10, 1949, pp. 37-43.

155. Cfr. Pio XII, Encícl. Mediator Dei: AAS 39 (1947) p. 581.

156. Cfr. Hebr. 13,7; Eccli. 44-50; Hebd. 11, 3-40. Cfr. também Pio XII, Encícl. Mediator Dei: AAS 39 (1947) pp. 582-583.

157. Cfr. Conc. Vaticino I, Const. De fide catholica, cap. 3: Denz. 1794 (3013).

158. Cfr. Pio XII, Encícl. Mystici Corporis: AAS 35 (1943) p. 216.

159. "Quanto à gratidão para com os próprios Santos, cfr. E. Diehl, Inscriptiones latinae christianae veteres, I, Berlim, 1925, nn. 2008, 2382, etc. etc.

160. Conc. Tridentino, Decr. De invocatione... Sanctorum: Denz. 984 (1821).

161. Breviarium Romanum, Invitatorium in festo Sanctorum Omnium.

162. Cfr. v. g. 2 Tess. 1,10.

163. Conc. Vaticano II, Const. De Sacra Liturgia, Sacrosanctum Concilium, cap. 5, n. 104: AAS 56 (1964) p. 125-126.

164. Cfr. Missale Romanum, cânon da missa.

165. Conc. Niceno II, Act. VII: Denz. 302 (600).

166. Conc. Florentino, Decretum pro Graecis: Denz. 693 (1304).

167. Conc. Tridentino, Decr. De invocatione, veneratione et reliquiis Sanctorum et sacris imaginibus: Denz. 983 (1820); Decretum de iustificatione, can. 30: Denz. 840 (1580).

168. Missale Romanum, Prefácio dos Santos concedido a algumas dioceses de França.

169. Cfr. S. Pedro Canisio, Catechismus Maior seu Summa Doctrinae christianae, cap. III (ed. crit. F. Streicher) parte I, pp. 15-16, n. 44 e pp. 100-101, n. 49.

170. Cfr. Conc. Vaticano II, Const. De Sacra Liturgia, Sacrosanctum Concilium, cap. 1, n. 8: AAS 56 (1964), p. 401.

171. Símbolo Constantinopolitano: Mansi 3, 566. Cfr. Conc. Efesino, 1b. 4, 1130 (íb. 2, 665 e 4, 1071); Conc. Calcedonense, ib. 7, 111-116; Conc. Constantinopolitano II, ib. 9, 375-396 Missale Romanum, Credo.

172. Missale Romanum, cânon.

173. S. Agostinho, De S. Virginitate, 6: PL 40, 399.

174.. Cfr. Paulo VI, Alocução no Concílio, no dia 4 dez. 1963: AAS 56 (1964) p. 37.

175. Cfr. S. Germano Const., Hom in Annunt. Deiparae: PG 98, 328 A; In Dorm. 2: col. 357.-Anastácio Antioq., Serm. 2 de Annunt., 2: PG 89, 1377 AB; Serm. 3, 2: col. 1388: C. - S. André Cret., Can. in B. V. Nat. 4: PG 97, 1321 B. In B. V. Nat., 1: col. 812 A. Hom. in dorm. 1: col. 1086 C. - S. Sofrónio, Or. 2 in Annunt., 18: PG' 87 (3), 3237 BD.

176. S. Ireneu, Adv. Haer. III, 22, 4: PG 7, 959 A; Harvey, 2, 123.

177. S. Ireneu, ib.; Harvey, 2, 124.

178. S. Epináfio, Haer. 78, 18: PG 42, 728 CD - 729 AB.

179. S. Jerónimo, Epist. 22, 21: PL, 22, 408. Cfr. S. Agostinho, Serm. 51, 2, 3: PL 38, 335; Serm. 232, 2: col. 1108. -S. Cirilo de Jerusalém, Catech. 12, 15: PG 33, 741 AB. - S. João Crisóstomo, In Ps. 44, 7: PG 55, 193. - S. João Damasceno, Hom. 2 in dorm. B. M. V., 3: PG 96, 728.

180. Cfr. Conc. Lateranense em 649, can. 3: Mansi 10, 1151. S. Leão M., Epist. ad. Flav.: PL 54, 759. - Conc. Calcedonense: Mansi 7, 462. - S. Ambrósio, De instit. virg.: PL 16, 320.

181. Cfr. Pio XII, Encícl. Mystici Corporis, 29 jun. 1943: AAS 35 (1943) pp. 247-248.

182. Cfr. Pio IX, Bula Ineffabilis, 8 dez. 1854: Acta Pii IX, 1, I. p. 616, Denz. 1641 (2803).

183. Cfr. Pio XII, Const. Apost. Munificentissimus, 1 nov. 1950: AAS 42 (1950); Denz. 2333 (3903). Cfr. S. João Damasceno, Enc. in dorm. Dei genetricis, Hom. 2 e 3: PG 96, 721-761, sobretudo col. 728 B. -S. Germano Constantinop., In S. Dei gen. dorm. Serm. 1: PG 98 (6) ; 340-348; Serm. 3: cola 361. -S. Modesto de Jerus. In dorm. SS. Deiparae: PG 86 (2), 3277-3312.

184. Cfr. Pio XII, Encicl. Ad coeli Reginam, 11 out. 1954: AAS 46 (1954), pp. 633-636; Denz. Denz. 3913 ss. S. André Cret., Hom. 3 in dorm. SS. Deiparae: PG 97, 1089-1109. -S. João Damasceno, De lide orth., IV, 14: PG 94, 1153-1161.

185. Cfr. Kleugten, texto reformado De mysterio Verbi incarnati, cap. IV: Mansi 53, 290. Cfr. S. André Cret., In nat. Mariae serm. 4: PG 97, 865 A. S. Germano de Constantin., In ann. Deiparae: PG 98, 321 BC; In dorm, Deiparae, III: col. 361 D.-S. João Damasceno, In dorm. B. V. Mariae, Hom. 1, 8: PG 96, 712 BC-713 A.

186. Cfr. Leão XIII, Encícl. Adiutricem populi, 5 set. 1895: ASS 15 (1896-96) p. 303. -S. Pio X Enciel. Ad diem illum, 2 fev. 1904: Acta, 1, p. 154; Denz. 1978 a (3370). - Piq XI, Encícl. Miserentissimus, 8 maio 1928: AAS 20 (1928) p. 178. Pio XII, Radiomensagem 13 maio 1946: AAS 38 (1946) p. 266.

187. S. Ambrósio, Epist. 63: PL 16, 1218.

188. S. Ambrósio, Expos. U. II, 7: PL 15, 1555.

189. Cfr. Ps. - Pedro Dam., Serm. 63: PL 144, 861 AB.-Godofredo de S. Victor. In nat. B. M., Ms. Paris, Mazarine, 1002, fol. 109 r. - Gerhohus Reich, De gloria et honore Filii hominis, 10: PL 194, 1105 AB.

190. S. Ambrósio, Expos. Lc. II, 7 e X, 24-25: PL 15, 1555 e 1810. S. Agostinho, In Io. Tr. 13, 12: PL 35, 1499. Cfr. Serm. 191, 2, 3: PL 38, 1010; etc. Cfr. também Ven. Beda, In Lc. Expos. I, cap. 2: PL 92, 330. - Isaac de Stella, Serm. 31: PL 194, 1863 A.

191. Cfr. Breviarium Romanum, anta «Sub tuum praesidium», das primeiras Vésperas do Oficio menor de Nossa Senhora.

192. Cfr. Conc. Niceno II, em 787: Mansi 13, 378-379: Denz. 302 (600-601) ; Conc. Trident., sess. 25: Mansi 33, 171-172.

193. Cfr. Pio XII, Radiomensagem, 24, out. 1954: AAS 46 (1954) p. 679. Encícl. Ad coeli Reginam, 11 out. 1954: AAS 46 (1954) p. 637.

194. Cfr. Pio XI, Encícl. Ecclesiam Dei, 12 nov. 1923: AAS 15 (1923) p. 581. - Pio XII, Encícl. Fulgens corona, 8 set. 1953: AAS 45 (1953) pp. 590-591.

++++++++++++++++++++++++


CONSTITUIÇÃO CONCILIAR
SACROSANCTUM CONCILIUM
SOBRE A SAGRADA LITURGIA

PROÉMIO

Fim do Concílio e sua relação com a reforma litúrgica

1. O sagrado Concílio propõe-se fomentar a vida cristã entre os fiéis, adaptar melhor às necessidades do nosso tempo as instituições susceptíveis de mudança, promover tudo o que pode ajudar à união de todos os crentes em Cristo, e fortalecer o que pode contribuir para chamar a todos ao seio da Igreja. Julga, por isso, dever também interessar-se de modo particular pela reforma e incremento da Liturgia.

2. A Liturgia, pela qual, especialmente no sacrifício eucarístico, «se opera o fruto da nossa Redenção» (1), contribui em sumo grau para que os fiéis exprimam na vida e manifestem aos outros o mistério de Cristo e a autêntica natureza da verdadeira Igreja, que é simultâneamente humana e divina, visível e dotada de elementos invisíveis, empenhada na acção e dada à contemplação, presente no mundo e, todavia, peregrina, mas de forma que o que nela é humano se deve ordenar e subordinar ao divino, o visível ao invisível, a acção à contemplação, e o presente à cidade futura que buscamos (2). A Liturgia, ao mesmo tempo que edifica os que estão na Igreja em templo santo no Senhor, em morada de Deus no Espírito (3), até à medida da idade da plenitude de Cristo (4), robustece de modo admirável as suas energias para pregar Cristo e mostra a Igreja aos que estão fora, como sinal erguido entre as nações (5), para reunir à sua sombra os filhos de Deus dispersos (6), até que haja um só rebanho e um só pastor (7).

Aplicação aos diversos ritos

3. Entende, portanto, o sagrado Concílio dever recordar os princípios e determinar as normas práticas que se seguem, acerca do incremento e da reforma da Liturgia.

Entre estes princípios e normas, alguns podem e devem aplicar-se não só ao rito romano mas a todos os outros ritos, muito embora as normas práticas que se seguem devam entender-se referidas só ao rito romano, a não ser que se trate de coisas que, por sua própria natureza, digam respeito também aos outros ritos.

4. O sagrado Concílio, guarda fiel da tradição, declara que a santa mãe Igreja considera iguais em direito e honra todos os ritos legitimamente reconhecidos, quer que se mantenham e sejam por todos os meios promovidos, e deseja que, onde for necessário, sejam prudente e integralmente revistos no espírito da sã tradição e lhes seja dado novo vigor, de acordo com as circunstâncias e as necessidades do nosso tempo.

CAPÍTULO I

PRINCÍPIOS GERAIS EM ORDEM
À REFORMA E INCREMENTO DA LITURGIA

I -NATUREZA DA SAGRADA LITURGIA E SUA IMPORTÂNCIA NA VIDA DA IGREJA

Jesus Cristo salvador do mundo

5. Deus, que «quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade» (I Tim. 2,4), «tendo falado outrora muitas vezes e de muitos modos aos nossos pais pelos profetas» (Hebr. 1,1), quando chegou a plenitude dos tempos, enviou o Seu Filho, Verbo feito carne, ungido pelo Espírito Santo, a evangelizar os pobres, curar os contritos de coração (8), como ,médico da carne e do espírito(9), mediador entre Deus e os homens (10). A sua humanidade foi, na unidade da pessoa do Verbo, o instrumento da nossa salvação. Por isso, em Cristo «se realizou plenamente a nossa reconciliação e se nos deu a plenitude do culto divino» (11).

Esta obra da redenção dos homens e da glorificação perfeita de Deus, prefigurada pelas suas grandes obras no povo da Antiga Aliança, realizou-a Cristo Senhor, principalmente pelo mistério pascal da sua bem-aventurada Paixão, Ressurreição dos mortos e gloriosa Ascensão, em que «morrendo destruiu a nossa morte e ressurgindo restaurou a nossa vida» (12). Foi do lado de Cristo adormecido na cruz que nasceu o sacramento admirável de toda a Igreja (13).

pelo sacrifício e pelos sacramentos

6. Assim como Cristo foi enviado pelo Pai, assim também Ele enviou os Apóstolos, cheios do Espírito Santo, não só para que, pregando o Evangelho a toda a criatura (14), anunciassem que o Filho de Deus, pela sua morte e ressurreição, nos libertara do poder de Satanás (15) e da morte e nos introduzira no Reino do Pai, mas também para que realizassem a obra de salvação que anunciavam, mediante o sacrifício e os sacramentos, à volta dos quais gira toda a vida litúrgica. Pelo Baptismo são os homens enxertados no mistério pascal de Cristo: mortos com Ele, sepultados com Ele, com Ele ressuscitados (16); recebem o espírito de adopção filial que «nos faz clamar: Abba, Pai» (Rom. 8,15), transformando-se assim nos verdadeiros adoradores que o Pai procura (17). E sempre que comem a Ceia do Senhor, anunciam igualmente a sua morte até Ele vir (18). Por isso foram baptizados no próprio dia de Pentecostes, em que a Igreja se manifestou ao mundo, os que receberam a palavra de Pedro. E «mantinham-se fiéis à doutrina dos Apóstolos, à participação na fracção do pão e nas orações... louvando a Deus e sendo bem vistos pelo povo» (Act. 2, 41-47). Desde então, nunca mais a Igreja deixou de se reunir em assembleia para celebrar o mistério pascal: lendo «o que se referia a Ele em todas as Escrituras» (Lc. 24,27), celebrando a Eucaristia, na qual «se torna presente o triunfo e a vitória da sua morte» (19), e dando graças «a Deus pelo Seu dom inefável (2 Cor. 9,15) em Cristo Jesus, «para louvor da sua glória» (Ef. 1,12), pela virtude do Espírito Santo.

presença de Cristo na Liturgia

7. Para realizar tão grande obra, Cristo está sempre presente na sua igreja, especialmente nas acções litúrgicas. Está presente no sacrifício da Missa, quer na pessoa do ministro - «O que se oferece agora pelo ministério sacerdotal é o mesmo que se ofereceu na Cruz» (20) -quer e sobretudo sob as espécies eucarísticas. Está presente com o seu dinamismo nos Sacramentos, de modo que, quando alguém baptiza, é o próprio Cristo que baptiza (21). Está presente na sua palavra, pois é Ele que fala ao ser lida na Igreja a Sagrada Escritura. Está presente, enfim, quando a Igreja reza e canta, Ele que prometeu: «Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles» (Mt. 18,20).

Em tão grande obra, que permite que Deus seja perfeitamente glorificado e que os homens se santifiquem, Cristo associa sempre a si a Igreja, sua esposa muito amada, a qual invoca o seu Senhor e por meio dele rende culto ao Eterno Pai.

Com razão se considera a Liturgia como o exercício da função sacerdotal de Cristo. Nela, os sinais sensíveis significam e, cada um à sua maneira, realizam a santificação dos homens; nela, o Corpo Místico de Jesus Cristo - cabeça e membros - presta a Deus o culto público integral.

Portanto, qualquer celebração litúrgica é, por ser obra de Cristo sacerdote e do seu Corpo que é a Igreja, acção sagrada par excelência, cuja eficácia, com o mesmo título e no mesmo grau, não é igualada por nenhuma outra acção da Igreja.

A Liturgia terrena, antecipação da Liturgia celeste

8. Pela Liturgia da terra participamos, saboreando-a já, na Liturgia celeste celebrada na cidade santa de Jerusalém, para a qual, como peregrinos nos dirigimos e onde Cristo está sentado à direita de Deus, ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo (22); por meio dela cantamos ao Senhor um hino de glória com toda a milícia do exército celestial, esperamos ter parte e comunhão com os Santos cuja memória veneramos, e aguardamos o Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo, até Ele aparecer como nossa vida e nós aparecermos com Ele na glória (23).

Lugar da Liturgia na vida da Igreja

9. A sagrada Liturgia não esgota toda a acção da Igreja, porque os homens, antes de poderem participar na Liturgia, precisam de ouvir o apelo à fé e à conversão: «Como hão-de invocar aquele em quem não creram? Ou como hão-de crer sem o terem ouvido? Como poderão ouvir se não houver quem pregue? E como se há-de pregar se não houver quem seja enviado?» (Rom. 10, 14-15).

É por este motivo que a Igreja anuncia a mensagem de salvação aos que ainda não têm fé, para que todos os homens venham a conhecer o único Deus verdadeiro e o Seu enviado, Jesus Cristo, e se convertam dos seus caminhos pela penitência (24). Aos que crêem, tem o dever de pregar constantemente a fé e a penitência, de dispó-los aos Sacramentos, de ensiná-los a guardar tudo o que Cristo mandou (25), de estimulá-los a tudo o que seja obra de caridade, de piedade e apostolado, onde os cristãos possam mostrar que são a luz do mundo, embora não sejam deste mundo, e que glorificam o Pai diante dos homens.

10. Contudo, a Liturgia é simultâneamente a meta para a qual se encaminha a acção da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força. Na verdade, o trabalho apostólico ordena-se a conseguir que todos os que se tornaram filhos de Deus pela fé e pelo Baptismo se reunam em assembleia para louvar a Deus no meio da Igreja, participem no Sacrifício e comam a Ceia do Senhor.

A Liturgia, por sua vez, impele os fiéis, saciados pelos «mistérios pascais», a viverem «unidos no amor» (26); pede «que sejam fiéis na vida a quanto receberam pela fé» (27); e pela renovação da aliança do Senhor com os homens na Eucaristia, e aquece os fiéis na caridade urgente de Cristo. Da Liturgia, pois, em especial da Eucaristia, corre sobre nós, como de sua fonte, a graça, e por meio dela conseguem os homens com total eficácia a santificação em Cristo e a glorificação de Deus, a que se ordenam, como a seu fim, todas as outras obras da Igreja.

A participação dos fiéis

11. Para assegurar esta eficácia plena, é necessário, porém, que os fiéis celebrem a Liturgia com rectidão de espírito, unam a sua mente às palavras que pronunciam, cooperem com a graça de Deus, não aconteça de a receberem em vão (28). Por conseguinte, devem os pastores de almas vigiar por que não só se observem, na acção litúrgica, as leis que regulam a celebração válida e lícita, mas também que os fiéis participem nela consciente, activa e frutuosamente.

Vida espiritual extra-litúrgica

12. A participação na sagrada Liturgia não esgota, todavia, a vida espiritual. O cristão, chamado a rezar em comum, deve entrar também no seu quarto para rezar a sós (29) ao Pai, segundo ensina o Apóstolo, deve rezar sem cessar (30). E o mesmo Apóstolo nos ensina a trazer sempre no nosso corpo os sofrimentos da morte de Jesus, para que a sua vida se revele na nossa carne mortal (31). É essa a razão por que no Sacrifício da Missa pedimos ao Senhor que, tendo aceite a oblação da vítima espiritual, faça de nós uma «oferta eterna» (32) a si consagrada.

13. São muito de recomendar os exercícios piedosos do povo cristão, desde que estejam em conformidade com as leis e as normas da Igreja, e especialmente quando se fazem por mandato da Sé Apostólica.

Gozam também de especial dignidade as práticas religiosas das Igrejas particulares, celebradas por mandato dos Bispos e segundo os costumes ou os livros legitimamente aprovados.

Importa, porém, ordenar essas práticas tendo em conta os tempos litúrgicos, de modo que se harmonizem com a sagrada Liturgia, de certo modo derivem dela, e a ela, que por sua natureza é muito superior, conduzam o povo.

II- EDUCAÇÃO LITÚRGICA E PARTICIPAÇÃO ACTIVA

Normas gerais

14. É desejo ardente na mãe Igreja que todos os fiéis cheguem àquela plena, consciente e activa participação nas celebrações litúrgicas que a própria natureza da Liturgia exige e que é, por força do Baptismo, um direito e um dever do povo cristão, «raça escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido» (1 Ped. 2,9; cfr. 2, 4-5).

Na reforma e incremento da sagrada Liturgia, deve dar-se a maior atenção a esta plena e activa participação de todo o povo porque ela é a primeira e necessária fonte onde os fiéis hão-de beber o espírito genuìnamente cristão. Esta é a razão que deve levar os pastores de almas a procurarem-na com o máximo empenho, através da devida educação.

Mas, porque não há qualquer esperança de que tal aconteça, se antes os pastores de almas se não imbuírem plenamente. do espírito e da virtude da Liturgia e não se fizerem mestres nela, é absolutamente necessário que se providencie em primeiro lugar à formação litúrgica do clero. Por tal razões este sagrado Concílio determinou quanto segue:

Formação dos professores de Liturgia

15. Os professores que se destinam a ensinar a sagrada Liturgia nos seminários, nas casas de estudos dos religiosos e nas faculdades de teologia, devem receber a formação conveniente em ordem ao seu múnus em institutos para isso especialmente destinados.

O ensino da Liturgia nos Seminários

16. A sagrada Liturgia deve ser tida, nos seminários e casas de estudo dos religiosos, como uma das disciplinas necessárias e mais importantes, nas faculdades de teologia como disciplina principal, e ensinar-se nos seus aspectos quer teológico e histórico, quer espiritual, pastoral e jurídico.

Mais: procurem os professores das outras disciplinas, sobretudo de teologia dogmática, Sagrada Escritura, teologia espiritual e pastoral, fazer ressaltar, a partir das exigências intrínsecas de cada disciplina, o mistério de Cristo e a história da salvação, para que se veja claramente a sua conexão com a Liturgia e a unidade da formação sacerdotal.

A formação litúrgica dos seminaristas, sacerdotes e fiéis

17. Nos seminários e casas religiosas, adquiram os clérigos uma formação litúrgica da vida espiritual, mediante uma conveniente iniciação que lhes permita penetrar no sentido dos ritos sagrados e participar perfeitamente neles, mediante a celebração dos sagrados mistérios, como também mediante outros exercícios de piedade penetrados do espírito da sagrada Liturgia. Aprendam também a observar as leis litúrgicas, de modo que nos seminários e institutos religiosos a vida seja totalmente impregnada de espírito litúrgico.

18. Ajudem-se os sacerdotes, quer seculares quer religiosos, que já trabalham na vinha do Senhor, por todos os meios oportunos, a penetrarem cada vez melhor o sentido do que fazem nas funções sagradas, a viverem a vida litúrgica, e a partilharem-na com os fiéis que lhes estão confiados.

19. Procurem os pastores de almas fomentar com persistência e zelo a educação litúrgica e a participação activa dos fiéis, tanto interna como externa, segundo a sua idade, condição, género de vida e grau de cultura religiosa, na convicção de que estão cumprindo um dos mais importantes múnus do dispensador fiel dos mistérios de Deus. Neste ponto guiem o rebanho não só com palavras mas também com o exemplo.

O uso dos meios de comunicação

20. Façam-se com discrição e dignidade, e sob a direcção de pessoa competente, para tal designada pelos Bispos, as transmissões radiofónicas ou televisivas das acções sagradas, especialmente da Missa.

III - REFORMA DA SAGRADA LITURGIA

Razão e sentido da reforma

21. A santa mãe Igreja, para permitir ao povo cristão um acesso mais seguro à abundância de graça que a Liturgia contém, deseja fazer uma acurada reforma geral da mesma Liturgia. Na verdade, a Liturgia compõe-se duma parte imutável, porque de instituição divina, e de partes susceptíveis de modificação, as quais podem e devem variar no decorrer do tempo, se porventura se tiverem introduzido nelas elementos que não correspondam tão bem à natureza íntima da Liturgia ou se tenham tornado menos apropriados.

Nesta reforma, proceda-se quanto aos textos e ritos, de tal modo que eles exprimam com mais clareza as coisas santas que significam, e, quanto possível, o povo cristão possa mais fàcilmente apreender-lhes o sentido e participar neles por meio de uma celebração plena, activa e comunitária.

Para tal fim, o sagrado Concílio estabeleceu estas normas gerais:

A. Normas gerais

A autoridade competente

22. § 1. Regular a sagrada Liturgia compete ùnicamente à autoridade da Igreja, a qual reside na Sé Apostólica e, segundo as normas do direito, no Bispo.

§ 2. Em virtude do poder concedido pelo direito, pertence também às competentes assembleias episcopais territoriais de vário género legitimamente constituídas regular, dentro dos limites estabelecidos, a Liturgia.

§ 3. Por isso, ninguém mais, mesmo que seja sacerdote, ouse, por sua iniciativa, acrescentar, suprimir ou mudar seja o que for em matéria litúrgica.

Trabalho prudente

23. Para conservar a sã tradição e abrir ao mesmo tempo o caminho a um progresso legítimo, faça-se uma acurada investigação teológica, histórica e pastoral acerca de cada uma das partes da Liturgia que devem ser revistas. Tenham-se ainda em consideração às leis gerais da estrutura e do espírito da Liturgia, a experiência adquirida nas recentes reformas litúrgicas e nos indultos aqui e além concedidos. Finalmente, não se introduzam inovações, a não ser que uma utilidade autêntica e certa da Igreja o exija, e com a preocupação de que as novas formas como que surjam a partir das já existentes.

Evitem-se também, na medida do possível, diferenças notáveis de ritos entre regiões confinantes.

O lugar da Sagrada Escritura

24. É enorme a importância da Sagrada Escritura na celebração da Liturgia. Porque é a ela que se vão buscar as leituras que se explicam na homilia e os salmos para cantar; com o seu espírito e da sua inspiração nasceram as preces, as orações e os hinos litúrgicos; dela tiram a sua capacidade de significação as acções e os sinais. Para promover a reforma, o progresso e adaptação da sagrada Liturgia, é necessário, por conseguinte, desenvolver aquele amor suave e vivo da Sagrada Escritura de que dá testemunho a venerável tradição dos ritos tanto orientais como ocidentais.

A revisão dos livros

25. Faça-se o mais depressa possível a revisão dos livros litúrgicos, utilizando o trabalho de pessoas competentes e consultando Bispos de diversos países do mundo.

B. Normas que derivam da natureza hierárquica e comunitária da Liturgia

A liturgia, acção da Igreja comunitária

26. As acções litúrgicas não são acções privadas, mas celebrações da Igreja, que é «sacramento de unidade», isto é, Povo santo reunido e ordenado sob a direcção dos Bispos (33).

Por isso, tais acções pertencem a todo o Corpo da Igreja, manifestam-no, atingindo, porém, cada um dos membros de modo diverso, segundo a variedade de estados, funções e participação actual.

27. Sempre que os ritos comportam, segundo a natureza particular de cada um, uma celebração comunitária, caracterizada pela presença e activa participação dos fiéis, inculque-se que esta deve preferir-se, na medida do possível, à celebração individual e como que privada.

Isto é válido sobretudo para a celebração da Missa e para a administração dos sacramentos, ressalvando-se sempre a natureza pública e social de toda a Missa.

28. Nas celebrações litúrgicas, limite-se cada um, ministro ou simples fiel, exercendo o seu ofício, a fazer tudo e só o que é de sua competência, segundo a natureza do rito e as leis litúrgicas.

Os ministros inferiores

29. Os que servem ao altar, os leitores, comentadores e elementos do grupo coral desempenham também um autêntico ministério litúrgico. Exerçam, pois, o seu múnus com piedade autêntica e do modo que convêm a tão grande ministério e que o Povo de Deus tem o direito de exigir.

É, pois, necessário imbuí-los de espírito litúrgico, cada um a seu modo, e formá-los para executarem perfeita e ordenadamente a parte que lhes compete.

A participação do povo

30. Para fomentar a participação activa, promovam-se as aclamações dos fiéis, as respostas, a salmodia, as antífonas, os cânticos, bem como as acções, gestos e atitudes corporais. Não deve deixar de observar-se, a seu tempo, um silêncio sagrado.

31. Na revisão dos livros litúrgicas, procure-se que as rubricas tenham em conta a parte que compete aos fiéis.

A não-acepção das pessoas

32. Na Liturgia, à excepção da distinção que deriva da função litúrgica e da sagrada Ordem e das honras devidas às autoridades civis segundo as leis litúrgicas, não deve fazer-se qualquer acepção de pessoas ou classes sociais, quer nas cerimónias, quer nas solenidades externas.

C. Normas que derivam da natureza didáctica e pastoral da Liturgia

O valor didático da Liturgia

33. Embora a sagrada Liturgia seja principalmente culto da majestade divina, é também abundante fonte de instrução para o povo fiel (34). Efectivamente, na Liturgia Deus fala ao Seu povo, e Cristo continua a anunciar o Evangelho. Por seu lado, o povo responde a Deus com o canto e a oração.

Mais: as orações dirigidas a Deus pelo sacerdote que preside, em representação de Cristo, à assembleia, são ditas em nome de todo o Povo santo e de todos os que estão presentes. Os próprios sinais visíveis que a sagrada Liturgia utiliza para simbolizar as realidades invisíveis foram escolhidos por Cristo ou pela Igreja.

Por isso, não é só quando se faz a leitura «do que foi escrito para nossa instrução» (Rom. 15,4), mas também quando a Igreja reza, canta ou age, que a fé dos presentes é alimentada e os espíritos se elevam a Deus, para se lhe submeterem de modo racional e receberem com mais abundância a sua graça.

Por isso, na reforma da Liturgia, observem-se as seguintes normas gerais:

Aplicação aos diversos ritos

34. Brilhem os ritos pela sua nobre simplicidade, sejam claros na brevidade e evitem repetições inúteis; devem adaptar-se à capacidade de compreensão dos fiéis, e não precisar, em geral, de muitas explicações.

A conexão entre a palavra e o rito

35. Para se poder ver claramente que na Liturgia o rito e a palavra estão ìntimamente unidos:

1) Seja mais abundante, variada e bem adaptada a leitura da Sagrada Escritura nas celebrações litúrgicas.

2) Indiquem as rubricas o momento mais apto para a pregação, que é parte da acção litúrgica, quando o rito a comporta. O ministério da palavra deve ser exercido com muita fidelidade e no modo devido. A pregação deve ir beber à Sagrada Escritura e à Liturgia, e ser como que o anúncio das maravilhas de Deus na história da salvação, ou seja, no mistério de Cristo, o qual está sempre presente e operante em nós, sobretudo nas celebrações litúrgicas.

3) Procure-se também inculcar por todos os modos uma catequese mais directamente litúrgica, e prevejam-se nos próprios ritos, quando necessário, breves admonições, feitas só nos momentos mais oportunos, pelo sacerdote ou outro ministro competente, com as palavras prescritas ou semelhantes.

4) Promova-se a celebração da Palavra de Deus nas vigílias das festas mais solenes, em alguns dias feriais do Advento e da Quaresma e nos domingos e dias de festa, especialmente onde não houver sacerdote; neste caso, será um diácono, ou outra pessoa delegada pelo Bispo, a dirigir a celebração.

A língua litúrgica: traduções

36. § 1. Deve conservar-se o uso do latim nos ritos latinos, salvo o direito particular.

§ 2. Dado, porém, que não raramente o uso da língua vulgar pode revestir-se de grande utilidade para o povo, quer na administração dos sacramentos, quer em outras partes da Liturgia, poderá conceder-se à língua vernácula lugar mais amplo, especialmente nas leituras e admonições, em algumas orações e cantos, segundo as normas estabelecidas para cada caso nos capítulos seguintes.

§ 3. Observando estas normas, pertence à competente autoridade eclesiástica territorial, a que se refere o artigo 22 § 2, consultados, se for o caso, os Bispos das regiões limítrofes da mesma língua, decidir acerca do uso e extensão da língua vernácula. Tais decisões deverão ser aprovadas ou confirmadas pela Sé Apostólica.

§ 4. A tradução do texto latino em língua vulgar para uso na Liturgia, deve ser aprovada pela autoridade eclesiástica territorial competente, acima mencionada.

D. Normas para a adaptação da Liturgia à índole e tradições dos povos

A adaptação da Igreja

37. Não é desejo da Igreja impor, nem mesmo na Liturgia, a não ser quando está em causa a fé e o bem de toda a comunidade, uma forma única e rígida, mas respeitar e procurar desenvolver as qualidades e dotes de espírito das várias raças e povos. A Igreja considera com benevolência tudo o que nos seus costumes não está indissolùvelmente ligado a superstições e erros, e, quando é possível, mantem-no inalterável, por vezes chega a aceitá-lo na Liturgia, se se harmoniza com o verdadeiro e autêntico espírito litúrgico.

Aplicação à Liturgia

38. Mantendo-se substancialmente a unidade do rito romano, dê-se possibilidade às legítimas diversidades e adaptações aos vários grupos étnicos, regiões e povos, sobretudo nas Missões, de se afirmarem, até na revisão dos livros litúrgicos; tenha-se isto oportunamente diante dos olhos ao estruturar os ritos e ao preparar as rubricas.

A autoridade competente

39. Será da atribuição da competente autoridade eclesiástica territorial, de que fala o art. 22 § 2, determinar as várias adaptações a fazer, especialmente no que se refere à administração dos sacramentos, aos sacramentais, às procissões, à língua litúrgica, à música sacra e às artes, dentro dos limites estabelecidos nas edições típicas dos livros litúrgicos e sempre segundo as normas fundamentais desta Constituição.

Casos especiais

40. Mas como em alguns lugares e circunstâncias é urgente fazer uma adaptação mais profunda da Liturgia, que é, por isso, mais difícil:

1) Deve a competente autoridade eclesiástica territorial, a que se refere o art. 22 § 2, considerar com muita prudência e atenção o que, neste aspecto, das tradições e génio de cada povo, poderá oportunamente ser aceite na Liturgia. Proponham-se à Sé Apostólica as adaptações julgadas úteis ou necessárias, para serem introduzidas com o seu consentimento.

2) Para se fazer a adaptação com a devida cautela, a Sé Apostólica poderá dar, se for necessário, à mesma autoridade eclesiástica territorial a faculdade de permitir e dirigir as experiências prévias que forem precisas, em alguns grupos que sejam aptos para isso e por um tempo determinado.

3) Como as leis litúrgicas criam em geral dificuldades especiais quanto à adaptação, sobretudo nas Missões, haja, para a sua elaboração, pessoas competentes na matéria de que se trata.

IV - PROMOÇÃO DA VIDA LITÚRGICA NA DIOCESE E NA PARÓQUIA

O Bispo, centro de unidade de vida na diocese

41. O Bispo deve ser considerado como o sumo-sacerdote do seu rebanho, de quem deriva e depende, de algum modo, a vida de seus fiéis em Cristo.

Por isso, todos devem dar a maior importância à vida litúrgica da diocese que gravita em redor do Bispo, sobretudo na igreja catedral, convencidos de que a principal manifestação da Igreja se faz numa participação perfeita e activa de todo o Povo santo de Deus na mesma celebração litúrgica, especialmente na mesma Eucaristia, numa única oração, ao redor do único altar a que preside o Bispo rodeado pelo presbitério e pelos ministros (35).

O pároco seu representante

42. Impossibilitado como está o Bispo de presidir pessoalmente sempre e em toda a diocese a todo o seu rebanho, vê-se na necessidade de reunir os fiéis em grupos vários, entre os quais têm lugar proeminente as paróquias, constituídas localmente sob a presidência dum pastor que faz as vezes do Bispo. As paróquias representam, de algum modo, a Igreja visível estabelecida em todo o mundo.

Por consequência, deve cultivar-se no espírito e no modo de agir dos fiéis e dos sacerdotes a vida litúrgica da paróquia e a sua relação com ó Bispo, e trabalhar para que floresça o sentido da comunidade paroquial, especialmente na celebração comunitária da missa dominical.

V - INCREMENTO DA ACÇÃO PASTORAL LITÚRGICA

Sinal providencial

43. O interesse pelo incremento e renovação da Liturgia é justamente considerado como um sinal dos desígnios providenciais de Deus sobre o nosso tempo, como uma passagem do Espírito Santo pela sua Igreja, e imprime uma nota distintiva à própria vida da Igreja, a todo o modo religioso de sentir e de agir do nosso tempo.

Em ordem a desenvolver cada vez mais na Igreja esta acção pastoral litúrgica, o sagrado Concílio determina:

Comissões de Liturgia, música e arte sacra

44. Convém que a autoridade eclesiástica territorial competente, a que se refere o art. 22 § 2, crie uma Comissão litúrgica, que deve servir-se da ajuda de especialistas em liturgia, música, arte sacra e pastoral. A Comissão deverá contar, se possível, com o auxílio dum Instituto de Liturgia Pastoral, de cujos membros não se excluirão leigos particularmente competentes, se for necessário. Será atribuição da dita Comissão dirigir, guiada pela autoridade eclesiástica territorial, a pastoral litúrgica no território da sua competência, promover os estudos e as experiências necessárias sempre que se trate de adaptações a propor à Santa Sé.

45. Crie-se igualmente em cada diocese a Comissão litúrgica, em ordem a promover, sob a direcção do Bispo, a pastoral litúrgica. Poderá suceder que seja oportuno que várias dioceses formem uma só Comissão para promover em conjunto o apostolado litúrgico.

46. Criem-se em cada diocese, se possível, além da Comissão litúrgica, Comissões de música sacra e de arte sacra.

É necessário que estas três Comissões trabalhem em conjunto, e não raro poderá ser oportuno que formem uma só Comissão.

CAPÍTULO II

O SAGRADO MISTÉRIO DA EUCARISTIA

Instituição e natureza

47. O nosso Salvador instituiu na última Ceia, na noite em que foi entregue, o Sacrifício eucarístico do seu Corpo e do seu Sangue para perpetuar pelo decorrer dos séculos, até Ele voltar, o Sacrifício da cruz, confiando à Igreja, sua esposa amada, o memorial da sua morte e ressurreição: sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade (36), banquete pascal em que se recebe Cristo, a alma se enche de graça e nos é concedido o penhor da glória futura (37).

A participação dos fiéis

48. É por isso que a Igreja procura, solícita e cuidadosa, que os cristãos não entrem neste mistério de fé como estranhos ou espectadores mudos, mas participem na acção sagrada, consciente, activa e piedosamente, por meio duma boa compreensão dos ritos e orações; sejam instruídos pela palavra de Deus; alimentem-se à mesa do Corpo do Senhor; dêem graças a Deus; aprendam a oferecer-se a si mesmos, ao oferecer juntamente com o sacerdote, que não só pelas mãos dele, a hóstia imaculada; que, dia após dia, por Cristo mediador (38), progridam na unidade com Deus e entre si, para que finalmente Deus seja tudo em todos.

Revisão dos textos com mais leituras bíblicas

49. Para que o Sacrifício da missa alcance plena eficácia pastoral, mesmo quanto ao seu rito, o sagrado Concílio, tendo em atenção as missas que se celebram com assistência do povo, sobretudo aos domingos e nas festas de preceito, determina o seguinte:

50. O Ordinário da missa deve ser revisto, de modo que se manifeste mais claramente a estrutura de cada uma das suas partes bem como a sua mútua conexão, para facilitar uma participação piedosa e activa dos fiéis. Que os ritos se simplifiquem, bem respeitados na sua estrutura essencial; sejam omitidos todos os que, com o andar do tempo, se duplicaram ou menos ùtilmente se acrescentaram; restaurem-se, porém, se parecer oportuno ou necessário e segundo a antiga tradição dos Santos Padres, alguns que desapareceram com o tempo.

51. Prepare-se para os fiéis, com maior abundância, a mesa da Palavra de Deus: abram-se mais largamente os tesouros da Bíblia, de modo que, dentro de um período de tempo estabelecido, sejam lidas ao povo as partes mais importantes da Sagrada Escritura.

Homilia e oração dos fiéis

52. A homilia, que é a exposição dos mistérios da fé e das normas da vida cristã no decurso do ano litúrgico e a partir do texto sagrado, é muito para recomendar, como parte da própria Liturgia; não deve omitir-se, sem motivo grave, nas missas dos domingos e festas de preceito, concorridas pelo povo.

53. Deve restaurar-se, especialmente nos domingos e festas de preceito, a «oração comum» ou «oração dos fiéis», recitada após o Evangelho e a homilia, para que, com a participação do povo, se façam preces pela santa Igreja, pelos que nos governam, por aqueles a quem a necessidade oprime, por todos os homens e pela salvação de todo o mundo (39).

Língua

54. A língua vernácula pode dar-se, nas missas celebradas com o povo, um lugar conveniente, sobretudo nas leituras e na «oração comum» e, segundo as diversas circunstâncias dos lugares, nas partes que pertencem ao povo, conforme o estabelecido no art. 36 desta Constituição.

Tomem-se providências para que os fiéis possam rezar ou cantar, mesmo em latim, as partes do Ordinário da missa que lhes competem.

Se algures parecer oportuno um uso mais amplo do vernáculo na missa, observe-se o que fica determinado no art. 40 desta Constituição.

Comunhão dos fiéis

55. Recomenda-se vivamente um modo mais perfeito de participação na missa, que consiste em que os fiéis, depois da comunhão do sacerdote, recebam do mesmo Sacrifício, o Corpo do Senhor.

A comunhão sob as duas espécies, firmes os princípios dogmáticos estabelecidos pelo Concílio de Trento (40), pode ser permitida, quer aos clérigos e religiosos, quer aos leigos, nos casos a determinar pela Santa Sé e ao arbítrio do Bispo, como seria o caso dos recém-ordenados na missa da ordenação, dos professos na missa da sua profissão religiosa, dos neófitos na missa pós-baptismal.

Unidade da liturgia da palavra e da liturgia eucarística

56. Estão tão intimamente ligadas entre si as duas partes de que se compõe, de algum modo, a missa - a liturgia da Palavra e a liturgia eucarística - que formam um só acto de culto. Por isso, o sagrado Concilio exorta com veemência os pastores de almas a instruirem bem os fiéis, na catequese, sobre o dever de ouvir a missa inteira, especialmente nos domingos e festas de preceito.

Concelebração e seu rito

57. § 1. A concelebração, que manifesta bem a unidade do sacerdócio, tem sido prática constante até ao dia de hoje, quer no Oriente quer no Ocidente. Por tal motivo, aprouve ao Concílio estender a faculdade de concelebrar aos seguintes casos:

1°. a) na quinta-feira da Ceia do Senhor, tanto na missa crismal como na missa vespertina;

b) nas missas dos Concílios, Conferências episcopais e Sínodos;

c) na missa da bênção dum Abade.

2°. Além disso, com licença do Ordinário, a quem compete julgar da oportunidade da concelebração:

a) na missa conventual e na missa principal das igrejas, sempre que a utilidade dos fiéis não exige a celebração individual de todos os sacerdotes presentes;

b) nas missas celebradas por ocasião de qualquer espécie de reuniões de sacerdotes, tanto seculares como religiosos.

§ 2. 1.° É da atribuição do Bispo regular a disciplina da concelebração na diocese.

2°. Ressalva-se, contudo, que se mantem sempre a faculdade de qualquer sacerdote celebrar individualmente, mas não simultâneamente na mesma igreja, nem na quinta-feira da Ceia do Senhor.

58. Deve compor-se o novo rito da concelebração a inserir no Pontifical e no Missal romano.

CAPÍTULO III

OS OUTROS SACRAMENTOS E OS SACRAMENTAIS

Natureza dos sacramentos

59. Os sacramentos estão ordenados à santificação dos homens, à edificação do Corpo de Cristo e, enfim, a prestar culto a Deus; como sinais, têm também a função de instruir. Não só supõem a fé, mas também a alimentam, fortificam e exprimem por meio de palavras e coisas, razão pela qual se chamam sacramentos da fé. Conferem a graça, a cuja frutuosa recepção a celebração dos mesmos òptimamente dispõe os fiéis, bem como a honrar a Deus do modo devido e a praticar a caridade.

Por este motivo, interessa muito que os fiéis compreendam facilmente os sinais sacramentais e recebam com a maior frequência possível os sacramentos que foram instituídos para alimentar a vida cristã.

Natureza dos sacramentais

60. A santa mãe Igreja instituiu também os sacramentais. Estes são, à imitação dos sacramentos, sinais sagrados que significam realidades, sobretudo de ordem espiritual, e se obtêm pela oração da Igreja. Por meio deles dispõem-se os homens para a recepção do principal efeito dos sacramentos e santificam-se as várias circunstâncias da vida.

61. Portanto, a liturgia dos sacramentos e sacramentais faz com que a graça divina, que deriva do Mistério pascal da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, onde vão buscar a sua eficácia todos os sacramentos e sacramentais, santifique todos os passos da vida dos fiéis que os recebem com a devida disposição. A ela se deve também que não deixe de poder ser orientado para a santificação dos homens e para o louvor de Deus o bom uso das coisas materiais.

Necessidade de revisão

62. Tendo-se introduzido, com o decorrer do tempo, no ritual dos sacramentos e sacramentais, elementos que tornam hoje menos claros a sua natureza e fim, e devendo por isso fazer-se algumas adaptações às necessidades do nosso tempo, o sagrado Concílio decretou o seguinte em ordem à sua revisão.

A língua

63. Pode ser frequentemente muito útil para o povo o uso do vernáculo na administração dos sacramentos e sacramentais. Dê-se-lhe, por isso, maior importância segundo estas normas:

a) Na administração dós sacramentos e sacramentais pode usar-se o vernáculo, segundo o estatuído no art. 36;

b) A competente autoridade eclesiástica territorial, a que se refere o art. 22 § 2." desta Constituição, prepare o mais depressa possível, com base na nova edição do Ritual romano, os Rituais particulares, adaptados às necessidades de cada uma das regiões, mesmo quanto à língua. Procure-se que sejam postos em vigor nas respectivas regiões depois de aprovados pela Sé Apostólica. Na composição destes Rituais ou especiais «Colecções de ritos» não devem omitir-se as instruções que o Ritual romano coloca no início de cada rito, quer sejam de carácter pastoral, quer digam respeito às rubricas, quer tenham especial importância comunitária.

Restauração do catecumenado

64. Restaure-se o catecumenado dos adultos, com vários graus, a praticar segundo o critério do Ordinário do lugar, de modo que se possa dar a conveniente instrução a que se destina o catecumenado e santificar este tempo por meio de ritos sagrados que se hão-de celebrar em ocasiões sucessivas.

65. Seja lícito admitir nas terras de Missão, ao lado dos elementos próprios da tradição cristã, os elementos de iniciação usados por cada um desses povos, na medida em que puderem integrar-se no rito cristão, segundo os art.s 37-40 desta Constituição.

Rito do Baptismo de adultos

66. Revejam-se tanto o rito simples do Baptismo de adultos, como o mais solene, tendo em conta a restauração do catecumenado, e insira-se no Missal romano a missa própria «para a administração do Baptismo».

Rito do Baptismo de crianças

67. Reveja-se o rito do Baptismo de crianças e adapte-se à sua real condição. Dê-se maior realce, no rito, à parte e aos deveres dos pais e padrinhos.

Adaptações do rito do Baptismo

68. Prevejam-se adaptações no rito do Baptismo, a usar, segundo o critério do Ordinário do lugar; para quando houver grande número de neófitos. Componha-se também um «Rito mais breve» que os catequistas, sobretudo em terras de Missão, e em perigo de morte qualquer fiel, possam utilizar na ausência de um sacerdote ou diácono.

Rito para suprir as cerimónias omitidas no Baptismo

69. Em vez do «Rito para suprir as cerimónias omitidas sobre uma criança já baptizada», componha-se um novo em que se exprima de modo mais claro e conveniente que uma criança, baptizada com o rito breve, já foi recebida na Igreja.

Prepare-se também um novo rito que exprima que são acolhidos na comunhão da Igreja os vàlidamente baptizados que se converteram à Religião católica.

Bênção da água baptismal

Fora do tempo pascal, pode benzer-se a água baptismal no próprio rito do baptismo e com uma fórmula especial mais breve.

Rito da Confirmação

71. Para fazer ressaltar a íntima união do sacramento da Confirmação com toda a iniciação cristã, reveja-se o rito deste sacramento; pela mesma razão, é muito conveniente, antes de o receber, fazer a renovação das promessas do Baptismo.

A Confirmação, se parecer oportuno, pode ser conferida durante a missa; prepare-se, entretanto. em ordem à celebração do rito fora da missa, uma fórmula que lhe possa servir de introdução.

Rito da Penitência

72. Revejam-se o rito e as fórmulas da Penitência de modo que exprimam com mais clareza a natureza e o efeito do sacramento.

A Unção dos enfermos

73. A «Extrema-Unção», que também pode, e melhor, ser chamada «Unção dos enfermos», não é sacramento só dos que estão no fim da vida. É já certamente tempo oportuno para a receber quando o fiel começa, por doença ou por velhice, a estar em perigo de morte.

74. Além dos ritos distintos da Unção dos enfermos e do Viático, componha-se um «Rito contínuo» em que a Unção se administre ao doente depois da confissão e antes da recepção do Viático.

75. O número das unções deve regular-se segundo a oportunidade. Revejam-se as orações do rito da Unção dos enfermos, de modo que correspondam às diversas condições dos que recebem este sacramento.

Revisão dos ritos da Ordem

76. Faça-se a revisão do texto e das cerimónias do rito das Ordenações. As alocuções do Bispo, no início da ordenação ou sagração, podem ser em vernáculo.

Na sagração episcopal, todos os Bispos presentes podem fazer a imposição das mãos.

Rito do Matrimónio

77. A fim de indicar mais claramente a graça do sacramento e inculcar os deveres dos cônjuges, reveja-se e enriqueça-se o rito do Matrimónio que vem no Ritual romano.

«É desejo veemente do sagrado Concílio que as regiões, onde na celebração do Matrimónio se usam outras louváveis tradições e cerimónias, as conservem» (41).

Concede-se à competente autoridade eclesiástica territorial, a que se refere o art. 22 § 2 desta Constituição, a faculdade de preparar um rito próprio de acordo com o uso dos vários lugares e povos, devendo, porém, o sacerdote que assiste pedir e receber o consentimento dos nubentes.

78. Celebre-se usualmente o Matrimónio dentro da missa, depois da leitura do Evangelho e da homilia e antes da «Oração dos fiéis». A oração pela esposa, devidamente corrigida a fim de inculcar que o dever de fidelidade é mútuo, pode dizer-se em vernáculo.

Se o Matrimónio não for celebrado dentro da missa, leiam-se no começo do rito a epístola e o evangelho da «Missa dos esposos» e nunca se deixe de dar a bênção nupcial.

Revisão dos Sacramentais

79. Faça-se uma revisão dos sacramentos, tendo presente o princípio fundamental de uma participação consciente, activa e fácil dos fiéis, bem como as necessidades do nosso tempo. Podem acrescentar-se nos Rituais, a rever segundo o disposto no art. 63, novos sacramentais conforme as necessidades o pedirem.

Limitem-se a um pequeno número, e só em favor dos Bispos ou Ordinários, as bênçãos reservadas.

Providencie-se de modo que alguns sacramentais, pelo menos em circunstâncias especiais e a juízo do Ordinário, possam ser administrados por leigos dotados das qualidades requeridas.

Rito da consagração das Virgens

80. Reveja-se o rito da consagração das Virgens, que vem no Pontifical romano.

Componha-se também um rito de profissão religiosa e de renovação de votos, a utilizar, salvo direito particular, por aqueles que fazem a profissão ou renovam os votos dentro da Missa, o qual contribua para maior unidade, sobriedade e dignidade. Será louvável fazer a profissão religiosa dentro da Missa.

Rito das exéquias

81. As exéquias devem exprimir melhor o sentido pascal da morte cristã. Adapte-se mais o rito às condições e tradições das várias regiões, mesmo na cor litúrgica.

82. Faça-se a revisão do rito de sepultura das crianças e dê-se-lhe missa própria.

CAPÍTULO IV

O OFÍCIO DIVINO

Sua natureza: oração da Igreja em nome de Cristo

83. Jesus Cristo, sumo sacerdote da nova e eterna Aliança, ao assumir a natureza humana, trouxe a este exílio da terra aquele hino que se canta por toda a eternidade na celeste mansão. Ele une a si toda a humanidade e associa-a a este cântico divino de louvor.

Continua esse múnus sacerdotal por intermédio da sua Igreja, que louva o Senhor sem cessar e intercede pela salvação de todo o mundo, não só com a celebração da Eucaristia, mas de vários outros modos, especialmente pela recitação do Ofício divino.

84. O Ofício divino, segundo a antiga tradição cristã, destina-se a consagrar, pelo louvor a Deus, o curso diurno e nocturno do tempo. E quando são os sacerdotes a cantar esse admirável cântico de louvor, ou outros para tal deputados pela Igreja, ou os fiéis quando rezam juntamente com o sacerdote segundo as formas aprovadas, então é verdadeiramente a voz da Esposa que fala com o Esposo ou, melhor, a oração que Cristo, unido ao seu Corpo, eleva ao Pai.

85. Todos os que rezam assim, cumprem, por um lado, a obrigação própria da Igreja, e, por outro, participam na imensa honra da Esposa de Cristo, porque estão em nome da Igreja diante do trono de Deus, a louvar o Senhor.

Valor pastoral

86. Os sacerdotes, dedicados ao sagrado ministério pastoral, recitarão com tanto mais fervor o Ofício divino, quanto mais conscientes estiverem de que devem seguir a exortação de S. Paulo: «Rezai sem cessar» (1 Tess. 5,17). É que só o Senhor pode dar eficácia e fazer progredir a obra em que trabalham, Ele que disse: «Sem mim, nada podeis fazer» (Jo. 15, 5). Razão tiveram os Apóstolos para dizer, quando instituiram os diáconos: «Nós atenderemos com assiduidade à oração e ao ministério da palavra» (Act. 6, 4).

Normas para a reforma

87. Para permitir nas circunstâncias actuais, quer aos sacerdotes, quer a outros membros da Igreja, uma melhor e mais perfeita recitação do Ofício divino, pareceu bem ao sagrado Concílio, continuando a restauração felizmente iniciada pela Santa Sé, estabelecer o seguinte sobre o Ofício do rito romano.

88. Sendo o objectivo do Ofício a santificação do dia, deve rever-se a sua estrutura tradicional, de modo que, na medida do possível, se façam corresponder as «horas» ao seu respectivo tempo, tendo presentes também as condições da vida hodierna em que se encontram sobretudo os que se dedicam a obras do apostolado.

89. Por isso, na reforma do Ofício, observem-se as seguintes normas:

a) As Laudes, oração da manhã, e as Vésperas, oração da noite, tidas como os dois polos do Ofício quotidiano pela tradição venerável da Igreja universal, devem considerar-se as principais Horas e como tais celebrar-se;

b) As Completas devem adaptar-se, para condizer com o fim do dia;

c) As Matinas, continuando embora, quando recitadas em coro, com a índole de louvor nocturno, devem adaptar-se para ser recitadas a qualquer hora do dia; tenham menos salmos e lições mais extensas;

d) Suprima-se a Hora de Prima;

e) Mantenham-se na recitação em coro as Horas menores de Tércia, Sexta e Noa. Fora da recitação coral, pode escolher-se uma das três, a que mais se coadune com a hora do dia.

90. Sendo ainda o Ofício divino, como oração pública da Igreja, fonte de piedade e alimento da oração pessoal, exortam-se no Senhor os sacerdotes, e todos os outros que participam no Ofício divino, a que, ao recitarem-no, o espírito corresponda às palavras; para melhor o conseguirem, procurem adquirir maior instrução litúrgica e bíblica, especialmente quanto aos salmos. Tenha-se como objectivo, ao fazer a reforma desse tesouro venerável e secular que é o Ofício romano, que mais larga e fàcilmente o possam usufruir todos aqueles a quem é confiado.

91. Para poder observar-se realmente o curso das Horas, proposta no artigo 89, distribuam-se os salmos, não já por uma semana, mas por mais longo espaço de tempo.

Conclua-se o mais depressa possível a obra, felizmente iniciada, da revisão do Saltério, procurando respeitar a língua latina cristã, o seu uso litúrgico mesmo no canto, e toda a tradição da Igreja latina.

92. Quanto às leituras, sigam-se estas normas:

a) Ordenem-se as leituras da Sagrada Escritura de modo que se permita mais fácil e amplo acesso aos tesouros da palavra de Deus;

b) Faça-se melhor selecção das leituras a extrair das obras dos Santos Padres, Doutores e Escritores eclesiásticos;

c) As «Paixões» ou vidas dos Santos sejam restituídas à verdade histórica.

93. Restaurem-se os hinos, segundo convenha, na sua forma original, tirando ou mudando tudo o que tenha ressaibos mitológicos ou for menos conforme com a piedade cristã. Se convier, admitam-se também outros que se encontram nas colecções hinológicas.

Recitação coral ou privada

94. Importa, quer para santificar verdadeiramente o dia, quer para recitar as Horas com fruto espiritual, que ao rezá-las se observe o tempo que mais se aproxima do verdadeiro tempo de cada um das Horas canónicas.

95. As Comunidades com obrigação de coro têm o dever de celebrar, além da Missa conventual, diàriamente e em coro, o Ofício divino, ou seja;

a) O Ofício completo: as Ordens de Cónegos, de Monges e Monjas e de outros Regulares que por direito ou constituições estão obrigados ao coro;

b) As partes do Ofício que lhes são. impostas pelo direito comum ou particular: os Cabidos das catedrais ou das colegiadas;

c) Todos os membros dessas Comunidades que já receberam Ordens maiores ou fizeram profissão solene, à excepção dos conversos, devem recitar sòzinhos as Horas canónicas que não recitam no coro.

96. Os clérigos não obrigados ao coro, se já receberam Ordens maiores, são obrigados a recitar diàriamente, ou em comum ou individualmente, todo o Ofício, segundo o prescrito no art. 89.

97. As novas rubricas estabelecerão as comutações, que parecerem oportunas, do Ofício divino por outro acto litúrgico. Podem os Ordinários, em casos particulares e por causa justa, dispensar os seus súbditos da obrigação de recitar o Ofício no todo ou em parte, ou comutá-lo.

98. Os membros dos Institutos de perfeição, que, por força das constituições, recitam algumas partes do Ofício divino, participam na oração pública da Igreja.

Tomam parte igualmente na oração pública da Igreja se recitam, segundo as constituições, algum «Ofício breve», desde que seja composto à imitação do Ofício divino e devidamente aprovado.

99. Sendo o Ofício divino a voz da Igreja, isto é, de todo o Corpo místico a louvar a Deus pùblicamente, aconselha-se aos clérigos não obrigados ao coro, e sobretudo aos sacerdotes que convivem ou se retinem, que rezem em comum ao menos alguma parte do Ofício divino.

Todos, pois, os que recitam o Ofício quer em coro quer em comum, esforcem-se por desempenhar do modo mais perfeito possível o múnus que lhes está confiado, tanto na disposição interior do espírito como na compostura exterior. Além disso, é bem que se cante o Ofício divino, tanto em coro como em comum, segundo a oportunidade.

100. Cuidem os pastores de almas que nos domingos e festas mais solenes se celebrem em comum na igreja as Horas principais, especialmente Vésperas. Recomenda-se também aos leigos que recitem o Ofício divino, quer juntamente com os sacerdotes, quer uns com os outros, ou mesmo particularmente.

Língua

101. § 1. Conforme à tradição secular do rito latino, a língua a usar no Ofício divino é o latim. O Ordinário poderá, contudo, conceder, em casos particulares, aos clérigos para quem o uso da língua latina for um impedimento grave para devidamente recitarem o Ofício, a faculdade de usarem uma tradução em vernáculo, composta segundo a norma do art. 36.

§ 2. O Superior competente pode conceder às Monjas, como também aos membros dos Institutos de perfeição, não clérigos ou mulheres, o uso do vernáculo no Ofício divino, mesmo na celebração coral, desde que a versão seja aprovada.

§ 3. Cumprem a sua obrigação de rezar o Ofício divino os clérigos que o recitem em vernáculo com a assembleia dos fiéis ou com aqueles a que se refere o § 2, desde que a tradução seja aprovada.

CAPÍTULO V

O ANO LITÚRGICO

Sua natureza: o ciclo do tempo

102. A santa mãe Igreja considera seu dever celebrar, em determinados dias do ano, a memória sagrada da obra de salvação do seu divino Esposo. Em cada semana, no dia a que chamou domingo, celebra a da Ressurreição do Senhor, como a celebra também uma vez no ano na Páscoa, a maior das solenidades, unida à memória da sua Paixão.

Distribui todo o mistério de Cristo pelo correr do ano, da Incarnação e Nascimento à Ascensão, ao Pentecostes, à expectativa da feliz esperança e da vinda do Senhor.

Com esta recordação dos mistérios da Redenção, a Igreja oferece aos fiéis as riquezas das obras e merecimentos do seu Senhor, a ponto de os tornar como que presentes a todo o tempo, para que os fiéis, em contacto com eles, se encham de graça.

as festas da Virgem e dos Santos

103. Na celebração deste ciclo anual dos mistérios de Cristo, a santa Igreja venera com especial amor, porque indissolùvelmente unida à obra de salvação do seu Filho, a Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, em quem vê e exalta o mais excelso fruto da Redenção, em quem contempla, qual imagem puríssima, o que ela, toda ela, com alegria deseja e espera ser..

104. A Igreja inseriu também no ciclo anual a memória dos Mártires e outros Santos, os quais, tendo pela graça multiforme de Deus atingido a perfeição e alcançado a salvação eterna, cantam hoje a Deus no céu o louvor perfeito e intercedem por nós. Ao celebrar o «dies natalis» (dia da morte) dos Santos, proclama o mistério pascal realizado na paixão e glorificação deles com Cristo, propõe aos fiéis os seus exemplos, que conduzem os homens ao Pai por Cristo, e implora pelos seus méritos as bênçãos de Deus.

exercícios de piedade

105. Em várias épocas do ano e seguindo o uso tradicional, a Igreja completa a formação dos fiéis servindo-se de piedosas práticas corporais e espirituais, da instrução, da oração e das obras de penitência e misericórdia.

Por isso, aprouve ao sagrado Concílio determinar o seguinte:

Domingo e festas do Senhor

106. Por tradição apostólica, que nasceu do próprio dia da Ressurreição de Cristo, a Igreja celebra o mistério pascal todos os oito dias, no dia que bem se denomina dia do Senhor ou domingo. Neste dia devem os fiéis reunir-se para participarem na Eucaristia e ouvirem a palavra de Deus, e assim recordarem a Paixão, Ressurreição e glória do Senhor Jesus e darem graças a Deus que os »regenerou para uma esperança viva pela Ressurreição de Jesus Cristo de entre os mortos» (1 Pedr. 1,3). O domingo é, pois, o principal dia de festa a propor e inculcar no espírito dos fiéis; seja também o dia da alegria e do repouso. Não deve ser sacrificado a outras celebrações que não sejam de máxima importância, porque o domingo é o fundamento e o centro de todo o

107. Reveja-se o ano litúrgico de tal modo que, conservando-se ou reintegrando-se os costumes tradicionais dos tempos litúrgicos, segundo o permitirem as circunstâncias de hoje, mantenha o seu carácter original para, com a celebração dos mistérios da Redenção cristã, sobretudo do mistério pascal, alimentar devidamente a piedade dos fiéis. Sé acaso forem necessárias adaptações aos vários lugares, façam-se segundo os art. 39 e 40.

108. Oriente-se o espírito dos fiéis em primeiro lugar para as festas do Senhor, as quais celebram durante o ano os mistérios da salvação e, para que o ciclo destes mistérios possa ser celebrado no modo devido e na sua totalidade, dê-se ao Próprio do Tempo o lugar que lhe convém, de preferência sobre as festas dos Santos.

A Quaresma

109. Ponham-se em maior realce, tanto na Liturgia como na catequese litúrgica, os dois aspectos característicos do tempo quaresmal, que pretende, sobretudo através da recordação ou preparação do Baptismo e pela Penitência, preparar os fiéis, que devem ouvir com mais frequência a Palavra de Deus e dar-se à oração com mais insistência, para a celebração do mistério pascal. Por isso:

a) utilizem-se com mais abundância os elementos baptismais próprios da liturgia quaresmal e retomem-se, se parecer oportuno, elementos da antiga tradição;

b) o mesmo se diga dos elementos penitenciais. Quanto à catequese, inculque-se nos espíritos, de par com as consequências sociais do pecado, a natureza própria da penitência, que é detestação do pecado por ser ofensa de Deus; nem se deve esquecer a parte da Igreja na prática penitenciai, nem deixar de recomendar a oração pelos pecadores.

110. A penitência quaresmal deve ser também externa e social, que não só interna e individual. Estimule-se a prática da penitência, adaptada ao nosso tempo, às possibilidades das diversas regiões e à condição de cada um dos fiéis. Recomendem-na as autoridades a que se refere o art. 22.

Mantenha-se religiosamente o jejum pascal, que se deve observar em toda a parte na Sexta-feira da Paixão e Morte do Senhor e, se oportuno, estender-se também ao Sábado santo, para que os fiéis possam chegar à alegria da Ressurreição do Senhor com elevação e largueza de espírito.

As festas dos santos

111. A Igreja, segundo a tradição, venera os Santos e as suas relíquias autênticas, bem como as suas imagens. É que as festas dos Santos proclamam as grandes obras de Cristo nos seus servos e oferecem aos fiéis os bons exemplos a imitar.

Para que as festas dos Santos não prevaleçam sobre as festas que recordam os mistérios da salvação, muitas delas ficarão a ser celebradas só por uma igreja particular ou nação ou família religiosa, estendendo-se apenas a toda a Igreja as que festejam Santos de inegável importância universal.

CAPÍTULO VI

A MÚSICA SACRA

Importância para a Liturgia

112. A tradição musical da Igreja é um tesouro de inestimável valor, que excede todas as outras expressões de arte, sobretudo porque o canto sagrado, intimamente unido com o texto, constitui parte necessária ou integrante da Liturgia solene.

Não cessam de a enaltecer, quer a Sagrada Escritura (42), quer os Santos Padres e os Romanos Pontífices, que ainda recentemente, a começar em S. Pio X, vincaram com mais insistência a função ministerial da música sacra no culto divino.

A música sacra será, por isso, tanto mais santa quanto mais intimamente unida estiver à acção litúrgica, quer como expressão delicada da oração, quer como factor de comunhão, quer como elemento de maior solenidade nas funções sagradas. A Igreja aprova e aceita no culto divino todas as formas autênticas de arte, desde que dotadas das qualidades requeridas.

O sagrado Concílio, fiel às normas e determinações da tradição e disciplina da Igreja, e não perdendo de vista o fim da música sacra, que é a glória de Deus e a santificação dos fiéis, estabelece o seguinte:

113. A acção litúrgica reveste-se de maior nobreza quando é celebrada de modo solene com canto, com a presença dos ministros sagrados e a participação activa do povo.

Observe-se, quanto à língua a usar, o art. 36; quanto à Missa, o art. 54; quanto aos sacramentos, o art. 63; e quanto ao Ofício divino, o art. 101.

Promoção da música sacra

114. Guarde-se e desenvolva-se com diligência o património da música sacra. Promovam-se com empenho, sobretudo nas igrejas catedrais, as «Scholae cantorum». Procurem os Bispos e demais pastores de almas que os fiéis participem activamente nas funções sagradas que se celebram com canto, na medida que lhes compete e segundo os art. 28 e 30.

115. Dê-se grande importância nos Seminários, Noviciados e casas de estudo de religiosos de ambos os sexos, bem como noutros institutos e escolas católicas, à formação e prática musical. Para o conseguir, procure-se preparar também e com muito cuidado os professores que terão a missão de ensinar a música sacra.

Recomenda-se a fundação, segundo as circunstâncias, de Institutos Superiores de música sacra.

Os compositores e os cantores, principalmente as crianças, devem receber também uma verdadeira educação litúrgica.

116. A Igreja reconhece como canto próprio da liturgia romana o canto gregoriano; terá este, por isso, na acção litúrgica, em igualdade de circunstâncias, o primeiro lugar.

Não se excluem todos os outros géneros de música sacra, mormente a polifonia, na celebração dos Ofícios divinos, desde que estejam em harmonia com o espírito da acção litúrgica, segundo o estatuído no art. 30.

117. Procure terminar-se a edição típica dos livros de canto gregoriano; prepare-se uma edição mais crítica dos livros já editados depois da reforma de S. Pio X.

Convirá preparar uma edição com melodias mais simples para uso das igrejas menores.

118. Promova-se muito o canto popular religioso, para que os fiéis possam cantar tanto nos exercícios piedosos e sagrados como nas próprias acções litúrgicas, segundo o que as rubricas determinam.

Adaptação às diferentes culturas

119. Em certas regiões, sobretudo nas Missões, há povos com tradição musical própria, a qual tem excepcional importância na sua vida religiosa e social. Estime-se como se deve e dê-se-lhe o lugar que lhe compete, tanto na educação do sentido religioso desses povos como na adaptação do culto à sua índole, segundo os art. 39 e 40. Por isso, procure-se cuidadosamente que, na sua formação musical, os missionários fiquem aptos, na medida do possível, a promover a música tradicional desses povos nas escolas e nas acções sagradas.

Instrumentos músicos sagrados

120. Tenha-se em grande apreço na Igreja latina o órgão de tubos, instrumento musical tradicional e cujo som é capaz de dar às cerimónias do culto um esplendor extraordinário e elevar poderosamente o espírito para Deus.

Podem utilizar-se no culto divino outros instrumentos, segundo o parecer e com o consentimento da autoridade territorial competente, conforme o estabelecido nos art. 22 § 2, 37 e 40, contanto que esses instrumentos estejam adaptados ou sejam adaptáveis ao uso sacro, não desdigam da dignidade do templo e favoreçam realmente a edificação dos fiéis.

Normas para os compositores

121. Os compositores possuídos do espírito cristão compreendam que são chamados a cultivar a música sacra e a aumentar-lhe o património.

Que as suas composições se apresentem com as características da verdadeira música sacra, possam ser cantadas não só pelos grandes coros, mas se adaptem também aos pequenos e favoreçam uma activa participação de toda a assembleia dos fiéis.

Os textos destinados ao canto sacro devem estar de acordo com a doutrina católica e inspirar-se sobretudo na Sagrada Escritura e nas fontes litúrgicas.

CAPÍTULO VII

A ARTE SACRA E AS ALFAIAS LITÚRGICAS

A arte sacra e seus estilos

122. Entre as mais nobres actividades do espírito humano estão, de pleno direito, as belas artes, e muito especialmente a arte religiosa e o seu mais alto cimo, que é a arte sacra. Elas tendem, por natureza, a exprimir de algum modo, nas obras saídas das mãos do homem, a infinita beleza de Deus, e estarão mais orientadas para o louvor e glória de Deus se não tiverem outro fim senão o de conduzir piamente e o mais eficazmente possível, através das suas obras, o espírito do homem até Deus.

É esta a razão por que a santa mãe Igreja amou sempre as belas artes, formou artistas e nunca deixou de procurar o contributo delas, procurando que os objectos atinentes ao culto fossem dignos, decorosos e belos, verdadeiros sinais e símbolos do sobrenatural. A Igreja julgou-se sempre no direito de ser como que o seu árbitro, escolhendo entre as obras dos artistas as que estavam de acordo com a fé, a piedade e as orientações veneráveis da tradição e que melhor pudessem servir ao culto.

A Igreja preocupou-se com muita solicitude em que as alfaias sagradas contribuissem para a dignidade e beleza do culto, aceitando no decorrer do tempo, na matéria, na forma e na ornamentação, as mudanças que o progresso técnico foi introduzindo.

Pareceu bem aos Padres determinar, a este propósito, o que segue:

123. A Igreja. nunca considerou um estilo como próprio seu, mas aceitou os estilos de todas as épocas, segundo a índole e condição dos povos e as exigências dos vários ritos, criando deste modo no decorrer dos séculos um tesouro artístico que deve ser conservado cuidadosamente. Seja também cultivada livremente 'na Igreja a arte do nosso tempo, a arte de todos os povos e regiões, desde que sirva com a devida reverência e a devida honra às exigências dos edifícios e ritos sagrados. Assim poderá ela unir a sua voz ao admirável cântico de glória que grandes homens elevaram à fé católica em séculos passados.

124. Ao promoverem uma autêntica arte sacra, prefiram os Ordinários à mera sumptuosidade uma beleza que seja nobre. Aplique-se isto mesmo às vestes e ornamentos sagrados.

Tenham os Bispos todo o cuidado em retirar da casa de Deus e de outros lugares sagrados aquelas obras de arte que não se coadunam com a fé e os costumes e com a piedade cristã, ofendem o genuíno sentido religioso, quer pela depravação da forma, que pela insuficiência, mediocridade ou falsidade da expressão artística.

Na construção de edifícios sagrados, tenha-se grande preocupação de que sejam aptos para lá se realizarem as acções litúrgicas e permitam a participação activa dos fiéis.

O culto das imagens

125. Mantenha-se o uso de expor imagens nas igrejas à veneração ds fiéis. Sejam, no entanto, em número comedido e na ordem devida, para não causar estranheza aos fiéis nem contemporizar com uma devoção menos ortodoxa.

Comissão diocesana da arte

126. Para emitir um juízo sobre as obras de arte, oiçam os Ordinários de lugar o parecer da Comissão de arte sacra e de outras pessoas particularmente competentes, se for o caso, assim como também das Comissões a que se referem os art. 44, 45, 46.

Os Ordinários vigiarão com todo o cuidado para que não se percam nem se alienem as alfaias sagradas e obras preciosas, que embelezam a casa de Deus.

Promoção da arte e formação dos artistas

127. Cuidem os Bispos de, por si ou por sacerdotes idóneos e que conheçam e amem a arte, imbuir os artistas do espírito da arte sacra e da sagrada Liturgia.

Recomenda-se também, para formar os artistas, a criação de Escolas ou Academias de arte sacra, onde parecer oportuno.

Recordem-se constantemente os artistas que desejam, levados pela sua inspiração, servir a glória de Deus na santa Igreja, de que a sua actividade é, de algum modo, uma sagrada imitação de Deus criador e de que as suas obras se destinam ao culto católico, à edificação, piedade e instrução religiosa dos fiéis.

128. Revejam-se o mais depressa possível, juntamente com os livros litúrgicos, conforme dispõe o art. 25, os cânones e determinações eclesiásticas atinentes ao conjunto das coisas externas que se referem ao culto, sobretudo quanto a uma construção funcional e digna dos edifícios sagrados, erecção e forma dos altares, nobreza, disposição e segurança dos sacrários, dignidade e funcionalidade do baptistério, conveniente disposição das imagens, decoração e ornamentos. Corrijam-se ou desapareçam as normas que parecem menos de acordo com a reforma da Liturgia; mantenham-se e introduzam-se as que forem julgadas aptas a promovê-la.

Neste particular e especialmente quanto à matéria e forma dos objectos e das vestes sagradas, o sagrado Concílio concede às Conferências episcopais das várias regiões a faculdade de fazer a adaptação às necessidades e costumes dos lugares, segundo o art. 22 desta Constituição.

129. Para poderem estimar e conservar os preciosos monumentos da Igreja e para estarem aptos a orientar como convém os artistas na realização das suas obras, devem os clérigos, durante o curso filosófico e teológico, estudar a história e evolução da arte sacra, bem como os sãos princípios em que deve fundar-se.

Uso das insígnias pontifícias

130. É conveniente que o uso das insígnias pontificais seja reservado às pessoas eclesiásticas que possuem a dignidade episcopal ou gozam de especial jurisdição.


Apêndice

DECLARAÇÃO DO CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II
SOBRE A REFORMA DO CALENDÁRIO

Apêndice: Declaração sobre a revisão do Calendário

O sagrado Concílio Ecuménico Vaticano II, tendo na devida conta o desejo expresso por muitos para dar à festa da Páscoa um domingo certo e adoptar um calendário fixo, depois de ter ponderado maduramente as consequências que poderão resultar da introdução do novo calendário, declara o seguinte:

1. O sagrado Concílio não tem nada a opor à fixação da festa da Páscoa num domingo certo do calendário gregoriano, se obtiver o assentimento daqueles a quem interessa, especialmente dos irmãos separados da comunhão com a Sé Apostólica.

2. Igualmente declara não se opor às iniciativas para introduzir um calendário perpétuo na sociedade civil.

Contudo, entre os vários sistemas em estudo para fixar um calendário perpétuo e introduzi-lo na sociedade civil, a Igreja só não se opõe àqueles que conservem a semana de sete dias e com o respectivo domingo. A Igreja deseja também manter intacta a sucessão hebdomadária, sem inserção de dias fora da semana, a não ser que surjam razões gravíssimas sobre as quais deverá pronunciar-se a Sé Apostólica.

Roma, 4 de Dezembro de 1963.

PAPA PAULO VI


Notas

1. IX Dom. d. Pentec., oração sobre as oblatas.

2. Cfr. Hebr. 13,14.

3. Cfr. Ef. 2, 21-22.

4. Cfr. Ef. 4,13.

5. Cfr. Is. 11,12.

6. Cfr. Jo. 11,52.

7. Cfr. Jo. 10,16.

8. Cfr. Is. 61,1; Lc. 4,18.

9. S. Inácio de Antioquia aos Efésios, 7, 8: F. X. Funk, Patres Apostolici, I, Tubinga, 1901, p. 218.

10. Cfr. I Tim. 2,5.

11. Sacramentário de Verona (Leoniano): ed. C. Mohlberg, Roma, 1956, n.° 1265, p. 162.

12. Missal Romano, Prefácio pascal.

13. Cfr. S. Agostinho, Enarr. in Ps. CXXXVIII, 2: Corpus Christianorum XL, Tournai, 1956, p. 1991; e a oração depois da segunda leitura de Sábado Santo antes da reforma da Semana Santa, no Missal Romano.

14. Cfr. Mc. 16,15

15. Cfr. Act. 26,18

16. Cfr. Rom. 6,4; Ef. 2,6; Col. 3,1; 2 Tim. 2,11.

17. Cfr. Jo. 4,23.

18. Cfr. 1 Cor. 11,26.

19. Conc. Trento, Sess. XIII, 11 Out. 1551, Decr. De ss. Eucharist., ci 5: Concilium Tridentinum, Diariorum, Actorum, Epistolarum, Tractatuum nova collectio, ed. Soc. Goerresiana, t. VII. Actas: Parte IV, Friburgo da Brisgóvia, 1961, p. 202.

20. Conc. Trento, Sess. XXII, 17 Set. 1562, Dout. De ss. Missae sacrif., c. 2: Concilium Tridentinum, ed. cit., t. VIII, Actas: Parte V, Friburgo da Brisgóvia, 1919, p. 960.

21. Cfr. S. Agostinho, In Joannis Evangelium Tractatus VI, c. I, n.° 7: PL 35, 1428.

22. Cfr. Apoc. 21,2; Col. 3,1; Heb. 8,2.

23. Cfr. Fil. 3,20; Col. 3,4,

24. Cfr. Jo. 17,3; Lc. 24,47; Act. 2,38.

25. Cfr. Mt. 28,20.

26. Oração depois da comunhão na Vigília Pascal e no Domingo da Ressurreição.

27. Oração da missa de terça-feira da Oitava de Páscoa.

28. Cfr. 2 Cor. 6,1.

29 Cfr. Mt. 6,6.

30. Cfr. 1 Tess. 5,17.

31. Cfr. 2 Cor. 4, 10-11.

32. Missal Romano, 2ª feira da Oitava de Pentecostes, oração sobre as oblatas.

33. S. Cipriano, De Cath. Eccl. unitate, 7: ed. G. Hartel, em CSEL, t. III, 1, Viena 1868, pp. 215-216. Cfr. Ep. 66, n.° 8, 3: ed. cit., t. III„ 2, Viena 1871, pp. 732-733.

34. Cfr. Conc. Trento, Sess. XXII, 17 Setembro 1562, Doctr. de ss. missae sacrif., c. 8: Concilium Trident. ed. cit., t. VIII, p. 961.

35. Cfr. S. Inácio de Antioquia, Ad Magn. 7; Ad Philad. 4; Ad Smyrn. 8: ed. cit. F. X. Funk, I, pp 336, 266, 281.

36. Cfr. S. Agostinho. In Joannis Evang. tractatus XXVI, cap. VI, n.° 13: PL 35, 1613.

37. Breviário Romano, na festa do Corpo de Deus: Antífona do Magnificat em 2ªs Vésperas.

38. Cfr. S. Cirilo de Alexandria, Commentarium in Joannis Evangelium, livro XI, cap. XI-XII: PG 74, 557-565.

39. Cfr. 1 Tim. 2, 1-2.

40. Sessão XXI, Doctrina de Communione sub utraque specie et parvulorum, e. 1-3, cân. 1-3: Concilium Trident. ed. cit., t. VIII, pp. 698-699.

41. Conc. Trento, Sessão XXIV, 11 Novembro 1563, Decr. De reformatione, c. I: Concilium Trident. ed. cit., t. IX. Actas: parte VI, Friburgo Br. 1924., p. 969. Cfr. Ritual Romano, tit.8, c. II, n° 6.

42. Cfr. Ef. 5,19; Col. 3,16.

++++++++++++++++++++++++


CONSTITUIÇÃO PASTORAL
GAUDIUM ET SPES
SOBRE A IGREJA NO MUNDO ACTUAL

PROÉMIO(1)

Íntima união da Igreja com toda a família humana

1. As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração. Porque a sua comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação para a comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao género humano e à sua história.

A quem se dirige o Concílio: todos os homens

2. Por isso, o Concílio Vaticano II, tendo investigado mais profundamente o mistério da Igreja, não hesita agora em dirigir a sua palavra, não já apenas aos filhos da Igreja e a quantos invocam o nome de Cristo, mas a todos os homens. Deseja expor-lhes o seu modo de conceber a presença e actividade da Igreja no mundo de hoje.

Tem, portanto, diante dos olhos o mundo dos homens, ou seja a inteira família humana, com todas as realidades no meio das quais vive; esse mundo que é teatro da história da humanidade, marcado pelo seu engenho, pelas suas derrotas e vitórias; mundo, que os cristãos acreditam ser criado e conservado pelo amor do Criador; caído, sem dúvida, sob a escravidão do pecado, mas libertado pela cruz e ressurreição de Cristo, vencedor do poder do maligno; mundo, finalmente, destinado, segundo o desígnio de Deus, a ser transformado e alcançar a própria realização.

Para iluminar a problemática humana e salvar o homem

3. Nos nossos dias, a humanidade, cheia de admiração ante as próprias descobertas e poder, debate, porém, muitas vezes, com angústia, as questões relativas à evolução actual do mundo, ao lugar e missão do homem no universo, ao significado do seu esforço individual e colectivo, enfim, ao último destino das criaturas e do homem.

Por isso, o Concílio, testemunhando e expondo a fé do Povo de Deus por Cristo congregado, não pode manifestar mais eloquentemente a sua solidariedade, respeito e amor para com a inteira família humana, na qual está inserido, do que estabelecendo com ela diálogo sobre esses vários problemas, aportando a luz do Evangelho e pondo à disposição do género humano as energias salvadoras que a Igreja, conduzida pelo Espírito Santo, recebe do seu Fundador. Trata-se, com efeito, de salvar a pessoa do homem e de restaurar a sociedade humana. Por isso, o homem será o fulcro de toda a nossa exposição: o homem na sua unidade e integridade: corpo e alma, coração e consciência, inteligência e vontade.

Eis a razão por que este sagrado Concílio, proclamando a sublime vocação do homem, e afirmando que nele está depositado um germe divino, oferece ao género humano a sincera cooperação da Igreja, a fim de instaurar a fraternidade universal que a esta vocação corresponde. Nenhuma ambição terrena move a Igreja, mas ùnicamente este objectivo: continuar, sob a direcção do Espírito Consolador, a obra de Cristo que veio ao mundo para dar testemunho da verdade (2), para salvar e não para julgar, para servir e não para ser servido (3).

INTRODUÇÃO

A CONDIÇÃO DO HOMEM NO MUNDO ACTUAL

Esperanças e temores

4. Para levar a cabo esta missão, é dever da Igreja investigar a todo o momento os sinais dos tempos, e interpretá-los à luz do Evangelho; para que assim possa responder, de modo adaptado em cada geração, às eternas perguntas dos homens acerca do sentido da vida presente e da futura, e da relação entre ambas. É, por isso, necessário conhecer e compreender o mundo em que vivemos, as suas esperanças e aspirações, e o seu carácter tantas vezes dramático. Algumas das principais características do mundo actual podem delinear-se do seguinte modo.

A humanidade vive hoje uma fase nova da sua história, na qual profundas e rápidas transformações se estendem progressivamente a toda a terra. Provocadas pela inteligência e actividade criadora do homem, elas reincidem sobre o mesmo homem, sobre os seus juízos e desejos individuais e colectivos, sobre os seus modos de pensar e agir, tanto em relação às coisas como às pessoas. De tal modo que podemos já falar duma verdadeira transformação social e cultural, que se reflecte também na vida religiosa.

Como acontece em qualquer crise de crescimento, esta transformação traz consigo não pequenas dificuldades. Assim, o homem, que tão imensamente alarga o próprio poder, nem sempre é capaz de o pôr ao seu serviço. Ao procurar penetrar mais fundo no interior de si mesmo, aparece frequentemente mais incerto a seu próprio respeito. E, descobrindo gradualmente com maior clareza as leis da vida social, hesita quanto à direcção que a esta deve imprimir.

Nunca o género humano teve ao seu dispor tão grande abundância de riquezas, possibilidades e poderio económico; e, no entanto, uma imensa parte dos habitantes da terra é atormentada pela fome e pela miséria, e inúmeros são ainda os analfabetos. Nunca os homens tiveram um tão vivo sentido da liberdade como hoje, em que surgem novas formas de servidão social e psicológica. Ao mesmo tempo que o mundo experimenta intensamente a própria unidade e a interdependência mútua dos seus membros na solidariedade necessária, ei-lo gravemente dilacerado por forças antagónicas; persistem ainda, com efeito, agudos conflitos políticos, sociais, económicos, «raciais» e ideológicos, nem está eliminado o perigo duma guerra que tudo subverta. Aumenta o intercâmbio das ideias; mas as próprias palavras com que se exprimem conceitos da maior importância assumem sentidos muito diferentes segundo as diversas ideologias. Finalmente, procura-se com todo o empenho uma ordem temporal mais perfeita, mas sem que a acompanhe um progresso espiritual proporcionado.

Marcados por circunstâncias tão complexas, muitos dos nossos contemporâneos são incapazes de discernir os valores verdadeiramente permanentes e de os harmonizar com os novamente descobertos. Daí que, agitados entre a esperança e a angústia, sentem-se oprimidos pela inquietação, quando se interrogam acerca da evolução actual dos acontecimentos. Mas esta desafia o homem, força-o até a uma resposta.

Evolução e domínio da técnica e da ciência

5. A actual perturbação dos espíritos e a mudança das condições de vida, estão ligadas a uma transformação mais ampla, a qual tende a dar o predomínio, na formação do espírito, às ciências matemáticas e naturais, e, no plano da acção, às técnicas, fruto dessas ciências. Esta mentalidade científica modela a cultura e os modos de pensar duma maneira diferente do que no passado. A técnica progrediu tanto que transforma a face da terra e tenta já dominar o espaço.

Também sobre o tempo estende a inteligência humana o seu domínio: quanto ao passado, graças ao conhecimento histórico; relativamente ao futuro, com a prospectiva e a planificação. Os progressos das ciências biológicas, psicológicas e sociais não só ajudam o homem a conhecer-se melhor, mas ainda lhe permitem exercer, por meios técnicos, uma influência directa na vida das sociedades. Ao mesmo tempo, a humanidade preocupa-se cada vez mais com prever e ordenar o seu aumento demográfico.

O próprio movimento da história torna-se tão rápido, que os indivíduos dificilmente o podem seguir. O destino da comunidade humana torna-se um só, e não já dividido entre histórias independentes. A humanidade passa, assim, duma concepção predominantemente estática da ordem das coisas para um outra, preferentemente dinâmica e evolutiva; daqui nasce uma nova e imensa problemática, a qual está a exigir novas análises e novas sínteses.

Mudanças na ordem social

6. Pelo mesmo facto, verificam-se cada dia maiores transformações nas comunidades locais tradicionais, como são famílias patriarcais, as clãs, as tribos, aldeias e outros diferentes grupos, e nas relações da convivência social.

Difunde-se progressivamente a sociedade de tipo industrial, levando algumas nações à opulência económica e transformando radicalmente as concepções e as condições de vida social vigentes desde há séculos. Aumentam também a preferência e a busca da vida urbana, quer pelo aumento das cidades e do número de seus habitantes, quer pela difusão do género de vida urbana entre os camponeses.

Novos e mais perfeitos meios de comunicação social permitem o conhecimento dos acontecimentos e a rápida e vasta difusão dos modos de pensar e de sentir; o que, por sua vez, dá origem a. numerosas repercussões.

Nem se deve minimizar o facto de muitos homens, levados por diversos motivos a emigrar, mudarem com isso o próprio modo de viver.

Multiplicam-se assim sem cessar as relações do homem com os seus semelhantes, ao mesmo tempo que a própria socialização introduz novas ligações, sem no entanto favorecer em todos os casos uma conveniente maturação das pessoas e relações verdadeiramente pessoais («personalização»).

É verdade que tal evolução aparece mais claramente nas nações que beneficiam já das vantagens do progresso económico e técnico, mas nota-se também entre os povos ainda em vias de desenvolvimento, que desejam alcançar para os seus países os benefícios da industrialização e da urbanização. Esses povos, sobretudo os que estão ligados a tradições mais antigas, sentem ao mesmo tempo a exigência dum exercício cada vez mais pessoal da liberdade.

Transformações psicológicas, morais e religiosas

7. A transformação de mentalidade e de estruturas põe muitas vezes em questão os valores admitidos, sobretudo no caso dos jovens. Tornam-se frequentemente impacientes e mesmo, com a inquietação, rebeldes; conscientes da própria importância na vida social, aspiram a participar nela o mais depressa possível. Por este motivo, os pais e educadores encontram não raro crescentes dificuldades no desempenho da sua missão.

Por sua vez, as instituições, as leis e a maneira de pensar e de sentir herdadas do passado nem sempre parecem adaptadas à situação actual; e daqui provém uma grave perturbação no comportamento e até nas próprias normas de acção.

Por fim, as novas circunstâncias afectam a própria vida religiosa. Por um lado, um sentido crítico mais apurado purifica-a duma concepção mágica do mundo e de certas sobrevivências supersticiosas, e exige cada dia mais a adesão a uma fé pessoal e operante; desta maneira, muitos chegam a um mais vivo sentido de Deus. Mas, por outro lado, grandes massas afastam-se pràticamente da religião. Ao contrário do que sucedia em tempos passados, negar Deus ou a religião, ou prescindir deles já não é um facto individual e insólito: hoje, com efeito, isso é muitas vezes apresentado como exigência do progresso científico ou dum novo tipo de humanismo. Em muitas regiões, tudo isto não é apenas afirmado no meio filosófico, mas invade em larga escala a literatura, a arte, a interpretação das ciências do homem e da história e até as próprias leis civis; o que provoca a desorientação de muitos.

Desequilíbrios pessoais familiares e sociais

8. Uma tão rápida evolução, muitas vezes processada desordenadamente e, sobretudo, a consciência mais aguda das desigualdades existentes no mundo, geram ou aumentam contradições e desequilíbrios.

Ao nível da própria pessoa, origina-se com frequência um desequilíbrio entre o saber prático moderno e o pensar teórico, que não consegue dominar o conjunto dos seus conhecimentos nem ordená-los em sínteses satisfatórias. Surge também desequilíbrio entre a preocupação da eficiência prática e as exigências da consciência moral; outras vezes, as condições colectivas da existência e as exigências do pensamento pessoal e até da contemplação. Gera-se, finalmente, o desequilíbrio entre a especialização da actividade humana e a visão global da realidade.

No seio da família, originam-se tensões, quer devido à pressão das condições demográficas, económicas e sociais, quer pelas dificuldades que surgem entre as diferentes gerações, quer pelo novo tipo de relações sociais entre homens e mulheres.

Grandes discrepâncias surgem entre as raças e os diversos grupos sociais; entre as nações ricas, as menos prósperas e as pobres; finalmente, entre as instituições internacionais, nascidas do desejo de paz que os povos têm, e a ambição de propagar a própria ideologia ou os egoísmos colectivos existentes nas nações e em outros grupos.

Daqui nascem desconfianças e inimizades mútuas, conflitos e desgraças, das quais o homem é simultâneamente causa e vítima.

Aspirações mais universais do género humano

9. Entretanto, vai crescendo a convicção de que o género humano não só pode e deve aumentar cada vez mais o seu domínio sobre as coisas criadas, mas também lhe compete estabelecer uma ordem política, social e económica, que o sirva cada vez melhor e ajude indivíduos e grupos a afirmarem e desenvolverem a própria dignidade.

Daqui vem a insistência com que muitos reivindicam aqueles bens de que, com uma consciência muito viva, se julgam privados por injustiça ou por desigual distribuição. As nações em vias de desenvolvimento, e as de recente independência desejam participar dos bens da civilização, não só no campo político mas também no económico, e aspiram a desempenhar livre. mente o seu papel no plano mundial; e, no entanto, aumenta cada dia mais a sua distância, e muitas vezes, simultâneamente, a sua dependência mesmo económica com relação às outras nações mais ricas e de mais rápido progresso. Os povos oprimidos pela fome interpelam os povos mais ricos. As mulheres reivindicam, onde ainda a não alcançaram, a paridade de direito e de facto com os homens. Os operários e os camponeses querem não apenas ganhar o necessário para viver, mas desenvolver, graças ao trabalho, as próprias qualidades; mais ainda, querem participar na organização da vida económica, social, política e cultural. Pela primeira vez na história dos homens, todos os povos têm já a convicção de que os bens da cultura podem e devem estender-se efectivamente a todos.

Subjacente a todas estas exigências, esconde-se, porém, uma aspiração mais profunda e universal: as pessoas e os grupos anelam por uma vida plena e livre, digna do homem, pondo ao próprio serviço tudo quanto o mundo de hoje lhes pode proporcionar em tanta abundância. E as nações fazem esforços cada dia maiores por chegar a uma certa comunidade universal.

O mundo actual apresenta-se, assim, simultâneamente poderoso e débil, capaz do melhor e do pior, tendo patente diante de si o caminho da liberdade ou da servidão, do progresso ou da regressão, da fraternidade ou do ódio. E o homem torna-se consciente de que a ele compete dirigir as forças que suscitou, e que tanto o podem esmagar como servir. Por isso se interroga a si mesmo.

Jesus Cristo, resposta e solução da problemática humana

10. Na verdade, os desequilíbrios de que sofre o mundo actual estão ligados com aquele desequilíbrio fundamental que se radica no coração do homem. Porque no íntimo do próprio homem muitos elementos se com batem. Enquanto, por uma parte, ele se experimenta, como criatura que é, mùltiplamente limitado, por outra sente-se ilimitado nos seus desejos, e chamado a uma vida superior. Atraído por muitas solicitações, vê-se obrigado a escolher entre elas e a renunciar a algumas. Mais ainda, fraco e pecador, faz muitas vezes aquilo que não quer e não realiza o que desejaria fazer (4). Sofre assim em si mesmo a divisão, da qual tantas e tão grandes discórdias se originam para a sociedade. Muitos, sem dúvida, que levam uma vida impregnada de materialismo prático, não podem ter uma clara percepção desta situação dramática; ou, oprimidos pela miséria, não lhe podem prestar atenção. Outros pensam encontrar a paz nas diversas interpretações da realidade que lhes são propostas. Alguns só do esforço humano esperam a verdadeira e plena libertação do género humano, e estão convencidos que o futuro império do homem sobre a terra satisfará todas as aspirações do seu coração. E não faltam os que, desesperando de poder encontrar um sentido para a vida, louvam a coragem daqueles que, julgando a existência humana vazia de qualquer significado, se esforçam por lhe conferir, por si mesmos, todo o seu valor. Todavia, perante a evolução actual do mundo, cada dia são mais numerosos os que põem ou sentem com nova acuidade as questões fundamentais: Que é o homem? Qual o sentido da dor, do mal, e da morte, que, apesar do enorme progresso alcançado, continuam a existir? Para que servem essas vitórias, ganhas a tão grande preço? Que pode o homem dar à sociedade, e que coisas pode dela receber? Que há para além desta vida terrena?

A Igreja, por sua parte, acredita que Jesus Cristo, morto e ressuscitado por todos (5), oferece aos homens pelo seu Espírito a luz e a força para poderem corresponder à sua altíssima vocação; nem foi dado aos homens sob o céu outro nome, no qual devam ser salvos (6). Acredita também que a chave, o centro e o fim de toda a história humana se encontram no seu Senhor e mestre. E afirma, além disso, que, subjacentes a todas as transformações, há muitas coisas que não mudam, cujo último fundamento é Cristo, o mesmo ontem, hoje, e para sempre (7). Quer, portanto, o Concílio, à luz de Cristo, imagem de Deus invisível e primogénito de toda a criação (8), dirigir-se a todos, para iluminar o mistério do homem e cooperar na solução das principais questões do nosso tempo.

PRIMEIRA PARTE

A IGREJA E A VOCAÇÃO DO HOMEM

Que pensa a Igreja sobre o homem

11. O Povo de Deus, movido pela fé com que acredita ser conduzido pelo Espírito do Senhor, o qual enche o universo, esforça-se por discernir nos acontecimentos, nas exigências e aspirações, em que participa juntamente com os homens de hoje, quais são os verdadeiros sinais da presença ou da vontade de Deus. Porque a fé ilumina todas as coisas com uma luz nova, e faz conhecer o desígnio divino acerca da vocação integral do homem e, dessa forma, orienta o espírito para soluções plenamente humanas.

O Concílio propõe-se, antes de mais, julgar a esta luz os valores que hoje são mais apreciados e pô-los em relação com a sua fonte divina. Tais valores, com efeito, na medida em que são fruto do engenho que Deus concedeu aos homens, são excelentes, mas, por causa da corrupção do coração humano, não raro são desviados da sua recta ordenação e precisam de ser purificados.

Que pensa a Igreja acerca do homem? Que recomendações parecem dever fazer-se, em ordem à construção da sociedade actual? Qual é o significado último da actividade humana no universo? Espera-se uma resposta para estas perguntas. Aparecerá então mais claramente que o Povo de Deus e o género humano, no qual aquele está inserido, se prestam mútuo serviço; manifestar-se-á assim o carácter religioso e, por isso mesmo, profundamente humano da missão da Igreja.

CAPÍTULO I

A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O homem criado à imagem de Deus

12. Tudo quanto existe sobre a terra deve ser ordenado em função do homem, como seu centro e seu termo: neste ponto existe um acordo quase geral entre crentes e não-crentes.

Mas, que é o homem? Ele próprio já formulou, e continua a formular, acerca de si mesmo, inúmeras opiniões, diferentes entre si e até contraditórias. Segundo estas, muitas vezes se exalta até se constituir norma absoluta, outras se abate até ao desespero. Daí as suas dúvidas e angústias. A Igreja sente profundamente estas dificuldades e, instruída pela revelação de Deus, pode dar-lhes uma resposta que defina a verdadeira condição do homem, explique as suas fraquezas, ao mesmo tempo que permita conhecer com exactidão a sua dignidade e vocação.

A Sagrada Escritura ensina que o homem foi criado «à imagem de Deus», capaz de conhecer e amar o seu Criador, e por este constituído senhor de todas as criaturas terrenas (1), para as dominar e delas se servir, dando glória a Deus (2). «Que é, pois, o homem, para que dele te lembres? ou o filho do homem, para que te preocupes com ele? Fizeste dele pouco menos que um anjo, coroando-o de glória e de esplendor. Estabeleceste-o sobre a obra de tuas mãos, tudo puseste sob os seus pés» (Salmo 8, 5-7).

Deus, porém, não criou o homem sòzinho: desde o princípio criou-os «varão e mulher (Gén. 1,27); e a sua união constitui a primeira forma de comunhão entre pessoas. Pois o homem, por sua própria natureza, é um ser social, que não pode viver nem desenvolver as suas qualidades sem entrar em relação com os outros.

Como também lemos na Sagrada Escritura, Deus viu «todas as coisas que fizera, e eram excelentes» (Gén. 1,31).

O pecado e suas consequências

13. Estabelecido por Deus num estado de santidade, o homem, seduzido pelo maligno, logo no começo da sua história abusou da própria liberdade, levantando-se contra Deus e desejando alcançar o seu fim fora d'Ele. Tendo conhecido a Deus, não lhe prestou a glória a Ele devida, mas o seu coração insensato obscureceu-se e ele serviu à criatura, preferindo-a ao Criador (3). E isto que a revelação divina nos dá a conhecer, concorda com os dados da experiência. Quando o homem olha para dentro do próprio coração, descobre-se inclinado também para o mal, e imerso em muitos males, que não podem provir de seu Criador, que é bom. Muitas vezes, recusando reconhecer Deus como seu princípio, perturbou também a devida orientação para o fim último e, ao mesmo tempo, toda a sua ordenação quer para si mesmo, quer para os demais homens e para toda a criação.

O homem encontra-se, pois, dividido em si mesmo. E assim, toda a vida humana, quer singular quer colectiva, apresenta-se como uma luta dramática entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas. Mais: o homem descobre-se incapaz de repelir por si mesmo as arremetidas do inimigo: cada um sente-se como que preso com cadeias. Mas o Senhor em pessoa veio para libertar e fortalecer o homem, renovando-o interiormente e lançando fora o príncipe deste mundo (cfr. Jo. 12,31), que o mantinha na servidão do pecado (4). Porque o pecado diminui o homem, impedindo-o de atingir a sua plena realização.

A sublime vocação e a profunda miséria que os homens em si mesmos experimentam, encontram a sua explicação última à luz desta revelação.

Constituição do homem: sua natureza

14. O homem, ser uno, composto de corpo e alma, sintetiza em si mesmo, pela sua natureza corporal, os elementos do mundo material, os quais, por meio dele, atingem a sua máxima elevação e louvam livremente o Criador (5). Não pode, portanto, desprezar a vida corporal; deve, pelo contrário, considerar o seu corpo como bom e digno de respeito, pois foi criado por Deus e há-de ressuscitar no último dia. Todavia, ferido pelo pecado, o homem experimenta as revoltas do corpo. É, pois, a própria dignidade humana que exige que o homem glorifique a Deus no seu corpo (6), não deixando que este se escravize às más inclinações do próprio coração. Não se engana o homem, quando se reconhece por superior às coisas materiais e se considera como algo mais do que simples parcela da natureza ou anónimo elemento da cidade dos homens. Pela sua interioridade, transcende o universo das coisas: tal é o conhecimento profundo que ele alcança quando reentra no seu interior, onde Deus, que perscruta os corações (7), o espera, e onde ele, sob o olhar do Senhor, decide da própria sorte. Ao reconhecer, pois, em si uma alma espiritual e imortal, não se ilude com uma enganosa criação imaginativa, mero resultado de condições físicas e sociais; atinge, pelo contrário, a verdade profunda das coisas.

Dignidade do entendimento

15. Participando da luz da inteligência divina, com razão pensa o homem que supera, pela inteligência, o universo. Exercitando incansàvelmente, no decurso dos séculos, o próprio engenho, conseguiu ele grandes progressos nas ciências empíricas, nas técnicas e nas artes liberais. Nos nossos dias, alcançou notáveis sucessos, sobretudo na investigação e conquista do mundo material. Mas buscou sempre, e encontrou, uma verdade mais profunda. Porque a inteligência não se limita ao domínio dos fenómenos; embora, em consequência do pecado, esteja parcialmente obscurecida e debilitada, ela é capaz de atingir com certeza a realidade inteligível.

Finalmente, a natureza espiritual da pessoa humana encontra e deve encontrar a sua perfeição na sabedoria, que suavemente atrai o espírito do homem à busca e amor da verdade e do bem, e graças à qual ele é levado por meio das coisas visíveis até às invisíveis.

Mais do que os séculos passados, o nosso tempo precisa de uma tal sabedoria, para que se humanizem as novas descobertas dos homens. Está ameaçado, com efeito, o destino do mundo, se não surgirem homens cheios de sabedoria. E é de notar que muitas nações, pobres em bens económicos, mas ricas em sabedoria, podem trazer às outras inapreciável contribuição.

Pelo dom do Espírito Santo, o homem chega a contemplar e saborear, na fé, o mistério do plano divino (8).

Dignidade da consciência moral

16. No fundo da própria consciência, o homem descobre uma lei que não se impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer; essa voz, que sempre o está a chamar ao amor do bem e fuga do mal, soa no momento oportuno, na intimidade do seu coração: faze isto, evita aquilo. O homem tem no coração uma lei escrita pelo próprio Deus; a sua dignidade está em obedecer-lhe, e por ela é que será julgado(9). A consciência é o centro mais secreto e o santuário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser (10). Graças à consciência, revela-se de modo admirável aquela lei que se realiza no amor de Deus e do próximo (11). Pela fidelidade à voz da consciência, os cristãos estão unidos aos demais homens, no dever de buscar a verdade e de nela resolver tantos problemas morais que surgem na vida individual e social. Quanto mais, portanto, prevalecer a recta consciência, tanto mais as pessoas e os grupos estarão longe da arbitrariedade cega e procurarão conformar-se com as normas objectivas da moralidade. Não raro, porém, acontece que a consciência erra, por ignorância invencível, sem por isso perder a própria dignidade. Outro tanto não se pode dizer quando o homem se descuida de procurar a verdade e o bem e quando a consciência se vai progressivamente cegando, com o hábito do pecado.

Grandeza da liberdade

17. Mas é só na liberdade que o homem se pode converter ao bem. Os homens de hoje apreciam grandemente e procuram com ardor esta liberdade; e com toda a razão. Muitas vezes, porém, fomentam-na dum modo condenável, como se ela consistisse na licença de fazer seja o que for, mesmo o mal, contanto que agrade. A liberdade verdadeira é um sinal privilegiado da imagem divina no homem. Pois Deus quis «deixar o homem entregue à sua própria decisão» (12), para que busque por si mesmo o seu Criador e livremente chegue à total e beatífica perfeição, aderindo a Ele. Exige, portanto, a dignidade do homem que ele proceda segundo a própria consciência e por livre adesão, ou seja movido e induzido pessoalmente desde dentro e não levado por cegos impulsos interiores ou por mera coacção externa. O homem atinge esta dignidade quando, libertando-se da escravidão das paixões, tende para o fim pela livre escolha do bem e procura a sério e com diligente iniciativa os meios convenientes. A liberdade do homem, ferida pelo pecado, só com a ajuda da graça divina pode tornar plenamente efectiva esta orientação para Deus. E cada um deve dar conta da própria vida perante o tribunal de Deus, segundo o bem ou o mal que tiver praticado (13).

A imortalidade e o enigma da morte

18. É em face da morte que o enigma da condição humana mais se adensa. Não é só a dor e a progressiva dissolução do corpo que atormentam o homem, mas também, e ainda mais, o temor de que tudo acabe para sempre. Mas a intuição do próprio coração fá-lo acertar, quando o leva a aborrecer e a recusar a ruína total e o desaparecimento definitivo da sua pessoa. O germe de eternidade que nele existe, irredutível à pura matéria, insurge-se contra a morte. Todas as tentativas da técnica, por muito úteis que sejam, não conseguem acalmar a ansiedade do homem: o prolongamento da longevidade biológica não pode satisfazer aquele desejo duma vida ulterior, invencìvelmente radicado no seu coração.

Enquanto, diante da morte, qualquer imaginação se revela impotente, a Igreja, ensinada pela revelação divina, afirma que o homem foi criado por Deus para um fim feliz, para além dos limites da miséria terrena. A fé cristã ensina que a própria morte corporal, de que o homem seria isento se não tivesse pecado (14) - acabará por ser vencida, quando o homem for pelo omnipotente e misericordioso Salvador restituído à salvação que por sua culpa perdera. Com efeito, Deus chamou e chama o homem a unir-se a Ele com todo o seu ser na perpétua comunhão da incorruptível vida divina. Esta vitória, alcançou-a Cristo ressuscitado, libertando o homem da morte com a própria morte (15). Portanto, a fé, que se apresenta à reflexão do homem apoiada em sólidos argumentos, dá uma resposta à sua ansiedade acerca do seu destino futuro; e ao mesmo tempo oferece a possibilidade de comunicar em Cristo com os irmãos queridos que a morte já levou, fazendo esperar que eles alcançaram a verdadeira vida junto de Deus.

Formas e raízes do ateísmo

19. A razão mais sublime da dignidade do homem consiste na sua vocação à união com Deus. É desde o começo da sua existência que o homem é convidado a dialogar com Deus: pois, se existe, é só porque, criado por Deus por amor, é por Ele por amor constantemente conservado; nem pode viver plenamente segundo a verdade, se não reconhecer livremente esse amor e se entregar ao seu Criador. Porém, muitos dos nossos contemporâneos não atendem a esta íntima e vital ligação a Deus, ou até a rejeitam explicitamente; de tal maneira que o ateísmo deve ser considerado entre os factos mais graves do tempo actual e submetido a atento exame.

Com a palavra «ateísmo», designam-se fenómenos muito diversos entre si. Com efeito, enquanto alguns negam expressamente Deus, outros pensam que o homem não pode afirmar seja o que for a seu respeito; outros ainda, tratam o problema de Deus de tal maneira que ele parece não ter significado. Muitos, ultrapassando indevidamente os limites das ciências positivas, ou pretendem explicar todas as coisas só com os recursos da ciência, ou, pelo contrário, já não admitem nenhuma verdade absoluta. Alguns, exaltam de tal modo o homem, que a fé em Deus perde toda a força, e parecem mais inclinados a afirmar o homem do que a negar Deus. Outros, concebem Deus de uma tal maneira, que aquilo que rejeitam não é de modo algum o Deus do Evangelho. Outros há que nem sequer abordam o problema de Deus: parecem alheios a qualquer inquietação religiosa e não percebem por que se devem ainda preocupar com a religião. Além disso, o ateísmo nasce muitas vezes dum protesto violento contra o mal que existe no mundo, ou de se ter atribuído indevidamente o carácter de absoluto a certos valores humanos que passam a ocupar o lugar de Deus. A própria civilização actual, não por si mesma mas pelo facto de estar muito ligada com as realidades terrestres, torna muitas vezes mais difícil o acesso a Deus.

Sem dúvida que não estão imunes de culpa todos aqueles que procuram voluntàriamente expulsar Deus do seu coração e evitar os problemas religiosos, não seguindo o ditame da própria consciência; mas os próprios crentes, muitas vezes, têm responsabilidade neste ponto. Com efeito, o ateísmo, considerado no seu conjunto, não é um fenómeno originário, antes resulta de várias causas, entre as quais se conta também a reacção crítica contra as religiões e, nalguns países, principalmente contra a religião cristã. Pelo que os crentes podem ter tido parte não pequena na génese do ateísmo, na medida em que, pela negligência na educação da sua fé, ou por exposições falaciosas da doutrina, ou ainda pelas deficiências da sua vida religiosa, moral e social, se pode dizer que antes esconderam do que revelaram o autêntico rosto de Deus e da religião.

O ateísmo sistemático

20. O ateísmo moderno apresenta muitas vezes uma forma sistemática, a qual, prescindindo de outros motivos, leva o desejo de autonomia do homem a um tal grau que constitui um obstáculo a qualquer dependência com relação a Deus. Os que professam tal ateísmo, pretendem que a liberdade consiste em ser o homem o seu próprio fim, autor único e demiurgo da sua história; e pensam que isso é incompatível com o reconhecimento de um Senhor, autor e fim de todas as coisas; ou que, pelo menos, torna tal afirmação plenamente supérflua. O sentimento de poder que os progressos técnicos hodiernos deram ao homem pode favorecer esta doutrina.

Não se deve passar em silêncio, entre as formas actuais de ateísmo, aquela que espera a libertação do homem sobretudo da sua libertação económica. A esta, dizem, opõe-se por sua natureza a religião, na medida em que, dando ao homem a esperança duma enganosa vida futura, o afasta da construção da cidade terrena. Por isso, os que professam esta doutrina, quando alcançam o poder, atacam violentamente a religião, difundindo o ateísmo também por aqueles meios de pressão de que dispõe o poder público, sobretudo na educação da juventude.

Atitude da Igreja perante o ateísmo

21. A Igreja, fiel a Deus e aos homens, não pode deixar de reprovar com dor e com toda a firmeza, como já o fez no passado (16), essas doutrinas e actividades perniciosas, contrárias à razão e à experiência comum dos homens, e que destronam o homem da sua inata dignidade.

Procura, no entanto, descobrir no espírito dos ateus as causas da sua negação de Deus, e, consciente da gravidade dos problemas levantados pelo ateísmo, e, levada pelo amor dos homens, entende que elas devem ser objecto de um exame sério e profundo.

A Igreja defende que o reconhecimento de Deus de modo algum se opõe à dignidade do homem, uma vez que esta dignidade se funda e se realiza no próprio Deus. Com efeito, o homem inteligente e livre, foi constituído em sociedade por Deus Criador; mas é sobretudo chamado a unir-se, como filho, a Deus e a participar na sua felicidade. Ensina, além disso, a Igreja que a importância das tarefas terrenas não é diminuída pela esperança escatológica, mas que esta antes reforça com novos motivos a sua execução. Pelo contrário, se faltam o fundamento divino e a esperança da vida eterna, a dignidade humana é gravemente lesada, como tantas vezes se verifica nos nossos dias, e os enigmas da vida e da morte, do pecado e da dor, ficam sem solução, o que frequentemente leva os homens ao desespero.

Entretanto, cada homem permanece para si mesmo um problema insolúvel, apenas confusamente pressentido. Ninguém pode, na verdade, evitar inteiramente esta questão em certos momentos, e sobretudo nos acontecimentos mais importantes da vida. Só Deus pode responder plenamente e com toda a certeza, Ele que chama o homem a uma reflexão mais profunda e a uma busca mais humilde.

Quanto ao remédio para o ateísmo, ele há-de vir da conveniente exposição da doutrina e da vida íntegra da Igreja e dos seus membros. Pois a Igreja deve tornar presente e como que visível a Deus Pai e a seu Filho encarnado, renovando-se e purificando-se continuamente sob a direcção do Espírito Santo (17). Isto há-de alcançar-se, antes de mais, com o testemunho duma fé viva e adulta, educada de modo a poder perceber claramente e superar as dificuldades. Magnífico testemunho desta fé deram e continuam a dar inúmeros mártires. Ela deve manifestar a sua fecundidade, penetrando toda a vida dos fiéis, mesmo a profana, levando-os à justiça e ao amor, sobretudo para com os necessitados. Finalmente, o que contribui mais que tudo para manifestar a presença de Deus é a caridade fraterna dos fiéis que unânimemente colaboram com a fé do Evangelho (18) e se apresentam como sinal de unidade.

Ainda que rejeite inteiramente o ateísmo, todavia a Igreja proclama sinceramente que todos os homens, crentes e não-crentes, devem contribuir para a recta construção do mundo no qual vivem em comum. O que não é possível sem um prudente e sincero diálogo. Deplora, por isso, a discriminação que certos governantes introduzem entre crentes e não-crentes, com desconhecimento dos direitos fundamentais da pessoa humana. Para os crentes, reclama a liberdade efectiva, que lhes permita edificar neste mundo também o templo de Deus. Quanto aos ateus, convida-os cortêsmente a considerar com espírito aberto o Evangelho de Cristo.

Pois a Igreja sabe perfeitamente que, ao defender a dignidade da vocação do homem, restituindo a esperança àqueles que já desesperam do seu destino sublime, a sua mensagem está de acordo com os desejos mais profundos do coração humano. Longe de diminuir o homem, a sua mensagem contribui para o seu bem, difundindo luz, vida e liberdade; e, fora dela, nada pode satisfazer o coração humano: «fizeste-nos para Ti», Senhor, e o nosso coração está inquieto, enquanto não repousa em Ti» (19).

Cristo, o homem novo

22. Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente. Adão, o primeiro homem, era efectivamente figura do futuro (20), isto é, de Cristo Senhor. Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime. Não é por isso de admirar que as verdades acima ditas tenham n'Ele a sua fonte e n'Ele atinjam a plenitude.

«Imagem de Deus invisível» (Col. 1,15) (21), Ele é o homem perfeito, que restitui aos filhos de Adão semelhança divina, deformada desde o primeiro pecado. Já que, n'Ele, a natureza humana foi assumida, e não destruída (22), por isso mesmo também em nós foi ela elevada a sublime dignidade. Porque, pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem. Trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana (23), amou com um coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, excepto no pecado (24).

Cordeiro inocente, mereceu-nos a vida com a livre efusão do seu sangue; n 'Ele nos reconciliou Deus consigo e uns com os outros (25) e nos arrancou da escravidão do demónio e do pecado. De maneira que cada um de nós pode dizer com o Apóstolo: o Filho de Deus «amou-me e entregou-se por mim» (Gál. 2,20). Sofrendo por nós, não só nos deu exemplo, para que sigamos os seus passos (26), mas também abriu um novo caminho, em que a vida e a morte são santificados e recebem um novo sentido.

O cristão, tornado conforme à imagem do Filho que é o primogénito entre a multidão dos irmãos (27), recebe «as primícias do Espírito» (Rom. 8,23), que o tornam capaz de cumprir a lei nova do amor (28). Por meio deste Espírito, «penhor da herança (Ef. 1,14), o homem todo é renovado interiormente, até à «redenção do corpo» (Rom. 8,23): «Se o Espírito d'Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos habita em vós, Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos dará também a vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que em vós habita» (Rom. 8,11) (29). É verdade que para o cristão é uma necessidade e um dever lutar contra o mal através de muitas tribulações, e sofrer a morte; mas, associado ao mistério pascal, e configurado à morte de Cristo, vai ao encontro da ressurreição, fortalecido pela esperança (30).

E o que fica dito, vale não só dos cristãos, mas de todos os homens de boa vontade, em cujos corações a graça opera ocultamente (31). Com efeito, já que por todos morreu Cristo (32) e a vocação última de todos os homens é realmente uma só, a saber, a divina, devemos manter que o Espírito Santo a todos dá a possibilidade de se associarem a este mistério pascal por um modo só de Deus conhecido.

Tal é, e tão grande, o mistério do homem, que a revelação cristã manifesta aos que crêem. E assim, por Cristo e em Cristo, esclarece-se o enigma da dor e da morte, o qual, fora do Seu Evangelho, nos esmaga. Cristo ressuscitou, destruindo a morte com a própria morte, e deu-nos a vida (33), para que, tornados filhos no Filho, exclamemos no Espírito: Abba, Pai (34).

CAPÍTULO II

A COMUNIDADE HUMANA

Propósito do Concílio

23. Entre os principais aspectos do mundo actual conta-se a multiplicação das relações entre os homens, cujo desenvolvimento é muito favorecido pelos progressos técnicos hodiernos. Todavia, o diálogo fraterno entre os homens não se realiza ao nível destes progressos, mas ao nível mais profundo da comunidade de pessoas, a qual exige o mútuo respeito da sua plena dignidade espiritual. A revelação cristã favorece poderosamente esta comunhão entre as pessoas, ao mesmo tempo que nós leva a uma compreensão mais profunda das leis da vida social que o Criador inscreveu na natureza espiritual e moral do homem.

Dado, porém, que recentes documentos do magistério eclesiástico expuseram a doutrina cristã acerca da sociedade humana (1), o Concílio limita-se a recordar algumas verdades mais importantes e a expor o seu fundamento à luz da revelação. Insiste, seguidamente, em algumas consequências de maior importância para o nosso tempo.

Índole comunitária da vocação humana

24. Deus, que por todos cuida com solicitude paternal, quis que os homens formassem uma só família, e se tratassem uns aos outros como irmãos. Criados todos à imagem e semelhança daquele Deus que «fez habitar sobre toda a face da terra o inteiro género humano, saído dum princípio único» (Act. 17,26), todos são chamados a um só e mesmo fim, que é o próprio Deus.

E por isso, o amor de Deus e do próximo é o primeiro e maior de todos os mandamentos. Mas a Sagrada Escritura ensina-nos que o amor de Deus não se pode separar do amor do próximo, «...todos os outros mandamentos se resumem neste: amarás o próximo como a ti mesmo... A caridade é, pois, a lei na sua plenitude» (Rom. 13, 9-10; cfr. 1 Jo. 4,20). Isto revela-se como sendo da maior importância, hoje que os homens se tornam cada dia mais dependentes uns dos outros e o mundo se unifica cada vez mais.

Mais ainda: quando o Senhor Jesus pede ao Pai «que todos sejam um..., como nós somos um» (Jo. 17, 21-22), sugere - abrindo perspectivas inacessíveis à razão humana - que dá uma certa analogia entre a união das pessoas divinas entre si e a união dos filhos de Deus na verdade e na caridade. Esta semelhança torna manifesto que o homem, única criatura sobre a terra a ser querida por Deus por si mesma, não se pode encontrar plenamente a não ser no sincero dom de si mesmo (2).

Interdependência da pessoa humana e da sociedade humana

25. A natureza social do homem torna claro que o progresso da pessoa humana e o desenvolvimento da própria sociedade estão em mútua dependência. Com efeito, a pessoa humana, uma vez que, por sua natureza, necessita absolutamente da vida social (3), é e deve ser o princípio, o sujeito e o fim de todas as instituições sociais. Não sendo, portanto, a vida social algo de adventício ao homem, este cresce segundo todas as suas qualidades e torna-se capaz de responder à própria vocação, graças ao contacto com os demais, ao mútuo serviço e ao diálogo com seus irmãos.

Entre os laços sociais, necessários para o desenvolvimento do homem, alguns, como a família e a sociedade política, correspondem mais imediatamente à sua natureza íntima; outros são antes fruto da sua livre vontade. No nosso tempo, devido a várias causas, as relações e interdependências mútuas multiplicam-se cada vez mais; o que dá origem a diversas associações e instituições, quer públicas quer privadas. Este facto, denominado socialização, embora não esteja isento de perigos, traz, todavia, consigo muitas vantagens, em ordem a confirmar e desenvolver as qualidades da pessoa humana e a proteger os seus direitos (4).

Porém, se é verdade que as pessoas humanas recebem muito desta vida social, em ordem a realizar a própria vocação, mesmo a religiosa, também não se pode negar que os homens são muitas vezes afastados do bem ou impelidos ao mal pelas condições em que vivem e estão mergulhados desde a infância. É certo que as perturbações tão frequentes da ordem social vêm, em grande parte, das tensões existentes no seio das formas económicas, políticas e sociais. Mas, mais profundamente, nascem do egoísmo e do orgulho dos homens, os quais também pervertem o ambiente social. Onde a ordem das coisas se encontra viciada pelas consequências do pecado, o homem, nascido com uma inclinação para o mal, encontra novos incitamentos para o pecado, que não pode superar sem grandes esforços e ajudado pela graça.

Promoção do bem-comum

26. A interdependência, cada vez mais estreita e progressivamente estendida a todo o mundo, faz com que o bem comum - ou seja, o conjunto das condições da vida social que permitem, tanto aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e fàcilmente a própria perfeição - se torne hoje cada vez mais universal e que, por esse motivo, implique direitos e deveres que dizem respeito a todo o género humano. Cada grupo deve ter em conta as necessidades e legítimas aspirações dos outros grupos e mesmo o bem comum de toda a família humana (5).

Simultâneamente, aumenta a consciência da eminente dignidade da pessoa humana, por ser superior a todas as coisas e os seus direitos e deveres serem universais e invioláveis. É necessário, portanto, tornar acessíveis ao homem todas as coisas de que necessita para levar uma vida verdadeiramente humana: alimento, vestuário, casa, direito de escolher livremente o estado de vida e de constituir família, direito à educação, ao trabalho, à boa fama, ao respeito, à conveniente informação, direito de agir segundo as normas da própria consciência, direito à protecção da sua vida e à justa liberdade mesmo em matéria religiosa.

A ordem social e o seu progresso devem, pois, reverter sempre em bem das pessoas, já que a ordem das coisas deve estar subordinada à ordem das pessoas e não ao contrário; foi o próprio Senhor quem o insinuou ao dizer que o sábado fora feito para o homem, não o homem para o sábado (6). Essa ordem, fundada na verdade, construída sobre a justiça e vivificada pelo amor, deve ser cada vez mais desenvolvida e, na liberdade, deve encontrar um equilíbrio cada vez mais humano (7). Para o conseguir, será necessária a renovação da mentalidade e a introdução de amplas reformas sociais.

O Espírito de Deus, que dirige o curso dos tempos e renova a face da terra com admirável providência, está presente a esta evolução. E o fermento evangélico despertou e desperta no coração humano uma irreprimível exigência de dignidade.

Respeito da pessoa humana

27. Vindo a conclusões práticas e mais urgentes, o Concílio recomenda a reverência para com o homem, de maneira que cada um deve considerar o próximo, sem excepção, como um «outro eu», tendo em conta, antes de mais, a sua vida e os meios necessários para a levar dignamente (8), não imitando aquele homem rico que não fez caso algum do pobre Lázaro (9).

Sobretudo em nossos dias, urge a obrigação de nos tornarmos o próximo de todo e qualquer homem, e de o servir efectivamente quando vem ao nosso . encontro - quer seja o ancião, abandonado de todos, ou o operário estrangeiro injustamente desprezado, ou o exilado, ou o filho duma união ilegítima que sofre injustamente por causa dum pecado que não cometeu, ou o indigente que interpela a nossa consciência, recordando a palavra do Senhor: «todas as vezes que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes» (Mt. 25,40).

Além disso, são infames as seguintes coisas: tudo quanto se opõe à vida, como seja toda a espécie de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana, como as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e jovens; e também as condições degradantes de trabalho; em que os operários são tratados como meros instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis. Todas estas coisas e outras semelhantes são infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana, desonram mais aqueles que assim procedem, do que os que padecem injustamente; e ofendem gravemente a honra devida ao Criador.

Respeito e amor dos adversários

28. O nosso respeito e amor devem estender-se também àqueles que pensam ou actuam diferentemente de nós em matéria social, política ou até religiosa. Aliás, quanto mais intimamente compreendermos, com delicadeza e caridade, a sua maneira de ver, tanto mais fàcilmente poderemos com eles dialogar.

Evidentemente, este amor e benevolência de modo algum nos devem tornar indiferentes perante a verdade e o bem. Pelo contrário, é o próprio amor que incita os discípulos de Cristo a anunciar a todos a verdade salvadora. Mas deve distinguir-se entre o erro, sempre de rejeitar, e aquele que erra, o qual conserva sempre a dignidade própria de pessoas, mesmo quando está atingido por ideias religiosas falsas ou menos exactas (10). Só Deus é juiz e penetra os corações; por esse motivo, proibe-nos Ele de julgar da culpabilidade interna de qualquer pessoa (11).

A doutrina de Cristo exige que também perdoemos as injúrias (12), e estende a todos os inimigos o preceito do amor, que é o mandamento da lei nova: «ouvistes que foi dito: amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. Mas eu digo-vos: amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos perseguem e caluniam» (Mt. 5, 43-44).

Igualdade essencial entre todos os homens

29. A igualdade fundamental entre todos os homens deve ser cada vez mais reconhecida, uma vez que, dotados de alma racional e criados à imagem de Deus, todos têm a mesma natureza e origem; e, remidos por Cristo, todos têm a mesma vocação e destino divinos.

Sem dúvida, os homens não são todos iguais quanto à capacidade física e forças intelectuais e morais, variadas e diferentes em cada um. Mas deve superar-se e eliminar-se, como contrária à vontade de Deus, qualquer forma social ou cultural de discriminação, quanto aos direitos fundamentais da pessoa, por razão do sexo, raça, cor, condição social, língua ou religião. É realmente de lamentar que esses direitos fundamentais da pessoa ainda não sejam respeitados em toda a parte. Por exemplo, quando se nega à mulher o poder de escolher livremente o esposo ou o estado de vida ou de conseguir uma educação e cultura iguais às do homem.

Além disso, embora entre os homens haja justas diferenças, a igual dignidade pessoal postula, no entanto, que se chegue a condições de vida mais humanas e justas. Com efeito, as excessivas desigualdades económicas e sociais entre os membros e povos da única família humana provocam o escândalo e são obstáculo à justiça social, à equidade, à dignidade da pessoa humana e, finalmente, à paz social e internacional.

Procurem as instituições humanas, privadas ou públicas, servir a dignidade e o destino do homem, combatendo ao mesmo tempo valorosamente contra qualquer forma de sujeição política ou social e salvaguardando, sob qualquer regime político, os direitos humanos fundamentais. Mais ainda: é necessário que tais instituições se adaptem progressivamente às realidades espirituais, que são as mais elevadas de todas; embora por vezes se requeira um tempo razoàvelmente longo para chegar a esse desejado fim.

Superação da ética individualista

30. A profundidade e rapidez das transformações reclamam com maior urgência que ninguém se contente, por não atender à evolução das coisas ou por inércia, com uma ética puramente individualística. O dever de justiça e caridade cumpre-se cada vez mais com a contribuição de cada um em favor do bem comum, segundo as próprias possibilidades e as necessidades dos outros, promovendo instituições públicas ou privadas e ajudando as que servem para melhorar as condições de vida dos homens. Mas há pessoas que, fazendo profissão de ideias amplas e generosas, vivem sempre, no entanto, de tal modo como se nenhum caso fizessem das necessidades sociais. E até, em vários países, muitos desprezam as leis e prescrições sociais. Não poucos atrevem-se a eximir-se, com várias fraudes e enganos, aos impostos e outras obrigações sociais. Outros desprezam certas normas da vida social, como por exemplo as estabelecidas para defender a saúde ou para regularizar o trânsito de veículos, sem repararem que esse seu descuido põe em perigo a vida própria e alheia.

Todos tomem a peito considerar e respeitar as relações sociais como um dos principais deveres do homem de hoje. Com efeito, quanto mais o mundo se unifica, tanto mais as obrigações dos homens transcendem os grupos particulares e se estendem progressivamente a todo o mundo. O que só se poderá fazer se os indivíduos e grupos cultivarem em si mesmos e difundirem na sociedade as virtudes morais e sociais, de maneira a tornarem-se realmente, com o necessário auxílio da graça divina, homens novos e construtores duma humanidade nova.

Responsabilidade e participação social

31. Para que cada homem possa cumprir mais perfeitamente os seus deveres de consciência quer para consigo quer em relação aos vários grupos de que é membro, deve-se ter o cuidado de que todos recebam uma formação mais ampla, empregando-se para tal os consideráveis meios de que hoje dispõe a humanidade. Antes de mais, a educação dos jovens, de qualquer origem social, deve ser de tal maneira organizada que suscite homens e mulheres não apenas cultos mas também de forte personalidade, tão urgentemente exigidos pelo nosso tempo.

Mal poderá, contudo, o homem chegar a este sentido de responsabilidade, se as condições de vida lhe não permitirem tornar-se consciente da própria dignidade e responder à sua vocação, empenhando-se no serviço de Deus e dos outros homens. Ora a liberdade humana com frequência se debilita quando o homem cai em extrema miséria, e degrada-se quando ele, cedendo às demasiadas facilidades da vida, se fecha numa espécie de solidão dourada. Pelo contrário, ela robustece-se quando o homem aceita as inevitáveis dificuldades da vida social, assume as multiformes exigências da vida em comum e se empenha no serviço da comunidade humana.

Deve, por isso, estimular-se em todos a vontade de tomar parte nos empreendimentos comuns. E é de louvar o modo de agir das nações em que a maior parte dos cidadãos participa, com verdadeira liberdade, nos assuntos públicos. É preciso, porém, ter sempre em conta a. situação real de cada povo e o necessário vigor da autoridade pública. Mas para que todos os cidadãos se sintam inclinados a participar na vida dos vários grupos de que se forma o corpo social, é necessário que encontrem nesses grupos bens que os atraiam e os predisponham ao serviço dos outros. Podemos legitimamente pensar que o destino futuro da humanidade está nas mãos daqueles que souberem dar às gerações vindoiras razões de viver e de esperar.

O Verbo encarnado e a solidariedade humana

32. Do mesmo modo que Deus não criou os homens para viverem isolados, mas para se unirem em sociedade, assim também Lhe «aprouve... santificar e salvar os homens não individualmente e com exclusão de qualquer ligação mútua, mas fazendo deles um povo que O reconhecesse em verdade e O servisse santamente» (13). Desde o começo da história da salvação, Ele escolheu os homens não só como indivíduos mas ainda como membros duma comunidade. Com efeito, manifestando o seu desígnio, chamou a esses escolhidos o «seu povo» (Ex. 3, 7-12), com o qual estabeleceu aliança no Sinai (14).

Esta índole comunitária aperfeiçoa-se e completa-se com a obra de Jesus Cristo. Pois o próprio Verbo encarnado quis participar da vida social dos homens. Tomou parte nas bodas de Caná, entrou na casa de Zaqueu, comeu com os publicanos e pecadores. Revelou o amor do Pai e a sublime vocação dos homens, evocando realidades sociais comuns e servindo-se de modos de falar e de imagens da vida de todos os dias. Santificou os laços sociais e antes de mais os familiares, fonte da vida social; e submeteu-se livremente às leis do seu país. Quis levar a vida dum operário do seu tempo e da sua terra.

Na sua pregação claramente mandou aos filhos de Deus que se tratassem como irmãos. E na sua oração pediu que todos os seus discípulos fossem «um». Ele próprio se ofereceu à morte por todos, de todos feito Redentor. «Não há maior amor do que dar alguém a vida pelos seus amigos» (Jo. 15, 13). E mandou aos Apóstolos pregar a todos a mensagem evangélica para que a humanidade se tornasse a família de Deus, na qual o amor fosse toda a lei.

Primogénito entre muitos irmãos, estabeleceu, depois da sua morte e ressurreição, com o dom do seu Espírito, uma nova comunhão fraterna entre todos os que O recebem com fé e caridade, a saber, na Igreja, que é o seu corpo, no qual todos, membros uns dos outros, se prestam mùtuamente serviço segundo os diversos dons a cada um concedidos.

Esta solidariedade deve crescer sem cessar, até se consumar naquele dia em que os homens, salvos pela graça, darão perfeita glória a Deus, como família amada do Senhor e de Cristo seu irmão.

CAPÍTULO III

A ACTIVIDADE HUMANA NO MUNDO

Problema do sentido da actividade humana

33. Sempre o homem procurou, com o seu trabalho e engenho, desenvolver mais a própria vida; hoje, porém, sobretudo graças à ciência e à técnica, estendeu o seu domínio à natureza inteira, e continuamente o aumenta; e a família humana, sobretudo devido ao aumento de múltiplos meios de comunicação entre as nações, vai-se descobrindo e organizando progressivamente como uma só comunidade espalhada pelo mundo inteiro. Acontece assim que muitos bens que o homem noutro tempo esperava sobretudo das forças superiores, os alcança hoje por seus próprios meios.

Muitas são as questões que se levantam entre os homens, perante este imenso empreendimento, que já atingiu o inteiro género humano. Qual o sentido e valor desta actividade? Como se devem usar estes bens? Para que fim tendem os esforços dos indivíduos e das sociedades? Guarda do depósito da palavra divina, onde se vão buscar os princípios da ordem religiosa e moral, a Igreja, embora nem sempre tenha uma resposta já pronta para cada uma destas perguntas, deseja, no entanto, juntar a luz da revelação à competência de todos os homens, para que assim receba luz o caminho recentemente empreendido pela humanidade.

Valor da actividade humana

34. Uma coisa é certa para os crentes: a actividade humana individual e colectiva, aquele imenso esforço com que os homens, no decurso dos séculos, tentaram melhorar as condições de vida, corresponde à vontade de Deus. Pois o homem, criado à imagem de Deus, recebeu o mandamento de dominar a terra com tudo o que ela contém e governar o mundo na justiça e na santidade(1) e, reconhecendo Deus como Criador universal, orientar-se a si e ao universo para Ele; de maneira que, estando todas as coisas sujeitas ao homem, seja glorificado em toda a terra o nome de Deus (2).

Isto aplica-se também às actividades de todos os dias. Assim, os homens e as mulheres que, ao ganhar o sustento para si e suas famílias, de tal modo exercem a própria actividade que prestam conveniente serviço à sociedade, com razão podem considerar que prolongam com o seu trabalho a obra do Criador, ajudam os seus irmãos e dão uma contribuição pessoal para a realização dos desígnios de Deus na história (3).

Longe de pensar que as obras do engenho e poder humano se opõem ao poder de Deus, ou de considerar a criatura racional como rival do Criador, os cristãos devem, pelo contrário, estar convencidos de que as vitórias do género humano manifestam a grandeza de Deus e são fruto do seu desígnio inefável. Mas, quanto mais aumenta o poder dos homens, tanto mais cresce a sua responsabilidade, pessoal e comunitária. Vê-se, portanto, que a mensagem cristã não afasta os homens da tarefa de construir o mundo, nem os leva a desatender o bem dos seus semelhantes, mas que, antes, os obriga ainda mais a realizar essas actividades (4).

Ordenação da actividade humana

35. A actividade humana, do mesmo modo que procede do homem, assim para ele se ordena. De facto, quando age, o homem não transforma apenas as coisas e a sociedade, mas realiza-se a si mesmo. Aprende muitas coisas, desenvolve as próprias faculdades, sai de si e eleva-se sobre si mesmo. Este desenvolvimento, bem compreendido, vale mais do que os bens externos que se possam conseguir. O homem vale mais por aquilo que é do que por aquilo que tem (5). Do mesmo modo, tudo o que o homem faz para conseguir mais justiça, mais fraternidade, uma organização mais humana das relações sociais, vale mais do que os progressos técnicos. Pois tais progressos podem proporcionar a base material para a promoção humana, mas, por si sós, são incapazes de a realizar.

A norma da actividade humana é pois a seguinte: segundo o plano e vontade de Deus, ser conforme com o verdadeiro bem da humanidade e tornar possível ao homem, individualmente considerado ou em sociedade, cultivar e realizar a sua vocação integral.

Justa autonomia das realidades terrestres

36. No entanto, muitos dos nossos contemporâneos parecem temer que a íntima ligação entre a actividade humana e a religião constitua um obstáculo para a autonomia dos homens, das sociedades ou das ciências. Se por autonomia das realidades terrenas se entende que as coisas criadas e as próprias sociedades têm leis e valores próprios, que o homem irá gradualmente descobrindo, utilizando e organizando, é perfeitamente legítimo exigir tal autonomia. Para além de ser uma exigência dos homens do nosso tempo, trata-se de algo inteiramente de acordo com a vontade do Criador. Pois, em virtude do próprio facto da criação, todas as coisas possuem consistência, verdade, bondade e leis próprias, que o homem deve respeitar, reconhecendo os métodos peculiares de cada ciência e arte. Por esta razão, a investigação metódica em todos os campos do saber, quando levada a cabo de um modo verdadeiramente científico e segundo as normas morais, nunca será realmente oposta à fé, já que as realidades profanas e as da fé têm origem no mesmo Deus (6). Antes, quem se esforça com humildade e constância por perscrutar os segredos da natureza, é, mesmo quando disso não tem consciência, como que conduzido pela mão de Deus, o qual sustenta as coisas e as faz ser o que são. Seja permitido, por isso, deplorar certas atitudes de espírito que não faltaram entre os mesmos cristãos, por não reconhecerem suficientemente a legítima autonomia da ciência e que, pelas disputas e controvérsias a que deram origem, levaram muitos espíritos a pensar que a fé e a ciência eram incompatíveis (7).

Se, porém, com as palavras «autonomia das realidades temporais» se entende que as criaturas não dependem de Deus e que o homem pode usar delas sem as ordenar ao Criador, ninguém que acredite em Deus deixa de ver a falsidade de tais assertos. Pois, sem o Criador, a criatura não subsiste. De resto, todos os crentes, de qualquer religião, sempre souberam ouvir a sua voz e manifestação na linguagem das criaturas. Antes, se se esquece Deus, a própria criatura se obscurece.

A actividade humana viciada pelo pecado

37. A Sagrada Escritura, confirmada pela experiência dos séculos, ensina à família humana que o progresso humano, tão grande bem para o homem, traz consigo também uma grande tentação: perturbada a ordem de valores e misturado o bem com o mal, os homens e os grupos consideram apenas o que é seu, esquecendo o dos outros. Deixa assim o mundo de ser um lugar de verdadeira fraternidade, enquanto que o acrescido dos homens ameaça já destruir o próprio género humano.

Um duro combate contra os poderes das trevas atravessa, com efeito. toda a história humana; começou no princípio do mundo e, segundo a palavra do Senhor (8), durará até ao último dia. Inserido nesta luta, o homem deve combater constantemente, se quer ser fiel ao bem; e só com grandes esforços e a ajuda da graça de Deus conseguirá realizar a sua própria unidade.

Por isso, a Igreja de Cristo, confiando no desígnio do Criador, ao mesmo tempo que reconhece que o progresso humano pode servir para a verdadeira felicidade dos homens, não pode deixar de repetir aquela palavra do Apóstolo: «não vos conformeis com este mundo» (Rom. 12, 2), isto é, com aquele espírito de vaidade e malícia que transforma a actividade humana, destinada ao serviço de Deus e do homem, em instrumento de pecado.

E se alguém quer saber de que maneira se pode superar esta situação miserável, os cristãos professam que todas as actividades humanas, constantemente ameaçadas pela soberba e amor próprio desordenado, devem ser purificadas e levadas à perfeição pela cruz e ressurreição de Cristo. Porque, remido por Cristo e tornado nova criatura no Espírito Santo, o homem pode e deve amar até as coisas criadas por Deus. Pois recebeu-as de Deus e considera-as e respeita-as como vindas da mão do Senhor. Dando por elas graças ao benfeitor e usando e aproveitando as criaturas em pobreza e liberdade de espírito, é introduzido no verdadeiro senhorio do mundo, como quem nada tem e tudo possui (9). «Todas as coisas são vossas; mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus» (1 Cor. 3, 22-23).

A actividade humana aperfeiçoada na Encarnação e no mistério pascal

38. O Verbo de Deus, pelo qual todas as coisas foram feitas, fazendo-se homem e vivendo na terra dos homens (10), entrou como homem perfeito na história do mundo, assumindo-a e recapitulando-a (11). Ele revela-nos que «Deus é amor» (1 Jo. 4, 8) e ensina-nos ao mesmo tempo que a lei fundamental da perfeição humana e, portanto, da transformação do mundo, é o novo mandamento do amor. Dá, assim, aos que acreditam no amor de Deus, a certeza de que o caminho do amor está aberto para todos e que o esforço por estabelecer a universal fraternidade não é vão. Adverte, ao mesmo tempo, que este amor não se deve exercitar apenas nas coisas grandes, mas, antes de mais, nas circunstâncias ordinárias da vida. Suportando a morte por todos nós pecadores (12), ensina-nos com o seu exemplo que também devemos levar a cruz que a carne e o mundo fazem pesar sobre os ombros daqueles que buscam a paz e a justiça. Constituído Senhor pela sua ressurreição, Cristo, a quem foi dado todo o poder no céu e na terra (13), actua já pela força do Espírito Santo nos corações dos homens; não suscita neles apenas o desejo da vida futura, mas, por isso mesmo, anima, purifica e fortalece também aquelas generosas aspirações que levam a humanidade a tentar tornar a vida mais humana e a submeter para esse fim toda a terra. Sem dúvida, os dons do Espírito são diversos: enquanto chama alguns a darem claro testemunho do desejo da pátria celeste e a conservarem-no vivo no seio da família humana, chama outros a dedicarem-se ao serviço terreno dos homens, preparando com esta sua actividade como que a matéria do reino dos céus. Liberta, porém, a todos, para que, deixando o amor próprio e empregando em favor da vida humana todas as energias terrenas, se lancem para o futuro, em que a humanidade se tornará oblação agradável a Deus (14).

O penhor desta esperança e o viático para este caminho deixou-os o Senhor aos seus naquele sacramento da fé, em que os elementos naturais, cultivados pelo homem, se convertem no Corpo e Sangue gloriosos, na ceia da comunhão fraterna e na prelibação do banquete celeste.

A nova terra e o novo céu

39. Ignoramos o tempo em que a terra e a humanidade atingirão a sua plenitude (15), e também não sabemos que transformação sofrerá o universo. Porque a figura deste mundo, deformada pelo pecado, passa certamente (16), mas Deus ensina-nos que se prepara uma nova habitação e uma nova terra, na qual reina a justiça (17) e cuja felicidade satisfará e superará todos os desejos de paz que se levantam no coração dos homens (18). Então, vencida a morte, os filhos de Deus ressuscitarão em Cristo e aquilo que foi semeado na fraqueza e corrupção, revestir-se-á de incorruptibilidade (19); permanecendo a caridade e as suas obras (20), todas as criaturas que Deus criou para o homem serão libertadas da escravidão da vaidade (21).

É certo que é-nos lembrado que de nada serve ao homem ganhar o mundo inteiro, se a si mesmo se vem a perder (22). A expectativa da nova terra não deve, porém, enfraquecer, mas antes activar a solicitude em ordem a desenvolver esta terra, onde cresce o corpo da nova família humana, que já consegue apresentar uma certa prefiguração do mundo futuro. Por conseguinte, embora o progresso terreno se deva cuidadosamente distinguir do crescimento do reino de Cristo, todavia, na medida em que pode contribuir para a melhor organização da sociedade humana, interessa muito ao reino de Deus (23).

Todos estes valores da dignidade humana, da comunhão fraterna e da liberdade, fruto da natureza e do nosso trabalho, depois de os termos difundido na terra, no Espírito do Senhor e segundo o seu mandamento, voltaremos de novo a encontrá-los, mas então purificados de qualquer mancha, iluminados e transfigurados, quando Cristo entregar ao Pai o reino eterno e universal: «reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz» (24). Sobre a terra, o reino já está misteriosamente presente; quando o Senhor vier, atingirá a perfeição.

CAPÍTULO IV

A FUNÇÃO DA IGREJA NO MUNDO ACTUAL

Relação mútua entre a Igreja e o mundo

40. Tudo quanto dissemos acerca da dignidade da pessoa humana, da comunidade dos homens, do significado profundo da actividade humana, constitui o fundamento das relações entre a Igreja e o mundo e a base do seu diálogo recíproco(1). Pelo que, no presente capítulo, pressupondo tudo o que o Concílio já declarou acerca do mistério da Igreja, considerar-se-á a mesma Igreja enquanto existe neste mundo e com ele vive e actua.

A Igreja, que tem a sua origem no amor do eterno Pai (2), foi fundada, no tempo, por Cristo Redentor, e reune-se no Espírito Santo (3), tem um fim salvador e escatológico, o qual só se poderá atingir plenamente no outro mundo. Mas ela existe já actualmente na terra, composta de homens que são membros da cidade terrena e chamados a formar já na história humana a família dos filhos de Deus, a qual deve crescer continuamente até à vinda do Senhor. Unida em vista dos bens celestes e com eles enriquecida, esta família foi por Cristo «constituída e organizada como sociedade neste mundo» (4), dispondo de «convenientes meios de unidade visível e social» (5). Deste modo, a Igreja, simultâneamente «agrupamento visível e comunidade espiritual» (6), caminha juntamente com toda a humanidade, participa da mesma sorte terrena do mundo e é como que o fermento e a alma da sociedade humana (7), a qual deve ser renovada em Cristo e transformada em família de Deus.

Esta compenetração da cidade terrena com a celeste só pela fé se pode perceber; mais, ela permanece o mistério da história humana, sempre perturbada pelo pecado, enquanto não chega a plena manifestação da glória dos filhos de Deus. Procurando o seu fim salvífico, a Igreja não se limita a comunicar ao homem a vida divina; espalha sobre todo o mundo os reflexos da sua luz, sobretudo enquanto cura e eleva a dignidade da pessoa humana, consolida a coesão da sociedade e dá um sentido mais profundo à quotidiana actividade dos homens. A Igreja pensa, assim, que por meio de cada um dos seus membros e por toda a sua comunidade, muito pode ajudar para tornar mais humana a família dos homens e a sua história.

Além disso, a Igreja católica aprecia grandemente a contribuição que as outras igrejas cristãs ou comunidades eclesiais têm dado e continuam a dar para a consecução do mesmo fim. E está também firmemente persuadida de que pode receber muita ajuda, de vários modos, do mundo, pelas qualidades e acção dos indivíduos e das sociedades, na preparação do Evangelho. Expõem-se, a seguir, alguns princípios gerais para promover convenientemente o intercâmbio e ajuda recíproca entre a Igreja e o mundo, nos domínios que são de algum modo comuns a ambos.

Ajuda que a Igreja oferece ao homem

41. O homem actual está a caminho de um desenvolvimento mais pleno da personalidade e uma maior descoberta e afirmação dos próprios direitos. Tendo a Igreja, por sua parte, a missão de manifestar o mistério de Deus, último fim do homem, ela descobre ao mesmo tempo ao homem o sentido da sua existência, a verdade profunda à cerca dele mesmo. A Igreja sabe muito bem que só Deus, a quem serve, pode responder às aspirações mais profundas do coração humano, que nunca plenamente se satisfaz com os alimentos terrestres. Sabe também que o homem, solicitado pelo Espírito de Deus, nunca será totalmente indiferente ao problema religioso, como o confirmam não só a experiência dos tempos passados, mas também inúmeros testemunhos do presente. Com efeito, o homem sempre desejará saber, ao menos confusamente, qual é o significado da sua vida, da sua actividade e da sua morte. E a própria presença da Igreja lhe traz à mente estes problemas. Mas só Deus, que criou o homem à sua imagem e o remiu, dá plena resposta a estas perguntas, pela revelação em Cristo seu Filho feito homem. Aquele que segue Cristo, o homem perfeito, torna-se mais homem.

Apoiada nesta fé, a Igreja pode subtrair a dignidade da natureza humana a quaisquer flutuações de opiniões, por exemplo, as que rebaixam exageradamente o corpo humano ou, pelo contrário, o exaltam sem medida. Nenhuma lei humana pode salvaguardar tão perfeitamente a dignidade pessoal e a liberdade do homem como o Evangelho de Cristo, confiado à Igreja. Pois este Evangelho anuncia e proclama a liberdade dos filhos de Deus; rejeita toda a espécie de servidão, a qual tem a sua última origem no pecado (8); respeita escrupulosamente a dignidade da consciência e a sua livre decisão; sem descanso recorda que todos os talentos humanos devem redundar em serviço de Deus e bem dos homens; e a todos recomenda, finalmente, a caridade (9). É o que corresponde à lei fundamental da economia cristã. Porque, embora seja o mesmo Deus o Criador e o Salvador, o senhor da história humana e o da história da salvação, todavia, segundo a ordenação divina, a justa autonomia das criaturas e sobretudo do homem, não só não é delimitada mas antes é restituída à sua dignidade e nela confirmada.

Por isso, a Igreja, em virtude do Evangelho que lhe foi confiado, proclama os direitos do homem e reconhece e tem em grande apreço o dinamismo do nosso tempo, que por toda a parte promove tais direitos. Este movimento, porém, deve ser penetrado pelo espírito do Evangelho, e defendido de qualquer espécie de falsa autonomia. Pois estamos sujeitos à tentação de julgar que os nossos direitos pessoais só são plenamente assegurados quando nos libertamos de toda a norma da lei divina. Enquanto que, por este caminho, a dignidade da pessoa humana, em vez de se salvar, perde-se.

Ajuda que a Igreja oferece à sociedade

42. A unidade da família humana recebe um grande reforço e encontra o seu acabamento na unidade da família dos filhos de Deus -. Certamente, a missão própria confiada por Cristo à sua Igreja, não é de ordem política, económica ou social: o fim que lhe propôs é, com efeito, de ordem religiosa (11). Mas desta mesma missão religiosa deriva um encargo, uma luz e uma energia que podem servir para o estabelecimento e consolidação da comunidade humana segundo a lei divina. E também, quando for necessário, tendo em conta as circunstâncias de tempos e lugares, pode ela própria, e até deve, suscitar obras destinadas ao serviço de todos, sobretudo dos pobres, tais como obras caritativas e outras semelhantes.

A Igreja reconhece, além disso, tudo o que há de bom no dinamismo social hodierno; sobretudo o movimento para a unidade, o processo duma sã socialização e associação civil e económica. Promover a unidade é, efectivamente, algo que se harmoniza com a missão essencial da Igreja, pois ela é, «em Cristo, como que o sacramento ou sinal e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano» (12). Ela própria manifesta assim ao mundo que a verdadeira união social eterna flui da união dos espíritos e dos corações, daquela fé e caridade em que indissolùvelmente se funda, no Espírito Santo, a sua própria unidade. Porque a energia que a Igreja pode insuflar à sociedade actual consiste nessa fé e caridade efectivamente vividas e não em qualquer domínio externo, actuado com meios puramente humanos.

Além disso, dado que a Igreja não está ligada, por força da sua missão e natureza, a nenhuma forma particular de cultura ou sistema político, económico ou social, pode, graças a esta sua universalidade, constituir um laço muito estreito entre as diversas comunidades e nações, contanto que nela confiem e lhe reconheçam a verdadeira liberdade para cumprir esta sua missão. Por esta razão, a Igreja recomenda a todos os seus filhos, e também a todos os homens, que superem com este espírito de família próprio dos filhos de Deus, todos os conflitos entre nações e raças, e consolidem internamente as legítimas associações humanas.

O Concílio considera com muito respeito o que há de bom, verdadeiro e justo nas instituições tão diversas que o género humano criou e sem cessar continua a criar. E a Igreja declara querer ajudar e promover todas essas instituições, na medida em que isso dela dependa e seja compatível com a sua própria missão. Ela nada deseja mais ardentemente do que, servindo o bem de todos, poder desenvolver-se livremente sob qualquer regime que reconheça os direitos fundamentais da pessoa e da família e os imperativos do bem comum.

Ajuda que a Igreja oferece à atividade humana

43. O Concílio exorta os cristãos, cidadãos de ambas as cidades, a que procurem cumprir fielmente os seus deveres terrenos, guiados pelo espírito do Evangelho. Afastam-se da verdade os que, sabendo que não temos aqui na terra uma cidade permanente, mas que vamos em demanda da futura (13), pensam que podem por isso descuidar os seus deveres terrenos, sem atenderem a que a própria fé ainda os obriga mais a cumpri-los, segundo a vocação própria de cada um (14). Mas não menos erram os que, pelo contrário, opinam poder entregar-se às ocupações terrenas, como se estas fossem inteiramente alheias à vida religiosa, a qual pensam consistir apenas no cumprimento dos actos de culto e de certos deveres morais. Este divórcio entre a fé que professam e o comportamento quotidiano de muitos deve ser contado entre os mais graves erros do nosso tempo. Já no Antigo Testamento os profetas denunciam este escândalo (15); no Novo, Cristo ameaçou-o ainda mais veementemente com graves castigos (16). Não se oponham, pois, infundadamente, as actividades profissionais e sociais, por um lado, e a vida religiosa, por outro. O cristão que descuida os seus deveres temporais, falta aos seus deveres para com o próximo e até para com o próprio Deus, e põe em risco a sua salvação eterna. A exemplo de Cristo que exerceu um mister de operário, alegrem-se antes os cristãos por poderem exercer todas as actividades terrenas, unindo numa síntese vital todos os seus esforços humanos, domésticos, profissionais, científicos ou técnicos com os valores religiosos, sob cuja elevada ordenação, tudo se coordena para glória de Deus.

As tarefas e actividades seculares competem como próprias, embora não exclusivamente, aos leigos. Por esta razão, sempre que, sós ou associados, actuam como cidadãos do mundo, não só devem respeitar as leis próprias de cada domínio, mas procurarão alcançar neles uma real competência. Cooperarão de boa vontade com os homens que prosseguem os mesmos fins. Reconhecendo quais são as exigências da fé, e por ela robustecidos, não hesitem, quando for oportuno, em idear novas iniciativas e levá-las a realização. Compete à sua consciência prèviamente bem formada, imprimir a lei divina na vida da cidade terrestre. Dos sacerdotes, esperem os leigos a luz e força espiritual. Mas não pensem que os seus pastores estão sempre de tal modo preparados que tenham uma solução pronta para qualquer questão, mesmo grave, que surja, ou que tal é a sua missão. Antes, esclarecidos pela sabedoria cristã, e atendendo à doutrina do magistério (17), tomem por si mesmos as próprias responsabilidades.

Muitas vezes, a concepção cristã da vida incliná-los-á para determinada solução, em certas circunstâncias concretas. Outros fiéis, porém, com não menos sinceridade, pensarão diferentemente acerca do mesmo assunto, como tantas vezes acontece, e legitimamente. Embora as soluções propostas por uma e outra parte, mesmo independentemente da sua intenção, sejam por muitos fàcilmente vinculadas à mensagem evangélica, devem, no entanto, lembrar-se de que a ninguém é permitido, em tais casos, invocar exclusivamente a favor da própria opinião a autoridade da Igreja. Mas procurem sempre esclarecer-se mutuamente, num diálogo sincero, salvaguardando a caridade recíproca e atendendo, antes de mais, ao bem comum.

Os leigos, que devem tomar parte activa em toda a vida da Igreja, não devem apenas impregnar o mundo com o espírito cristão, mas são também chamados a serem testemunhas de Cristo, em todas as circunstâncias, no seio da comunidade humana.

Quanto aos Bispos, a quem está confiado o encargo de governar a Igreja de Deus, preguem juntamente com os seus sacerdotes a mensagem de Cristo de tal maneira que todas as actividades terrenas dos fiéis sejam penetradas pela luz do Evangelho. Lembrem-se, além disso, os pastores que, com o seu comportamento e solicitude quotidanos (18), manifestam ao mundo o rosto da Igreja com base no qual os homens julgam da força e da verdade da mensagem cristã. Com a sua vida e palavra, juntos com os religiosos e os seus fiéis, mostrem que a Igreja, com todos os dons que contém em si, é só pela sua simples presença uma fonte inexaurível daquelas virtudes de que tanto necessita o mundo de hoje. Por meio de assíduo estudo, tornem-se capazes de tomar parte no diálogo com o mundo e com os homens de qualquer opinião. Mas sobretudo, tenham no seu coração as palavras deste Concílio: «Dado que o género humano caminha hoje cada vez mais para a unidade civil, económica e social, tanto mais necessário é que os sacerdotes em conjunto e sob a direcção dos Bispos e do Sumo Pontífice, evitem todo o motivo de divisão, para que a humanidade toda seja conduzida à unidade da família de Deus» (19).

Ainda que a Igreja, pela virtude do Espírito Santo, se tenha mantido esposa fiel do Senhor e nunca tenha deixado de ser um sinal de salvação no mundo, no entanto, ela não ignora que entre os seus membros (20), clérigos ou leigos, não faltaram, no decurso de tantos séculos, alguns que foram infiéis ao Espírito de Deus. E também nos nossos dias, a Igreja não deixa de ver quanta distância separa a mensagem por ela proclamada e a humana fraqueza daqueles a quem foi confiado o Evangelho. Seja qual for o juízo da história acerca destas deficiências, devemos delas ter consciência e combatê-las com vigor, para que não sejam obstáculo à difusão, do Evangelho. Também sabe a Igreja quanto deve aprender com a experiência dos séculos, no que se refere ao desenvolvimento das suas relações com o mundo. Conduzida pelo Espírito Santo, a Igreja mãe «exorta sem cessar os seus filhos a que se purifiquem e renovem, para que o sinal de Cristo brilhe mais claramente no rosto da Igreja» (21).

Ajuda que a Igreja recebe do mundo

44. Assim como é do interesse do mundo que ele reconheça a Igreja como realidade social da história e seu fermento, assim também a Igreja não ignora quanto recebeu da história e evolução do género humano.

A experiência dos séculos passados, os progressos científicos, os tesoiros encerrados nas várias formas de cultura humana, os quais manifestam mais plenamente a natureza do homem e abrem novos caminhos para a verdade, aproveitam igualmente à Igreja. Ela aprendeu, desde os começos da sua história, a formular a mensagem de Cristo por meio dos conceitos e línguas dos diversos povos, e procurou ilustrá-la com o saber filosófico. Tudo isto com o fim de adaptar o Evangelho à capacidade de compreensão de todos e às exigências dos sábios. Esta maneira adaptada de pregar a palavra revelada deve permanecer a lei de toda a evangelização. Deste modo, com efeito, suscita-se em cada nação a possibilidade de exprimir a mensagem de Cristo segundo a sua maneira própria, ao mesmo tempo que se fomenta um intercâmbio vivo entre a Igreja e as diversas culturas dos diferentes povos (22). Para aumentar este intercâmbio, necessita especialmente a Igreja - sobretudo hoje, em que tudo muda tão ràpidamente e os modos de pensar variam tanto - da ajuda daqueles que, vivendo no mundo, conhecem bem o espírito e conteúdo das várias instituições e disciplinas, sejam eles crentes ou não. É dever de todo o Povo de Deus e sobretudo dos pastores e teólogos, com a ajuda do Espírito Santo, saber ouvir, discernir e interpretar as várias linguagens do nosso tempo, e julgá-las à luz da palavra de Deus, de modo que a verdade revelada possa ser cada vez mais intimamente percebida, melhor compreendida e apresentada de um modo conveniente.

Como a Igreja tem uma estrutura social visível, sinal da sua unidade em Cristo, pode também ser enriquecida, e de facto o é, com a evolução da vida social. Não porque falte algo na constituição que Cristo lhe deu, mas para mais profundamente a conhecer e melhor a exprimir e para a adaptar mais convenientemente aos nossos tempos. Ela verifica com gratidão que, tanto no seu conjunto como em cada um dos seus filhos, recebe variadas ajudas dos homens de toda a classe e condição. Na realidade, todos os que, de acordo com a vontade de Deus, promovem a comunidade humana no plano familiar, cultural, da vida económica e social e também política, seja nacional ou internacional, prestam não pequena ajuda à comunidade eclesial, na medida em que esta depende das realidades exteriores.

Mais ainda, a Igreja reconhece que muito aproveitou e pode aproveitar da própria oposição daqueles que a hostilizam e perseguem (23).

Jesus Cristo Alfa e Omega

45. Ao ajudar o mundo e recebendo dele ao mesmo tempo muitas coisas, o único fim da Igreja é o advento do reino de Deus e o estabelecimento da salvação de todo o género humano. E todo o bem que o Povo de Deus pode prestar à família dos homens durante o tempo da sua peregrinação deriva do facto que a Igreja é o «sacramento universal da salvação» (24), manifestando e actuando simultâneamente o mistério do amor de Deus pelos homens.

Com efeito, o próprio Verbo de Deus, por quem tudo foi feito, fez-se homem, para, homem perfeito, a todos salvar e tudo recapitular. O Senhor é o fim da história humana, o ponto para onde tendem os desejos da história e da civilização, o centro do género humano, a alegria de todos os corações e a plenitude das suas aspirações (25). Foi Ele que o Pai ressuscitou dos mortos, exaltou e colocou à sua direita, estabelecendo-o juiz dos vivos e dos mortos. Vivificados e reunidos no seu Espírito, caminhamos em direcção à consumação da história humana, a qual corresponde plenamente ao seu desígnio de amor: «recapitular todas as coisas em Cristo, tanto as do céu como as da terra» (Ef. 1,10).

O próprio Senhor o diz: «Eis que venho em breve, trazendo comigo a minha recompensa, para dar a cada um segundo as suas obras. Eu sou o alfa e o ómega, o primeiro e o último, o começo e o fim» (Apoc. 22, 12-13).

II PARTE

ALGUNS PROBLEMAS MAIS URGENTES

Atitude do Concílio perante esses problemas

46. Depois de ter exposto a dignidade da pessoa humana, bem como a missão individual e social que está chamada a realizar no mundo, o Concílio dirige agora a atenção de todos, à luz do Evangelho e da experiência humana, para algumas necessidades mais urgentes do nosso tempo, que profundamente afectam a humanidade.

Entre as muitas questões que hoje a todos preocupam, importa relevar particularmente as seguintes: o matrimónio e a família, a cultura humana, a vida económico-social e política, a comunidade internacional e a paz. Sobre cada uma delas devem resplandecer os princípios e as luzes que provêm de Cristo e que dirigirão os cristãos e iluminarão todos os homens na busca da solução para tantos e tão complexos problemas.

CAPÍTULO I

A PROMOÇÃO DA DIGNIDADE DO MATRIMÓNIO E DA FAMÍLIA

O matrimónio e a família no mundo actual

47. O bem-estar da pessoa e da sociedade humana e cristã está intimamente ligado com uma favorável situação da comunidade conjugal e familiar. Por esse motivo, os cristãos, juntamente com todos os que têm em grande apreço esta comunidade, alegram-se sinceramente com os vários factores que fazem aumentar entre os homens a estima desta comunidade de amor e o respeito pela vida e que auxiliam os cônjuges e os pais na sua sublime missão. Esperam daí ainda melhores resultados e esforçam-se por os ampliar.

Porém, a dignidade desta instituição não resplandece em toda a parte com igual brilho. Encontra-se obscurecida pela poligamia, pela epidemia do divórcio, pelo chamado amor livre e outras deformações. Além disso, o amor conjugal é muitas vezes profanado pelo egoísmo, amor do prazer e por práticas ilícitas contra a geração. E as actuais condições económicas, socio-psicológicas e civis introduzem ainda na família não pequenas perturbações. Finalmente, em certas partes do globo, verificam-se, com inquietação, os problemas postos pelo aumento demográfico. Com tudo isto, angustiam-se as consciências. Mas o vigor e a solidez da instituição matrimonial e familiar também nisto se manifestam: as profundas transformações da sociedade contemporânea, apesar das dificuldades a que dão origem, muito frequentemente revelam de diversos modos a verdadeira natureza de tal instituição.

Por tal motivo, o Concílio, esclarecendo alguns pontos da doutrina da Igreja, deseja ilustrar e robustecer os cristãos e todos os homens que se esforçam por proteger e fomentar a nativa dignidade do estado matrimonial e o seu alto e sagrado valor.

A santidade do matrimónio e da família

48. A íntima comunidade da vida e do amor conjugal, fundada pelo Criador e dotada de leis próprias, é instituída por meio da aliança matrimonial, eu seja pelo irrevogável consentimento pessoal. Deste modo, por meio do acto humano com o qual os cônjuges mùtuamente se dão e recebem um ao outro, nasce uma instituição também à face da sociedade, confirmada pela lei divina. Em vista do bem tanto dos esposos e da prole como da sociedade, este sagrado vínculo não está ao arbítrio da vontade humana. O próprio Deus é o autor do matrimónio, o qual possui diversos bens e fins,(1) todos eles da máxima importância, quer para a propagação do género humano, quer para o proveito pessoal e sorte eterna de cada um dos membros da família, quer mesmo, finalmente, para a dignidade, estabilidade, paz e prosperidade de toda a família humana. Por sua própria índole, a instituição matrimonial e o amor conjugal estão ordenados para a procriação e educação da prole, que constituem como que a sua coroa. O homem e a mulher, que, pela aliança conjugal «já não são dois, mas uma só carne» (Mt. 19, 6), prestam-se recíproca ajuda e serviço com a íntima união das suas pessoas e actividades, tomam consciência da própria unidade e cada vez mais a realizam. Esta união íntima, já que é o dom recíproco de duas pessoas, exige, do mesmo modo que o bem dos filhos, a inteira fidelidade dos cônjuges e a indissolubilidade da sua união (2).

Cristo Senhor abençoou copiosamente este amor de múltiplos aspectos, nascido da fonte divina da caridade e constituído à imagem da sua própria união com a Igreja. E assim como outrora Deus veio ao encontro do seu povo com uma aliança de amor e fidelidade (3), assim agora o Salvador dos homens e esposo da Igreja (4) vem ao encontro dos esposos cristãos com o sacramento do matrimónio. E permanece com eles, para que, assim como Ele amou a Igreja e se entregou por ela (5), de igual modo os cônjuges, dando-se um ao outro, se amem com perpétua fidelidade. O autêntico amor conjugal é assumido no amor divino, e dirigido e enriquecido pela força redentora de Cristo e pela acção salvadora da Igreja, para que, assim, os esposos caminhem eficazmente para Deus e sejam ajudados e fortalecidos na sua missão sublime de pai e mãe(6). Por este motivo, os esposos cristãos são fortalecidos e como que consagrados em ordem aos deveres do seu estado por meio de um sacramento especial (7); cumprindo, graças à força deste, a própria missão conjugal e familiar, penetrados do espírito de Cristo que impregna toda a sua vida de fé, esperança e caridade, avançam sempre mais na própria perfeição e mútua santificação e cooperam assim juntos para a glorificação de Deus.

Precedidos assim pelo exemplo e oração familiar dos pais, tanto os filhos como todos os que vivem no círculo familiar encontrarão mais fàcilmente o caminho da existência humana, da salvação e da santidade. Quanto aos esposos, revestidos com a dignidade e o encargo da paternidade e maternidade, cumprirão diligentemente o seu dever de educação, sobretudo religiosa, que a eles cabe em primeiro lugar. Os filhos, como membros vivos dá família, contribuem a seu modo para a santificação dos pais. Corresponderão, com a sua gratidão, piedade filial e confiança aos benefícios recebidos dos pais e assisti-los-ão, como bons filhos, nas dificuldades e na solidão da velhice. A viuvez, corajosamente assumida na sequência da vocação conjugal, por todos deve ser respeitada (8). Cada família comunicará generosamente com as outras as próprias riquezas espirituais. Por isso, a família cristã, nascida de um matrimónio que é imagem e participação da aliança de amor entre Cristo e a Igreja (9), manifestará a todos a presença viva do Salvador no mundo e a autêntica natureza da Igreja, quer por meio do amor dos esposos, quer pela sua generosa fecundidade, unidade e fidelidade, quer pela amável cooperação de todos os seus membros.

O amor conjugal

49. A Palavra de Deus convida repetidas vezes os noivos a alimentar e robustecer o seu noivado com um amor casto, e os esposos a sua união com um amor indiviso (10). E também muitos dos nossos contemporâneos têm em grande apreço o verdadeiro amor entre marido e mulher, manifestado de diversas maneiras, de acordo com os honestos costumes dos povos e dos tempos. Esse amor, dado que é eminentemente humano - pois vai de pessoa a pessoa com um afecto voluntário - compreende o bem de toda a pessoa e, por conseguinte, pode conferir especial dignidade às manifestações do corpo e do espírito, enobrecendo-as como elementos e sinais peculiares do amor conjugal. E o Senhor dignou-se sanar, aperfeiçoar e elevar este amor com um dom especial de graça e caridade. Unindo o humano e o divino, esse amor leva os esposos ao livre e recíproco dom de si mesmos, que se manifesta com a ternura do afecto e, com as obras, e penetra toda a sua vida (11); e aperfeiçoa-se e aumenta pela sua própria generosa actuação. Ele transcende, por isso, de longe a mera inclinação erótica, a qual, fomentada egoìsticamente, rápida e miseràvelmente se desvanece.

Este amor tem a sua expressão e realização peculiar no acto próprio do matrimónio. São, portanto, honestos e dignos os actos pelos quais os esposos se unem em intimidade e pureza; realizados de modo autênticamente humano, exprimem e alimentam a mútua entrega pela qual se enriquecem um ao outro na alegria e gratidão. Esse amor, ratificado pela promessa de ambos e, sobretudo, sancionado pelo sacramento de Cristo, é indissolùvelmente fiel, de corpo e de espírito, na prosperidade e na adversidade; exclui, por isso, toda e qualquer espécie de adultério e divórcio. A unidade do matrimónio, confirmada pelo Senhor, manifesta-se também claramente na igual dignidade da mulher e do homem que se deve reconhecer no mútuo e pleno amor. Mas, para cumprir com perseverança os deveres desta vocação cristã, requere-se uma virtude notável; por este motivo, hão-de os esposos, fortalecidos pela graça para levarem uma vida de santidade, cultivar assiduamente e impetrar com a oração a fortaleza do próprio amor, a magnanimidade e o espírito de sacrifício.

O autêntico amor conjugal será mais apreciado, e formar-se-á a seu respeito uma sã opinião pública, se os esposos cristãos derem um testemunho eminente de fidelidade e harmonia e de solicitude na educação dos filhos e se participarem na necessária renovação cultural, psicológica e social em favor do casamento e da família. Os jovens devem ser conveniente e oportunamente instruídos, sobretudo no seio da própria família, acerca da dignidade, missão e exercício do amor conjugal. Deste modo, educados na castidade, poderão, chegada a idade conveniente, entrar no casamento depois dum noivado puro.

A fecundidade do matrimônio

50. O matrimónio e o amor conjugal ordenam-se por sua própria natureza à geração e educação da prole. Os filhos são, sem dúvida, o maior dom do matrimónio e contribuem muito para o bem dos próprios pais. O mesmo Deus que disse «não é bom que o homem esteja só» (Gén. 2,88) e que «desde a origem fez o homem varão e mulher» (Mt. 19,14), querendo comunicar-lhe uma participação especial na Sua obra criadora, abençoou o homem e a mulher dizendo: «sede fecundos e multiplicai-vos» (Gén. 1,28). Por isso, o autêntico cultivo do amor conjugal, e toda a vida familiar que dele nasce, sem pôr de lado os outros fins do matrimónio, tendem a que os esposos, com fortaleza de ânimo, estejam dispostos a colaborar com o amor do criador e salvador, que por meio deles aumenta cada dia mais e enriquece a sua família.

Os esposos sabem que no dever de transmitir e educar a vida humana - dever que deve ser considerado como a sua missão específica - eles são os cooperadores do amor de Deus criador e como que os seus intérpretes. Desempenhar-se-ão, portanto, desta missão com a sua responsabilidade humana e cristã; com um respeito cheio de docilidade para com Deus, de comum acordo e com esforço comum, formarão rectamente a própria consciência, tendo em conta o seu bem próprio e o dos filhos já nascidos ou que prevêem virão a nascer, sabendo ver as condições de tempo e da própria situação e tendo, finalmente, em consideração o bem da comunidade familiar, da sociedade temporal e da própria Igreja. São os próprios esposos que, em última instância, devem diante de Deus tomar esta decisão. Mas, no seu modo de proceder, tenham os esposos consciência de que não podem agir arbitràriamente, mas que sempre se devem guiar pela consciência, que se deve conformar com a lei divina, e ser dóceis ao magistério dia Igreja, que autenticamente a interpreta à luz do Evangelho. Essa lei divina manifesta a plena significação do amor conjugal, protege-o e estimula-o para a sua perfeição autenticamente humana. Assim, os esposos cristãos, confiados na divina Providência e cultivando o espírito de sacrifício (12), dão glória ao Criador e caminham para a perfeição em Cristo quando se desempenham do seu dever de procriar com responsabilidade generosa, humana e cristã. Entre os esposos que deste modo satisfazem à missão que Deus lhes confiou, devem ser especialmente lembrados aqueles que, de comum acordo e com prudência, aceitam com grandeza de ânimo educar uma prole numerosa (13).

No entanto, o matrimónio não foi instituído só em ordem à procriação da prole. A própria natureza da aliança indissolúvel entre as pessoas e o bem da prole exigem que o mútuo amor dos esposos se exprima convenientemente, aumente e chegue à maturidade. E por isso, mesmo que faltem os filhos, tantas vezes ardentemente desejados, o matrimónio conserva o seu valor e indissolubilidade, como comunidade e comunhão de toda a vida.

O amor conjugal e o respeito pela vida humana

51. O Concílio não ignora que os esposos, na sua vontade de conduzir harmònicamente a própria vida conjugal, encontram frequentes dificuldades em certas circunstâncias da vida actual; que se podem encontrar em situações em que, pelo menos temporàriamente, não lhes é possível aumentar o número de filhos e em que só dificilmente se mantêm a fidelidade do amor e a plena comunidade de vida. Mas quando se suspende a intimidade da vida conjugal, não raro se põe em risco a fidelidade e se compromete o bem da prole; porque, nesse caso, ficam ameaçadas tanto a educação dos filhos como a coragem necessária para ter mais filhos.

Não falta quem se atreva a dar soluções imorais a estes problemas, sem recuar sequer perante o homicídio. Mas a Igreja recorda que não pode haver verdadeira incompatibilidade entre as leis divinas que regem a transmissão da vida e o desenvolvimento do autêntico amor conjugal.

Com efeito, Deus, senhor da vida, confiou aos homens, para que estes desempenhassem dum modo digno dos mesmos homens, o nobre encargo de conservar a vida. Esta deve, pois, ser salvaguardada, com extrema solicitude, desde o primeiro momento da concepção; o aborto e o infanticídio são crimes abomináveis. A índole sexual humana e o poder gerador do homem, eles superam de modo admirável o que se encontra nos graus inferiores da vida; daqui se segue que os mesmos actos específicos da vida conjugal, realizados segundo a autêntica dignidade humana, devem ser objecto de grande respeito. Quando se trata, portanto, de conciliar o amor conjugal com a transmissão responsável da vida, a moralidade do comportamento não depende apenas da sinceridade da intenção e da apreciação dos motivos; deve também determinar-se por critérios objectivos, tomados da natureza da pessoa e dos seus actos; critérios que respeitem, num contexto de autêntico amor, o sentido da mútua doação e da procriação humana. Tudo isto só é possível se se cultivar sinceramente a virtude da castidade conjugal. Segundo estes princípios, não é lícito aos filhos da Igreja adoptar, na regulação dos nascimentos, caminhos que o magistério, explicitando a lei divina, reprova (14).

Todos, finalmente, tenham bem presente que a vida humana e a missão de a transmitir não se limitam a este mundo, nem podem ser medidas ou compreendidas ùnicamente em função dele, mas que estão sempre relacionadas com o eterno destino do homem.

O progresso e a promoção do matrimónio e da família

52. A família é como que uma escola de valorização humana. Para que esteja em condições de alcançar a plenitude da sua vida e missão, exige, porém, a benévola comunhão de almas e o comum acordo dos esposos, e a diligente cooperação dos pais na educação dos filhos. A presença activa do pai contribui poderosamente para a formação destes; mas é preciso assegurar também a assistência ao lar por parte da mãe, da qual os filhos, sobretudo os mais pequenos, têm tanta necessidade; sem descurar, aliás, a legítima promoção social da mulher. Os filhos sejam educados de tal modo que, chegados à idade adulta, sejam capazes de seguir com inteira responsabilidade a sua vocação, incluindo a sagrada, e escolher um estado de vida; e, se casarem, possam constituir uma família própria, em condições morais, sociais e económicas favoráveis. Compete aos pais ou tutores guiar os jovens na constituição da família com prudentes conselhos que eles devem ouvir de bom grado; mas evitem cuidadosamente forçá-los, directa ou indirectamente, a casar-se ou a escolher o cônjuge.

A família - na qual se congregam as diferentes gerações que reciprocamente se ajudam a alcançar uma sabedoria mais plena e a conciliar os direitos pessoais com as outras exigências da vida social - constitui assim o fundamento da sociedade. E por esta razão, todos aqueles que têm alguma influência nas comunidades e grupos sociais, devem contribuís eficazmente para a promoção do matrimónio e da família. A autoridade civil há-de considerar como um dever sagrado reconhecer, proteger e favorecer a sua verdadeira natureza, assegurar a moralidade pública e fomentar a prosperidade doméstica. Deve salvaguardar-se o direito de os pais gerarem e educarem os filhos no seio da família. Protejam-se também e ajudem-se convenientemente, por meio duma previdente legislação e com iniciativas várias, aqueles que por infelicidade não beneficiam duma família.

Os cristãos, resgatando o tempo presente (15), e distinguindo o que é eterno das formas mutáveis, promovam com empenho o bem do matrimónio e da família, com o testemunho da própria vida e cooperando com os homens de boa vontade; deste modo, superando as dificuldades, proverão às necessidades e vantagens da família, de acordo com os novos tempos. Para alcançar este fim, muito ajudarão o sentir cristão dos fiéis, a rectidão de consciência moral dos homens, bem como o saber e competência dos que se dedicam às ciências sagradas.

Os cientistas, particularmente os especialistas nas ciências biológicas, médicas, sociais e psicológicas, podem prestar um grande serviço para bem do matrimónio e da família se, juntando os seus esforços, procurarem esclarecer mais profundamente as condições que favorecem a honesta regulação da procriação humana.

Cabe aos sacerdotes, devidamente informados acerca das realidades familiares, auxiliar a vocação dos esposos na sua vida conjugal e familiar por vários meios pastorais, com a pregação da palavra de Deus, o culto litúrgico e outras ajudas espirituais; devem ainda fortalecê-los, com bondade e paciência, nas suas dificuldades e reconfortá-los com a caridade, para que assim se formem famílias verdadeiramente irradiantes.

As diferentes obras, sobretudo as associações de famílias, procurem fortalecer com a doutrina e a acção os jovens e os esposos, especialmente os casados de há pouco, e formá-los para a vida familiar, social e apostólica.

Finalmente, os próprios esposos, feitos à imagem de Deus e estabelecidos numa ordem verdadeiramente pessoal, estejam unidos em comunhão de afecto e de pensamento e com mútua santidade (16) de modo que, seguindo a Cristo, princípio da vida (17), se tornem, pela fidelidade do seu amor, através das alegrias e sacrifícios da sua vocação, testemunhas daquele mistério de amor que Deus revelou ao mundo com a sua morte e ressurreição (18).

CAPÍTULO II

A CONVENIENTE PROMOÇÃO DO PROGRESSO CULTURAL

A cultura e a sua relação com o homem

53. É próprio da pessoa humana necessitar da cultura, isto é, de desenvolver os bens e valores da natureza, para chegar a uma autêntica e plena realização. Por isso, sempre que se trata da vida humana, natureza e cultura encontram-se intimamente ligadas.

A palavra «cultura» indica, em geral, todas as coisas por meio das quais o homem apura e desenvolve as múltiplas capacidades do seu espírito e do seu corpo; se esforça por dominar, pelo estudo e pelo trabalho, o próprio mundo; torna mais humana, com o progresso dos costumes e das instituições, a vida social, quer na família quer na comunidade civil; e, finalmente, no decorrer do tempo, exprime, comunica aos outros e conserva nas suas obras, para que sejam de proveito a muitos e até à inteira humanidade, as suas grandes experiências espirituais e as suas aspirações.

Daqui se segue que a cultura humana implica necessàriamente um aspecto histórico e social e que o termo «cultura» assume frequentemente um sentido sociológico e etnológico. É neste sentido que se fala da pluralidade das culturas. Com efeito, diferentes modos de usar das coisas, de trabalhar e de se exprimir, de praticar a religião e de formar os costumes, de estabelecer leis e instituições jurídicas, de desenvolver as ciências e as artes e de cultivar a beleza, dão origem a diferentes estilos de vida e diversas escalas de valores. E assim, a partir dos usos tradicionais, se constitui o património de cada comunidade humana. Define-se também por este modo o meio histórico determinado no qual se integra o homem raça ou época, e do qual tira os bens necessários para a promoção da civilização.

Secção 1

CONDIÇÕES DA CULTURA NO MUNDO ACTUAL

Novos estilos de vida

54. As condições de vida do homem moderno sofreram tão profunda transformação no campo social e cultural, que é lícito falar duma nova era da história humana (1). Novos caminhos se abrem assim ao progresso e difusão da cultura, preparados pelo imenso avanço das ciências naturais, humanas e sociais, pelo desenvolvimento das técnicas e pelo progresso no aperfeiçoamento e coordenação dos meios de comunicação. Daqui provêm algumas notas características da cultura actual: as chamadas ciências exactas desenvolvem grandemente o sentido crítico; as recentes investigações psicológicas explicam profundamente a actividade humana; as disciplinas históricas contribuem muito para considerar as coisas sob o seu aspecto mutável e evolutivo; as maneiras de viver e os costumes tornam-se cada vez mais uniformes; a industrialização, a urbanização e outras causas que favorecem a vida comunitária, criam novas formas de cultura de que resultam novas maneiras de sentir e de agir e de utilizar o tempo livre; o aumento de intercâmbio entre os vários povos e grupos sociais revela mais amplamente a todos e a cada um os tesouros das várias formas de cultura, preparando-se deste modo, progressivamente, um tipo mais universal de cultura humana, a qual tanto mais favorecerá e expressará a unidade do género humano, quanto melhor souber respeitar as peculiaridades das diversas culturas.

O homem, autor da cultura

55. Cresce cada vez mais o número dos homens e mulheres, de qualquer grupo ou nação, que têm consciência de serem os artífices e autores da cultura da própria comunidade. Aumenta também cada dia mais no mundo inteiro o sentido da autonomia e responsabilidade, o qual é de máxima importância para a maturidade espiritual e moral do género humano. O que aparece ainda mais claramente, se tivermos diante dos olhos a unificação do mundo e o encargo que nos incumbe de construirmos, na verdade e na justiça, um mundo melhor. Somos assim testemunhas do nascer de um novo humanismo, no qual o homem se define antes de mais pela sua responsabilidade com relação aos seus irmãos e à história.

Antinomias da cultura actual e actuação do homem

56. Nestas condições, não é de admirar que o homem, sentindo a responsabilidade que tem na promoção da cultura, alimente mais dilatadas esperanças, e ao mesmo tempo encare com inquietação as múltiplas antinomias existentes e que ele tem de resolver.

Que se deve fazer para que os frequentes contactos entre culturas, que deveriam levar os diferentes grupos e culturas a um diálogo verdadeiro e fecundo, não perturbem a vida das comunidades, ou subvertam a sabedoria dos antigos, ou ponham em perigo o génio próprio de cada povo?

Como fomentar o dinamismo e expansão da nova cultura, sem deixar perder a fidelidade viva à herança tradicional? Problema que se põe com particular acuidade quando se trata de harmonizar uma cultura nascida dum grande progresso das ciências e da técnica com a que se alimenta dos estudos clássicos das diversas tradições.

Como conciliar a rápida e progressiva especialização das várias disciplinas com a necessidade de construir a sua síntese e ainda de conservar no homem as capacidades de contemplação e admiração que conduzem à sabedoria?

Que fazer para que todos os homens participem dos bens culturais, uma vez que a cultura das elites é cada vez mais elevada e complexa? Enfim, como reconhecer a legitimidade da autonomia que a cultura reclama, sem cair num humanismo meramente terreno ou até hostil à religião?

É preciso, que, no meio de todas estas antinomias, a cultura humana progrida hoje de tal modo, que desenvolva harmónica e integralmente a pessoa humana e ajude os homens no desempenho das tarefas a que todos, e sobretudo os cristãos, estão chamados, fraternalmente unidos numa única família humana.

Secção 2

ALGUNS PRINCÍPIOS PARA A CONVENIENTE PROMOÇÃO DA CULTURA

Fé e cultura

57. Os cristãos, peregrinos da cidade celestial, devem buscar e saborear as coisas do alto (2). Mas, com isso, de modo algum diminui, antes aumenta a importância do seu dever de colaborar com todos os outros homens na edificação dum mundo mais humano. E, na verdade, o mistério da fé cristã fornece-lhes valiosos estímulos e ajudas para cumprirem mais intensamente essa missão e sobretudo para descobrirem o pleno significado de tal actividade, assinalando assim o lugar privilegiado da cultura na vocação integral do homem.

Quando o homem, usando as suas mãos ou recorrendo à técnica, trabalha a terra para que ela produza frutos e se torne habitação digna para toda a humanidade, ou quando participa conscientemente na vida social dos diversos grupos, está a dar realização à vontade que Deus manifestou no começo dos tempos, de que dominasse a terra (3) e completasse a obra da criação, ao mesmo tempo que se vai aperfeiçoando a si mesmo; cumpre igualmente o mandamento de Cristo, de se consagrar ao serviço de seus irmãos.

Além disso, dedicando-se às várias disciplinas da história, filosofia, ciências matemáticas e naturais, e cultivando as artes, pode o homem ajudar muito a família humana a elevar-se a concepções mais sublimes da verdade, do bem e da beleza e a um juízo de valor universal, e ser assim luminosamente esclarecida por aquela admirável sabedoria, que desde a eternidade estava junto de Deus, dispondo com Ele todas as coisas, e encontrando as suas delícias em estar com os filhos dos homens (4).

Pelo mesmo facto, o espírito do homem, mais liberto da escravidão das coisas, pode mais fàcilmente levantar-se ao culto e contemplação do Criador. Mais ainda, dispõe-se assim, sob o impulso da graça, a reconhecer o Verbo de Deus, o qual antes de se fazer homem para tudo salvar e em si recapitular, já «estava no mundo», como «verdadeira luz que ilumina todo o homem» (Jo. 1, 9-10) (5).

O progresso hodierno das ciências e das técnicas que, em virtude do seu próprio método, não penetram até às causas últimas das coisas, pode sem dúvida dar aso a certo fenomenismo e agnosticismo, sempre que o método de investigação de que usam estas disciplinas se arvora indevidamente em norma suprema de toda a investigação da verdade. É mesmo de temer que o homem, fiando-se demasiadamente nas descobertas actuais, julgue que se basta a si mesmo e já não procure coisas mais altas.

Estas deploráveis manifestações não são, porém, consequências necessárias da cultura actual, nem nos devem fazer cair na tentação de desconhecer os seus valores positivos. Tais são, entre outros: o gosto das ciências e a exacta objectividade nas investigações científicas; a necessidade de colaborar com os outros nas equipas técnicas; o sentido de solidariedade internacional; a consciência cada vez mais nítida da responsabilidade que os sábios têm de ajudar e até de proteger os homens; a vontade de tornar as condições de vida melhores para todos e especialmente para aqueles que sofrem da privação de responsabilidade ou de pobreza cultural. Tudo isto pode constituir uma certa preparação para a recepção da mensagem evangélica, preparação que pode ser informada com a caridade divina por Aquele que veio para salvar o mundo.

A mensagem de Cristo e a cultura humana

58. Múltiplos laços existem entre a mensagem da salvação e a cultura humana. Deus, com efeito, revelando-se ao seu povo até à plena manifestação de Si mesmo no Filho encarnado, falou segundo a cultura própria de cada época.

Do mesmo modo, a Igreja, vivendo no decurso dos tempos em diversos condicionalismos, empregou os recursos das diversas culturas para fazer chegar a todas as gentes a mensagem de Cristo, para a explicar, investigar e penetrar mais profundamente e para lhe dar melhor expressão na celebração da Liturgia e na vida da multiforme comunidade dos fiéis.

Mas, por outro lado, tendo sido enviada aos homens de todos os tempos e lugares, a Igreja não está exclusiva e indissolùvelmente ligada . a nenhuma raça ou nação, a nenhum género de vida particular, a nenhuma tradição, antiga ou moderna. Aderindo à própria tradição e, ao mesmo tempo, consciente da sua missão universal, é capaz de entrar em comunicação com as diversas formas de cultura, com o que se enriquecem tanto a própria Igreja como essas várias culturas.

O Evangelho de Cristo renova continuamente a vida e cultura do homem decaído, e combate e elimina os erros e males nascidos da permanente sedução e ameaça do pecado. Purifica sem cessar e eleva os costumes dos povos. Fecunda como que por dentro, com os tesouros do alto, as qualidades de espírito e os dotes de todos os povos e tempos; fortifica-os, aperfeiçoa-os e restaura-os em Cristo (6). Deste modo, a Igreja, só com realizar a própria missão (7), já com isso mesmo estimula e ajuda a civilização, e com a sua actividade, incluindo a litúrgica, educa a interior liberdade do homem.

Harmonia entre as diversas ordens humanas e culturais

59. Pelas razões aduzidas, a Igreja lembra a todos que a cultura deve orientar-se para a perfeição integral da pessoa humana, para o bem da comunidade e de toda a sociedade. Por isso, é necessário cultivar o espírito de modo a desenvolver-lhe a. capacidade de admirar, de intuir, de contemplar, de formar um juízo pessoal e de cultivar o sentido religioso, moral e social.

Pois a cultura, uma vez que deriva imediatamente da natureza racional e social do homem, tem uma constante necessidade de justa liberdade e de legítima autonomia, de agir segundo os seus próprios princípios para se desenvolver. Com razão, pois, exige ser respeitada e goza duma certa inviolabilidade, salvaguardados, evidentemente, os direitos da pessoa e da comunidade, particular ou universal, dentro dos limites do bem comum.

O sagrado Concílio, recordando o que ensinou o primeiro Concílio do Vaticano, declara que existem «duas ordens de conhecimento» distintas, a da fé e a da razão, e que a Igreja de modo algum proíbe que «as artes e disciplinas humanas usem de princípios e métodos próprios nos seus campos respectivos»; «reconhecendo esta justa liberdade», afirma por isso a legítima autonomia da cultura humana e sobretudo das ciências (8).

Tudo isto requer também que, salvaguardados a ordem moral e o bem comum, o homem possa investigar livremente a verdade, expor e divulgar a sua opinião e dedicar-se a qualquer arte; isto postula, finalmente, que seja informado com verdade dos acontecimentos públicos (9).

À autoridade pública pertence, não determinar o carácter próprio das formas de cultura mas favorecer as condições e as ajudas necessárias para o desenvolvimento cultural de todos, mesmo das minorias de alguma nação (10). Deve, por isso, insistir-se, antes de mais, para que a cultura, desviando-se do seu fim, não seja obrigada a servir as forças políticas ou económicas.

Secção 3

ALGUNS DEVERES MAIS URGENTES DOS CRISTÃOS
COM RELAÇÃO À CULTURA

Reconhecimento do direito do homem à cultura

60. Dado que hoje há a possibilidade de libertar muitos homens da miséria da ignorância, é dever muito próprio do nosso tempo, principalmente para os cristãos, trabalhar enèrgicamente para que, tanto no campo económico como no político, no nacional como no internacional, se estabeleçam os princípios fundamentais segundo os quais se reconheça e se actue em toda a parte efectivamente o direito de todos à cultura correspondente à dignidade humana, sem discriminação de raça, sexo, nação, religião ou situação social. Pelo que a todos se deve suficiente abundância dos bens culturais, sobretudo daqueles que constituem a chamada educação de base, a fim de que muitos, por causa do analfabetismo e da privação duma actividade responsável, não se vejam impedidos de contribuir para o bem comum de modo verdadeiramente humano.

Deve tender-se, portanto, para que todos os que são disso capazes tenham a possibilidade de seguir estudos superiores; de modo que subam na sociedade às funções, cargos e serviços correspondentes às próprias aptidões ou à competência que adquirirem (11). Deste modo, todos os homens e todos os agrupamentos sociais poderão chegar ao pleno desenvolvimento da sua vida cultural, segundo as qualidades e tradições próprias de cada um.

É preciso, além disso, trabalhar muito para que todos tomem consciência, não só do direito à cultura, mas também do dever que têm de se cultivar e de ajudar os outros nesse campo. Existem, com efeito, por vezes, condições de vida e de trabalho que impedem as aspirações culturais dos povos e destroem neles o desejo da cultura. Isto vale especialmente para os camponeses e trabalhadores, aos quais se devem proporcionar condições de trabalho tais que não impeçam mas antes ajudem a sua cultura humana. As mulheres trabalham já em quase todos os sectores de actividade; mas convém que possam exercer plenamente a sua participação, segundo a própria índole. Será um dever para todos reconhecer e fomentar a necessária e específica participação das mulheres na vida cultural.

Educação cultural integral do homem

61. É mais difícil hoje do que outrora fazer uma síntese dos vários ramos do saber e das artes. Porque ao mesmo tempo que aumenta a multidão e diversidade dos elementos que constituem a cultura, diminui para cada homem a possibilidade de os compreender e organizar; a figura do «homem universal» desaparece assim cada vez mais. No entanto, cada homem continua a ter o dever de salvaguardar a integridade da pessoa humana, na qual sobressaem os valores da inteligência, da vontade, da consciência e da fraternidade, valores que se fundam em Deus Criador e por Cristo foram admiràvelmente restaurados e elevados.

A família é, prioritàriamente, como que a mãe e a fonte da educação: nela, os filhos, rodeados de amor, aprendem mais fàcilmente a recta ordem das coisas, enquanto que as formas aprovadas da cultura vão penetrando como que naturalmente na alma dos adolescentes, à medida que vão crescendo.

Para esta mesma educação existem nas sociedades hodiernas, sobretudo graças à crescente difusão de livros e aos novos meios de comunicação cultural e social, possibilidades que podem favorecer a universalização da cultura. Com efeito, com a diminuição generalizada do tempo de trabalho, crescem progressivamente para muitos homens as facilidades para tal. Os tempos livres sejam bem empregados, para descanso do espírito e saúde da alma e do corpo, ora com actividades e estudos livremente escolhidos, ora com viagens a outras regiões (turismo), com as quais sé educa o espírito e os homens se enriquecem com o conhecimento mútuo, ora também com exercícios e manifestações desportivas, que contribuem para manter o equilíbrio psíquico, mesmo na comunidade, e para estabelecer relações fraternas entre os homens de todas as condições e nações, ou de raças diversas . Colaborem, portanto, os cristãos, a fim de que as manifestações e actividades culturais colectivas, características do nosso tempo, sejam penetradas de espírito humano e cristão.

Mas todas estas vantagens não conseguirão levar o homem à educação cultural integral se, ao mesmo tempo, não se tiver o cuidado de investigar o significado profundo da cultura e da ciência para a pessoa humana.

Harmonia entre a cultura humana e a formação cristã

62. Ainda que a Igreja muito tem contribuído para o progresso cultural, mostra, contudo, a experiência que, devido a causas contingentes, a harmonia da cultura com a doutrina nem sempre se realiza sem dificuldades.

Tais dificuldades não são necessàriamente danosas para a vida da fé; antes, podem levar o espírito a uma compreensão mais exacta e mais profunda da mesma fé. Efectivamente, as recentes investigações e descobertas das ciências, da história e da filosofia, levantam novos problemas, que implicam consequências também para a vida e exigem dos teólogos novos estudos. Além disso, os teólogos são convidados a buscar constantemente, de acordo com os métodos e exigências próprias do conhecimento teológico, a forma mais adequada de comunicar a doutrina aos homens do seu tempo; porque uma coisa é o depósito da fé ou as suas verdades, outra o modo como elas se enunciam, sempre, porém, com o mesmo sentido e significado (12). Na actividade pastoral, conheçam-se e apliquem-se suficientemente, não apenas os princípios teológicos, mas também os dados das ciências profanas, principalmente da psicologia e sociologia, para que assim os fiéis sejam conduzidos a uma vida de fé mais pura e adulta.

A literatura e as artes são também, segundo a maneira que lhes é própria, de grande importância para a vida da Igreja. Procuram elas dar expressão à natureza do homem, aos seus problemas e à experiência das suas tentativas para conhecer-se e aperfeiçoar-se a si mesmo e ao mundo; e tentam identificar a sua situação na história e no universo, dar a conhecer as suas misérias e alegrias, necessidades e energias, e desvendar um futuro melhor. Conseguem assim elevar a vida humana, que exprimem sob muito diferentes formas, segundo os tempos e lugares.

Por conseguinte, deve trabalhar-se por que os artistas se sintam compreendidos, na sua actividade, pela Igreja e que, gozando duma conveniente liberdade, tenham mais facilidade de contactos com a comunidade cristã. A Igreja deve também reconhecer as novas formas artísticas, que segundo o génio próprio das várias nações e regiões se adaptam às exigências dos nossos contemporâneos. Sejam admitidas nos templos quando, com linguagem conveniente e conforme às exigências litúrgicas, levantam o espírito a Deus (13).

Deste modo, o conhecimento de Deus é mais perfeitamente manifestado; a pregação evangélica torna-se mais compreensível ao espírito dos homens e aparece como integrada nas suas condições normais de vida.

Vivam, pois, os fiéis em estreita união com os demais homens do seu tempo e procurem compreender perfeitamente o seu modo de pensar e sentir, qual se exprime pela cultura. Saibam conciliar os conhecimentos das novas ciências e doutrinas e últimas descobertas com os costumes e doutrina cristã, a fim de que a prática religiosa e a rectidão moral acompanhem neles o conhecimento científico e o progresso técnico e sejam capazes de apreciar e interpretar todas as coisas com autêntico sentido cristão.

Os que se dedicam às ciências teológicas nos Seminários e Universidades, procurem colaborar com os especialistas doutros ramos do saber, pondo em comum trabalhos e conhecimentos. A investigação teológica deve simultâneamente procurar um profundo conhecimento da verdade revelada e não descurar a ligação com o seu tempo, para que assim possa ajudar os homens formados nas diversas matérias a alcançar um conhecimento mais completo da fé. Esta colaboração ajudará muitíssimo a formação dos ministros sagrados. Estes poderão assim expor de maneira mais adequada aos homens do nosso tempo a doutrina da Igreja acerca de Deus, do homem e do mundo; e a sua palavra por eles melhor acolhida (14). É, mesmo de desejar que muitos leigos adquiram uma conveniente formação nas disciplinas sagradas e que muitos deles se consagrem expressamente a cultivar e aprofundar estes estudos. E para que possam desempenhar bem a sua tarefa, deve reconhecer-se aos fiéis, clérigos ou leigos, uma justa liberdade de investigação, de pensamento e de expressão da própria opinião, com humildade e fortaleza, nos domínios da sua competência (15).

CAPÍTULO III

A VIDA ECONÓMICO-SOCIAL

Alguns aspectos da vida económica actual

63. Também na vida económica e social se devem respeitar e promover a dignidade e a vocação integral da pessoa humana e o bem de toda a sociedade. Com efeito, o homem é o protagonista, o centro e o fim de toda a vida económico-social.

A economia actual, de modo semelhante ao que sucede noutros campos da vida social, é caracterizada por um crescente domínio do homem sobre a natureza, pela multiplicação e intensificação das relações e mútua dependência entre os cidadãos, grupos e nações e, finalmente, por mais frequentes intervenções do poder político. Ao mesmo tempo, o progresso das técnicas de produção e do intercâmbio de bens e serviços fizeram da economia um instrumento capaz de prover mais satisfatòriamente às acrescidas necessidades da família humana.

Mas não faltam motivos de inquietação. Não poucos homens, com efeito, sobretudo nos países econòmicamente desenvolvidos, parecem dominados pela realidade económica; toda a sua vida está penetrada por um certo espírito economístico tanto nas nações favoráveis à economia colectiva como nas outras. No preciso momento em que o progresso da vida económica permite mitigar as desigualdades sociais, se for dirigido e organizado de modo racional e humano, vemo-lo muitas vezes levar ao agravamento das mesmas desigualdades e até em algumas partes a uma regressão dos socialmente débeis e ao desprezo dos pobres. Enquanto multidões imensas carecem ainda do estritamente necessário, alguns, mesmo nas regiões menos desenvolvidas, vivem na opulência e na dissipação. Coexistem o luxo e a miséria. Enquanto um pequeno número dispõe dum grande poder de decisão, muitos estão quase inteiramente privados da possibilidade de agir por própria iniciativa e responsabilidade, e vivem e trabalham em condições indignas da pessoa humana.

Semelhantes desequilíbrios se verificam tanto entre a agricultura, a indústria e os serviços como entre as diferentes regiões do mesmo país. A oposição entre as econòmicamente mais desenvolvidas e as outras torna-se cada vez mais grave e pode pôr em risco a própria paz mundial.

Os nossos contemporâneos têm uma consciência cada vez mais viva destas desigualdades, pois estão convencidos de que as maiores possibilidades técnicas e económicas de que disfruta o mundo actual podem e devem corrigir este funesto estado de coisas. Mas, para tanto, requerem-se muitas reformas na vida económico-social. e uma mudança de mentalidade e de hábitos por parte de todos. Com esse fim, a Igreja, no decurso dos séculos e sobretudo nos últimos tempos, formulou e proclamou à luz do Evangelho os princípios de justiça e equidade, postulados pela recta razão tanto na vida individual e social como na internacional. O sagrado Concílio quer confirmar estes princípios, tendo em conta as condições actuais e dar algumas orientações, tendo presentes antes de mais as exigências do progresso económico(1).

Secção 1

O DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

Desenvolvimento económico ao serviço do homem

64. Hoje, mais do que nunca, para fazer frente ao aumento populacional e satisfazer às crescentes aspirações do género humano, com razão se faz um esforço por aumentar a produção agrícola e industrial e a prestação de serviços. Deve, por isso, favorecer-se o progresso técnico, o espírito de inventiva, a criação e ampliação dos empreendimentos, a adaptação dos métodos e os esforços valorosos de todos os que participam na produção; numa palavra, todos os factores que contribuem para tal desenvolvimento. Mas a finalidade fundamental da produção não é o mero aumento dos produtos, nem o lucro ou o poderio, mas o serviço do homem; do homem integral, isto é, tendo em conta a ordem das suas necessidades materiais e as exigências da sua vida intelectual, moral, espiritual e religiosa; de qualquer homem ou grupo de homens, de qualquer raça ou região do mundo. A actividade económica, regulando-se pelos métodos e leis próprias, deve, portanto, exercer-se dentro dos limites da ordem moral (2), para que assim se cumpra o desígnio de Deus sobre o homem (3).

O controle do desenvolvimento económico

65. O desenvolvimento económico deve permanecer sob a direcção do homem; nem se deve deixar entregue só ao arbítrio de alguns poucos indivíduos ou grupos economicamente mais fortes ou só da comunidade política ou de algumas nações mais poderosas. Pelo contrário, é necessário que, em todos os níveis, tenha parte na sua direcção o maior número possível de homens, ou todas as nações, se se trata de relações internacionais. De igual modo, é necessário que as iniciativas dos indivíduos e das associações livres sejam coordenadas e organizadas harmònicamente com a actividade dos poderes públicos.

O desenvolvimento não se deve abandonar ao simples curso quase mecânico da actividade económica, ou à autoridade pública sòmente. Devem, por isso, denunciar-se como erróneas tanto as doutrinas que, a pretexto duma falsa liberdade, se opõem às necessárias reformas, como as que sacrificam os direitos fundamentais dos indivíduos e das associações à organização colectiva da produção (4).

Lembrem-se, de resto, os cidadãos, ser direito e dever seu, que o poder civil deve reconhecer, contribuir, na medida das próprias possibilidades, para o verdadeiro desenvolvimento da sua comunidade. Sobretudo nas regiões economicamente menos desenvolvidas, onde é urgente o emprego de todos os recursos disponíveis, fazem correr grave risco ao bem comum todos aqueles que conservam improdutivas as suas riquezas ou, salvo o direito pessoal de emigração, privam a própria comunidade dos meios materiais ou espirituais de que necessita.

A remoção das desigualdades económico-sociais

66. Para satisfazer às exigências da justiça e da equidade, é necessário esforçar-se enèrgicamente para que, respeitando os direitos das pessoas e a índole própria de cada povo, se eliminem o mais depressa possível as grandes e por vezes crescentes desigualdades económicas actualmente existentes, acompanhadas da discriminação individual e social. De igual modo, tendo em conta as especiais dificuldades da agricultura em muitas regiões, quer na produção quer na comercialização dos produtos, é preciso ajudar os agricultores no aumento e venda da produção, na introdução das necessárias transformações e inovações e na obtenção dum justo rendimento; para que não continuem a ser, como muitas vezes acontece, cidadãos de segunda categoria. Quanto aos agricultores, sobretudo os jovens, dediquem-se com empenho a desenvolver a própria competência profissional, sem a qual é impossível o progresso da agricultura (5).

É também exigência da justiça e da equidade que a mobilidade, necessária para o progresso económico, seja regulada de tal maneira que a vida dos indivíduos e das famílias não se torne insegura e precária. Deve, portanto, evitar-se cuidadosamente toda e qualquer espécie de discriminação quanto às condições de remuneração ou de trabalho com relação aos trabalhadores oriundos de outro país ou região, que contribuem com o seu trabalho para o desenvolvimento económico da nação ou da província. Além disso, todos, e antes de mais os poderes públicos, devem tratá-los como pessoas, e não como simples instrumentos de produção, ajudá-los para que possam trazer para junto de si a própria família e arranjar conveniente habitação, e favorecer a sua integração na vida social do povo ou da região que os acolhe. Todavia, na medida do possível, criem-se fontes de trabalho nas suas próprias regiões.

Nas economias hoje em transformação, bem como nas novas formas de sociedade industrial, nas quais, por exemplo, a automação se vai impondo, deve ter-se o cuidado de que se proporcione a cada um trabalho suficiente e adaptado, juntamente com a possibilidade duma conveniente formação técnica e profissional; e garantam-se o sustento e a dignidade humana sobretudo àqueles que, por causa de doença ou de idade, têm maiores dificuldades.

Secção 2

ALGUNS PRINCÍPIOS ORIENTADORES DE TODA A VIDA ECONÓMICO-SOCIAL

Trabalho, condições de trabalho, descanso

67. O trabalho humano, que se exerce na produção e na troca dos bens económicos e na prestação de serviços, sobreleva aos demais factores da vida económica, que apenas têm valor de instrumentos.

Este trabalho, empreendido por conta própria ou ao serviço de outrem, procede imediatamente da pessoa, a qual como que marca com o seu zelo as coisas da natureza, e as sujeita ao seu domínio. É com o seu trabalho que o homem sustenta de ordinário a própria vida e a dos seus; por meio dele se une e serve aos seus irmãos, pode exercitar uma caridade autêntica e colaborar no acabamento da criação divina. Mais ainda: sabemos que, oferecendo a Deus o seu trabalho, o homem se associa à obra redentora de Cristo, o qual conferiu ao trabalho uma dignidade sublime, trabalhando com as suas próprias mãos em Nazaré. Daí nasce para cada um o dever de trabalhar fielmente, e também o direito ao trabalho; à sociedade cabe, por sua parte, ajudar em quanto possa, segundo as circunstâncias vigentes, os cidadãos para que possam encontrar oportunidade de trabalho suficiente. Finalmente, tendo em conta as funções e produtividade de cada um, bem como a situação da empresa e o bem comum, o trabalho deve ser remunerado de maneira a dar ao homem a possibilidade de cultivar dignamente a própria vida material, social, cultural e espiritual e a dos seus (6).

Dado que a actividade económica é, na maior parte dos casos, fruto do trabalho associado dos homens, é injusto e desumano organizá-la e dispô-la de tal modo que isso resulte em prejuízo para qualquer dos que trabalham.

Ora, é demasiado frequente, mesmo em nossos dias, que os trabalhadores estão de algum modo escravizados à própria actividade. Isto não encontra justificação alguma nas pretensas leis económicas. É preciso, portanto, adaptar todo o processo do trabalho produtivo às necessidades da pessoa e às formas de vida; primeiro que tudo da doméstica, especialmente no que se refere às mães, e tendo sempre em conta o sexo e a idade. Proporcione-se, além disso, aos trabalhadores a possibilidade de desenvolver, na execução do próprio trabalho, as suas qualidades e personalidade. Ao mesmo tempo que aplicam responsàvelmente a esta execução o seu tempo e forças, gozem, porém, todos de suficiente descanso e tempo livre para atender à vida familiar, cultural, social e religiosa. Tenham mesmo oportunidade de desenvolver livremente as energias e capacidades que talvez pouco possam exercitar no seu trabalho profissional.

Participação na empresa e no conjunto da economia.
Conflitos de trabalho

68. Nas empresas económicas, são pessoas as que se associam, isto é homens livres e autónomos, criados à imagem de Deus. Por isso, tendo em conta as funções de cada um -proprietários, empresários, dirigentes ou operários - e salva a necessária unidade de direcção, promova-se, segundo modalidades a determinar convenientemente, a participação activa de todos na gestão das empresas (7). E dado que frequentemente não é ao nível da empresa mas num mais alto de instituições superiores que se tomam as decisões económicas e sociais de que depende o futuro dos trabalhadores e de seus filhos, eles devem participar também no estabelecimento dessas decisões, por si ou por delegados livremente eleitos.

Entre os direitos fundamentais da pessoa humana deve contar-se o de os trabalhadores criarem livremente associações que os possam representar autênticamente e contribuir para a recta ordenação da vida económica; e ainda o direito de participar, livremente, sem risco de represálias, na actividade das mesmas. Graças a esta ordenada participação, junta com uma progressiva formação económica e social, aumentará cada vez mais em todos a consciência da própria função e dever; ela os levará a sentirem-se associados, segundo as próprias possibilidades e aptidões, a todo o trabalho de desenvolvimento económico e social e à realização do bem comum universal.

Quando, porém, surgem conflitos económico-sociais, devem fazer-se esforços para que se chegue a uma solução pacífica dos mesmos. Mas ainda que, antes de mais, se deva recorrer ao sincero diálogo entre as partes, toda via, a greve pode ainda constituir, mesmo nas actuais circunstâncias, um meio necessário, embora extremo, para defender os próprios direitos e alcançar as justas reivindicações dos trabalhadores. Mas procure-se retomar o mais depressa possível o caminho da negociação e do diálogo da conciliação.

Os bens da terra, destinados a todos

69. Deus destinou a terra com tudo o que ela contém para uso de todos os homens e povos; de modo que os bens criados devem chegar equitativamente às mãos de todos, segundo a justiça, secundada pela caridade (8). Sejam quais forem as formas de propriedade, conforme as legítimas instituições dos povos e segundo as diferentes e mutáveis circunstâncias, deve-se sempre atender a este destino universal dos bens. Por esta razão, quem usa desses bens, não deve considerar as coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si mas também aos outros (9). De resto, todos têm o direito de ter uma parte de bens suficientes para si e suas famílias. Assim pensaram os Padres e Doutores da Igreja, ensinando que os homens têm obrigação de auxiliar os pobres e não apenas com os bens supérfluos (10). Aquele, porém, que se encontra em extrema necessidade, tem direito de tomar, dos bens dos outros, o que necessita (11). Sendo tão numerosos os que no mundo padecem fome, o sagrado Concílio insiste com todos, indivíduos e autoridades, para que, recordados daquela palavra dos Padres - «alimenta o que padece fome, porque, se o não alimentaste, mataste-o» (12) - repartam realmente e distribuam os seus bens, procurando sobretudo prover esses indivíduos e povos daqueles auxílios que lhes permitam ajudar-se e desenvolver-se a si mesmos.

Nas sociedades econòmicamente menos desenvolvidas, o destino comum dos bens é frequentes vezes parcialmente atendido graças a costumes e tradições próprias da comunidade, que asseguram a cada membro os bens indispensáveis. Mas deve evitar-se considerar certos costumes como absolutamente imutáveis, se já não correspondem às exigências do tempo actual; por outro lado, não se proceda imprudentemente contra os costumes honestos, que, uma vez convenientemente adaptados às circunstâncias actuais, continuam a ser muito úteis. De modo análogo, nas nações muito desenvolvidas econòmicamente, um conjunto de instituições sociais de previdência e seguro pode constituir uma realidade parcial do destino comum dos bens. Deve prosseguir-se o desenvolvimento dos serviços familiares e sociais, sobretudo daqueles que atendem à cultura e educação. Na organização de todas estas instituições, porém, deve atender-se a que os cidadãos não sejam levados a uma certa passividade com relação à sociedade ou à irresponsabilidade e recusa de serviço.

Inversões e política monetária

70. Os investimentos, por sua parte, devem tender a assegurar suficientes empregos e rendimentos, tanto para a população actual como para a de amanhã. Todos os que decidem destes investimentos e da organização da vida económica - indivíduos, grupos ou poderes públicos - devem ter presentes estes fins e reconhecer a grave obrigação que têm de vigiar para que assegurem os requisitos necessários a uma vida digna dos indivíduos e de toda a comunidade; e, ainda, de prever o futuro e garantir um são equilíbrio entre as necessidades do consumo hodierno, individual e colectivo, e as exigências de investimentos para a geração futura. Tenham-se sempre também em conta as necessidades urgentes das nações ou regiões econòmicamente menos desenvolvidas. Em matéria de política monetária, evite-se prejudicar o bem quer da própria nação quer das outras. E tomem-se providências para que os econòmicamente débeis não sofram injusto prejuízo com a desvalorização da moeda.

Acesso à propriedade e domínio privado. Problemas dos latifúndios

71. Dado que a propriedade e as outras formas de domínio privado dos bens externos contribuem para a expressão da pessoa e lhe dão ocasião de exercer a própria função na sociedade e na economia, é de grande importância que se fomente o acesso dos indivíduos e grupos a um certo domínio desses bens.

A propriedade privada ou um certo domínio sobre os bens externos asseguram a cada um a indispensável esfera de autonomia pessoal e familiar, e devem ser considerados como que uma extensão da liberdade humana. Finalmente, como estimulam o exercício da responsabilidade, constituem uma das condições das liberdades civis (13).

As formas desse domínio ou propriedade são actualmente variadas e cada dia se diversificam mais. Mas todas continuam a ser, apesar dos fundos sociais e dos direitos e serviços assegurados pela sociedade, um factor não desprezível de segurança. O que se deve dizer não só dos bens materiais, mas também dos imateriais, como é a capacidade profissional.

No entanto, o direito à propriedade privada não é incompatível com as várias formas legítimas de direito de propriedade pública. Quanto à apropriação pública dos bens, ela só pode ser levada a cabo pela legítima autoridade, segundo as exigências e dentro dos limites do bem comum, e mediante uma compensação equitativa. Compete, além disso, à autoridade pública impedir o abuso da propriedade privada em detrimento do bem comum (14).

De resto, a mesma propriedade privada é de índole social, fundada na lei do destino comum dos bens (15). O desprezo deste carácter social foi muitas vezes ocasião de cobiças e de graves desordens, chegando mesmo a fornecer um pretexto para os que contestam esse próprio direito.

Em bastantes regiões econòmicamente pouco desenvolvidas, existem grandes e até vastíssimas propriedades rústicas, fracamente cultivadas ou até deixadas totalmente incultas com intentos lucrativos, enquanto a maior parte do povo não tem terras ou apenas possui pequenos campos e, por outro lado, o aumento da produção agrícola apresenta um evidente carácter de urgência. Não raro, os que são contratados a trabalhar pelos proprietários ou exploram, em regime de arrendamento, uma parte das propriedades, apenas recebem um salário ou um rendimento indigno de um homem, carecem de habitação decente e são explorados pelos intermediários. Desprovidos de qualquer segurança, vivem num tal regime de dependência pessoal que perdem quase por completo a capacidade de iniciativa e responsabilidade e lhes está vedada toda e qualquer promoção cultural ou participação na vida social e política. Impõem-se, portanto, reformas necessárias, segundo os vários casos: para aumentar os rendimentos, corrigir as condições de trabalho, reforçar a segurança do emprego, estimular a iniciativa e, mesmo, para distribuir terras não suficientemente cultivadas àqueles que as possam tornar produtivas. Neste último caso, devem assegurar-se os bens e meios necessários, sobretudo de educação e possibilidades duma adequada organização cooperativa. Sempre, porém, que o bem comum exigir a expropriação, a compensação deve ser equitativamente calculada, tendo em conta todas as circunstâncias.

A actividade económico-social e o reino de Cristo

72. Os cristãos que desempenham parte activa no actual desenvolvimento económico-social e lutam pela justiça e pela caridade, estejam convencidos de que podem contribuir muito para o bem da humanidade e paz dó mundo. Em todas estas actividades, quer sòzinhos quer associados, sejam exemplo para todos. Adquirindo a competência e experiência absolutamente indispensáveis, respeitem a devida hierarquia entre as actividades terrenas, fiéis a Cristo e ao seu Evangelho, de maneira que toda a sua vida, tanto individual como social, seja penetrada do espírito das bem-aventuranças, e especialmente do espírito de pobreza. Todo aquele que, obedecendo a Cristo, busca primeiramente o reino de Deus, recebe daí um amor mais forte e mais puro, para ajudar os seus irmãos e realizar, sob o impulso da caridade, a obra da justiça (16).

CAPÍTULO IV

A VIDA DA COMUNIDADE POLÍTICA

A vida política actual

73. Profundas transformações se verificam nos nossos dias também nas estruturas e instituições dos povos, em consequência da sua evolução cultural, económica e social; pois todas estas transformações têm uma grande influência na vida da comunidade política, especialmente no que se refere aos direitos e deveres de cada um no exercício da liberdade cívica, na promoção do bem comum e na estruturação das relações dos cidadãos entre si e com o poder público.

A consciência mais sentida da dignidade humana dá origem em diversas regiões do mundo ao desejo de instaurar uma ordem político-jurídica em que os direitos da pessoa na vida pública sejam melhor assegurados, tais como os direitos de livre reunião e associação, de expressão das próprias opiniões e de profissão privada e pública da religião. A salvaguarda dos direitos da pessoa é, com efeito, uma condição necessária para que os cidadãos, quer individualmente quer em grupo, possam participar activamente na vida e gestão da coisa pública.

Paralelamente com o progresso cultural, económico e social, cresce em muitos o desejo de tomar maior parte na organização da comunidade política. Aumenta na consciência de muitos o empenho em assegurar os direitos das minorias, sem esquecer de resto os seus deveres para com a comunidade política; cresce, além disso, cada dia o respeito pelos homens que professam uma opinião ou religião diferente; e estabelece-se ao mesmo tempo uma colaboração mais ampla, a fim de que todos os cidadãos, e não apenas alguns privilegiados, possam gozar realmente dós direitos da pessoa.

Condenam-se, pelo contrário, todas as formas políticas, existentes em algumas regiões, que impedem a liberdade civil ou religiosa, multiplicam as vítimas das paixões e dos crimes políticos e desviam do bem comum o exercício da autoridade, em benefício de alguma facção ou dos próprios governantes.

Para estabelecer uma vida política verdadeiramente humana, nada melhor do que fomentar sentimentos interiores de justiça e benevolência e serviço do bem comum e reforçar as convicções fundamentais acerca da verdadeira natureza da comunidade política, bem como do fim, recto exercício e limites da autoridade.

Natureza e fim da comunidade política

74. Os indivíduos, as famílias e os diferentes grupos que constituem a sociedade civil, têm consciência da própria insuficiência para realizar uma vida plenamente humana e percebem a necessidade duma comunidade mais ampla, no seio da qual todos conjuguem diàriamente as próprias forças para cada vez melhor promoverem o bem comum (1). E por esta razão constituem, segundo diversas formas, a comunidade política. A comunidade política existe, portanto, em vista do bem comum; nele encontra a sua completa justificação e significado e dele deriva o seu direito natural e próprio. Quanto ao bem comum, ele compreende o conjunto das condições de vida social que permitem aos indivíduos, famílias e associações alcançar mais plena e fàcilmente a própria perfeição (2).

Porém, os homens que se reunem na comunidade política são muitos e diferentes, e podem legitimamente divergir de opinião. E assim, para impedir que a comunidade política se desagregue ao seguir cada um o próprio parecer, requere-se uma autoridade que faça convergir para o bem comum as energias de todos os cidadãos; não duma maneira mecânica ou despótica, mas sobretudo como força moral, que se apoia na liberdade e na consciência do próprio dever e sentido de responsabilidade.

Resulta, portanto, claro que a comunidade política e a autoridade pública se fundam na natureza humana e que, por conseguinte, pertencem à ordem estabelecida por Deus, embora a determinação do regime político e a designação dos governantes se deixem à livre vontade dos cidadãos (3).

Segue-se também que o exercício da autoridade política, seja na comunidade como tal, seja nos organismos representativos, se deve sempre desenvolver e actuar dentro dos limites da ordem. moral, em vista do bem comum, dinâmicamente concebido, de acordo com a ordem jurídica legitimamente estabelecida ou a estabelecer. Nestas condições, os cidadãos têm obrigação moral de obedecer (4). Daqui a responsabilidade, dignidade e importância dos que governam.

Mas quando a autoridade pública, excedendo os limites da própria competência, oprime os cidadãos, estes não se recusem às exigências objectivas do bem comum; mas é-lhes lícito, dentro dos limites traçados pela lei natural e pelo Evangelho, defender os próprios direitos e os dos seus concidadãos, contra o abuso desta autoridade.

Os modos concretos como a comunidade política organiza a própria estrutura e o equilíbrio dos poderes públicos, podem variar, segundo a diferente índole e o progresso histórico dos povos; mas devem sempre ordenar-se à formação de homens cultos, pacíficos e benévolos para com todos, em proveito de toda a família humana.

A colaboração de todos na vida política

75. É plenamente conforme com a natureza do homem que se encontrem estruturas jurídico-políticas nas quais todos os cidadãos tenham a possibilidade efectiva de participar livre e activamente, dum modo cada vez mais perfeito e sem qualquer discriminação, tanto no estabelecimento das bases jurídicas da comunidade política, como na gestão da coisa pública e na determinação do campo e fim das várias instituições e na escolha dos governantes (5). Todos os cidadãos se lembrem, portanto, do direito e simultâneamente do dever que têm de fazer uso do seu voto livre em vista da promoção do bem comum. A Igreja louva e aprecia o trabalho de quantos se dedicam ao bem da nação e tomam sobre si o peso de tal cargo, em serviço dos homens.

Para que a cooperação responsável dos cidadãos leve a felizes resultados na vida pública de todos os dias, é necessário que haja uma ordem jurídica positiva, que estabeleça convenientemente divisão das funções e dos orgãos da autoridade pública e ao mesmo tempo protecção do direito eficaz e plenamente independente de quem quer que seja. Juntamente com os deveres a que todos os cidadãos estão obrigados, sejam reconhecidos, assegurados e fomentados os direitos das pessoas, famílias e grupos sociais, bem como o exercício dos mesmos. Entre aqueles, é preciso recordar o dever de prestar à nação os serviços materiais e pessoais que são requeridos pelo bem comum. Os governantes tenham o cuidado de não impedir as associações familiares, sociais ou culturais e os corpos ou organismos intermédios, nem os privem da sua actividade legítima e eficaz; pelo contrário, procurem de bom grado promovê-la ordenadamente. Evitem, por isso, os cidadãos quer individual quer associativamente, conceder à autoridade um poder excessivo, nem lhe peçam, de modo inoportuno, demasiadas vantagens e facilidades, de modo a que se diminua a responsabilidade das pessoas, famílias e grupos sociais.

A crescente complexidade das actuais circunstâncias força com frequência o poder público a intervir nos assuntos sociais, económicos e culturais, com o fim de introduzir condições mais favoráveis em que os cidadãos e grupos possam livremente e com mais eficácia promover o bem humano integral. As relações entre a socialização (6) e a autonomia e desenvolvimento pessoais podem conceber-se diferentemente, conforme a diversidade das regiões e o grau de desenvolvimento dos povos. Mas quando, por exigência do bem comum, se limitar temporàriamente o exercício dos direitos, restabeleça-se quanto antes a liberdade, logo que mudem as circunstâncias. É, porém, desumano que a autoridade política assuma formas totalitárias ou ditatoriais, que lesam os direitos das pessoas ou dos grupos sociais.

Os cidadãos cultivem com magnanimidade e lealdade o amor da pátria, mas sem estreiteza de espírito, de maneira que, ao mesmo tempo, tenham sempre presente o bem de toda a família humana, que resulta das várias ligações entre as raças, povos e nações.

Todos os cristãos tenham consciência da sua vocação especial e própria na comunidade política; por ela são obrigados a dar exemplo de sentida responsabilidade e dedicação pelo bem comum, de maneira a mostrarem também com factos como se harmonizam a autoridade e a liberdade, a iniciativa pessoal e a solidariedade do inteiro corpo social, a oportuna unidade com a proveitosa diversidade. Reconheçam as legítimas opiniões, divergentes entre si, acerca da organização da ordem temporal, e respeitem os cidadãos e grupos que as defendem honestamente. Os partidos políticos devem promover o que julgam ser exigido pelo bem comum, sem que jamais seja lícito antepor o próprio interesse ao bem comum.

Deve atender-se cuidadosamente à educação cívica e política, hoje tão necessária à população e sobretudo aos jovens, para que todos os cidadãos possam participar na vida da comunidade política. Os que são ou podem tornar-se aptos para exercer a difícil e muito nobre (7) arte da política, preparem-se para ela; e procurem exercê-la sem pensar no interesse próprio ou em vantagens materiais. Procedam com inteireza e prudência contra a injustiça e a opressão, contra o arbitrário domínio de uma pessoa ou de um partido, e contra a intolerância. E dediquem-se com sinceridade e equidade, mais ainda, com caridade e fortaleza política, ao bem de todos.

A comunidade política e a Igreja

76. E de grande importância, sobretudo onde existe uma sociedade pluralística, que se tenha uma concepção exacta das relações entre a comunidade política e a Igreja, e, ainda, que se distingam claramente as actividades que os fiéis, isoladamente ou em grupo, desempenham em próprio nome como cidadãos guiados pela sua consciência de cristãos, e aquelas que exercitam em nome da Igreja e em união com os seus pastores.

A Igreja que, em razão da sua missão e competência, de modo algum se confunde com a sociedade nem está ligada a qualquer sistema político determinado, é ao mesmo tempo o sinal e salvaguarda da transcendência da pessoa humana.

No domínio próprio de cada uma, comunidade política e Igreja são independentes e autónomas. Mas, embora por títulos diversos, ambas servem a vocação pessoal e social dos mesmos homens. E tanto mais eficazmente exercitarão este serviço para bem de todos, quanto melhor cultivarem entre si uma sã cooperação, tendo igualmente em conta as circunstâncias de lugar e tempo. Porque o homem não se limita à ordem temporal sòmente; vivendo na história humana, fundada sobre o amor do Redentor, ela contribui para que se difundam mais amplamente, nas nações e entre as nações, a justiça e a caridade. Pregando a verdade evangélica e iluminando com a sua doutrina e o testemunho dos cristãos todos os campos da actividade humana, ela respeita e promove também a liberdade e responsabilidade política dos cidadãos.

Os Apóstolos e os sucessores dos mesmos, com os seus cooperadores, enviados para anunciar aos homens Cristo, salvador do mundo, têm por sustentáculo do seu apostolado o poder de Deus, o qual muitas vezes manifesta a força do Evangelho na fraqueza das suas testemunhas. É preciso, pois, que todos os que se consagram ao ministério da palavra de Deus utilizem os caminhos e meios próprios do Evangelho, tantas vezes diferentes dos meios da cidade terrena.

É certo que as coisas terrenas e as que, na condição humana, transcendem este mundo, se encontram intimamente ligadas; a própria Igreja usa das coisas temporais, na medida em que a sua missão o exige. Mas ela não coloca a sua esperança nos privilégios que lhe oferece a autoridade civil; mais ainda, ela renunciará ao exercício de alguns direitos legitimamente adquiridos, quando verificar que o seu uso põe em causa a sinceridade do seu testemunho ou que novas condições de vida exigem outras disposições. Porém, sempre lhe deve ser permitido pregar com verdadeira liberdade a fé; ensinar a sua doutrina acerca da sociedade; exercer sem entraves a própria missão entre os homens; e pronunciar o seu juízo moral mesmo acerca das realidades políticas, sempre que os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem e utilizando todos e só aqueles meios que são conformes com o Evangelho e, segundo a variedade dos tempos e circunstâncias, são para o bem de todos.

Aderindo fielmente ao Evangelho e realizando a sua missão no mundo, a Igreja -a quem pertence fomentar e elevar tudo o que de verdadeiro, bom e belo se encontra na comunidade dos homens (8) - consolida, para glória de Deus, a paz entre os homens (9).

CAPÍTULO V

A PROMOÇÃO DA PAZ E A COMUNIDADE INTERNACIONAL

Necessidade e desejos actuais da paz

77. Nestes nossos tempos, em que as dores e angústias derivadas da guerra ou da sua ameaça ainda oprimem tão duramente os homens, a família humana chegou a uma hora decisiva no seu processo de maturação. Progressivamente unificada, e por toda a parte mais consciente da própria unidade, não pode levar a cabo a tarefa que lhe incumbe de construir um mundo mais humano para todos os homens, a não ser que todos se orientem com espírito renovado à verdadeira paz. A mensagem evangélica, tão em harmonia com os mais altos desejos e aspirações do género humano, brilha assim com novo esplendor nos tempos de hoje, ao proclamar felizes os construtores da paz «porque serão chamados filhos de Deus» (Mt. 5,9). Por isso, o Concílio, explicando a verdadeira e nobilíssima natureza da paz, e uma vez condenada a desumanidade da guerra, quer apelar ardentemente para que os cristãos, com a ajuda de Cristo, autor da paz, colaborem com todos os homens no estabelecimento da paz na justiça e no amor e na preparação dos instrumentos da mesma paz.

Natureza da paz e sua consecução

78. A paz não é ausência de guerra; nem se reduz ao estabelecimento do equilíbrio entre as forças adversas, nem resulta duma dominação despótica. Com toda a exactidão e propriedade ela é chamada «obra da justiça» (Is. 32, 7). É um fruto da ordem que o divino Criador estabeleceu para a sociedade humana, e que deve ser realizada pelos homens, sempre anelantes por uma mais perfeita justiça. Com efeito, o bem comum do género humano é regido, primária e fundamentalmente, pela lei eterna; mas, quanto às suas exigências concretas, está sujeito a constantes mudanças, com o decorrer do tempo. Por esta razão, a paz nunca se alcança duma vez para sempre, antes deve estar constantemente a ser edificada. Além disso, como a vontade humana é fraca e ferida pelo pecado, a busca da paz exige o constante domínio das paixões de cada um e a vigilância da autoridade legítima. Mas tudo isto não basta. Esta paz não se pode alcançar na terra a não ser que se assegure o bem das pessoas e que os homens compartilhem entre si livre e confiadamente as riquezas do seu espírito criador. Absolutamente necessárias para a edificação da paz são ainda a vontade firme de respeitar a dignidade dos outros homens e povos e a prática assídua da fraternidade. A paz é assim também fruto do amor, o qual vai além do que a justiça consegue alcançar. A paz terrena, nascida do amor do próximo, é imagem e efeito da paz de Cristo, vinda do Pai. Pois o próprio Filho encarnado, príncipe da paz, reconciliou com Deus, pela cruz, todos os homens; restabelecendo a unidade de todos num só povo e num só corpo, extinguiu o ódio (1) e, exaltado na ressurreição, derramou nos corações o Espírito de amor.

Todos os cristãos são, por isso, insistentemente chamados a que «praticando a verdade na caridade» (Ef. 4, 15), se unam com os homens verdadeiramente pacíficos para implorarem e edificarem a paz.

Levados pelo mesmo espírito, não podemos deixar de louvar aqueles que, renunciando à violência na reivindicação dos próprios direitos, recorrem a meios de defesa que estão também ao alcance dos mais fracos — sempre que isto se possa fazer sem lesar os direitos e obrigações de outros ou da comunidade.

Na medida em que os homens são pecadores, o perigo da guerra ameaça-os e continuará a ameaça-los até à vinda de Cristo; mas na medida em que, unidos em caridade, superam o pecado, superadas ficam também as lutas, até que se realize aquela palavra: «com as espadas forjarão arados e foices com as lanças. Nenhum povo levantará a espada contra outro e jamais se exercitarão para a guerra» (Is. 2, 4).

Secção 1

EVITAR A GUERRA

Refrear a crueldade das guerras

79. Apesar de as últimas guerras terem trazido tão grandes danos materiais e morais, ainda todos os dias a guerra leva por diante as suas devastações em alguma parte da terra. Mais ainda, o emprego de armas científicas de todo o género para fazer a guerra, ameaça, dada a selvajaria daquelas, levar os combatentes a uma barbárie muito pior que a de outros tempos. Além disso, a complexidade da actual situação e o intrincado dos relações entre países tornam possível o prolongar-se de guerras mais ou menos larvadas, pelo recurso a novos métodos insidiosos e subversivos. Em muitos casos, o recurso aos métodos do terrorismo é considerado como uma nova forma de guerra.

Tendo diante dos olhos este estado de prostração da humanidade, o Concílio quer, antes de mais, recordar o valor permanente do direito natural internacional e dos seus princípios universais. A. própria consciência da humanidade afirma cada vez com maior força estes princípios. As acções que lhes são deliberadamente contrárias, bem como as ordens que as mandam executar, são portanto, criminosas; nem a obediência cega pode desculpar os que as cumprem. Entre tais actos devem-se contar, antes de mais, aqueles com que se leva metòdicamente a cabo o extermínio de toda uma raça, nação ou minoria étnica. Tais acções devem ser veementemente condenadas como horríveis crimes e louvada no mais alto grau a coragem de quantos não temem resistir abertamente aos que as querem impor.

Existem diversas convenções internacionais relativas à guerra assinadas por bastantes nações, e que visam a tornar menos desumanas as actividades bélicas e suas consequências; tais, por exemplo, as que se referem à sorte dos soldados feridos ou prisioneiros, e outras semelhantes. Estes acordos devem ser observados. Mais ainda, todos, sobretudo os poderes públicos e os peritos nestas matérias, têm obrigação de procurar aperfeiçoa-los quanto lhes for

possível, de maneira a que sejam capazes de melhor e mais eficazmente refrearem a crueldade das guerras. Parece, além disso, justo que as leis tenham em conta com humanidade o caso daqueles que, por motivo de consciência, recusam combater, contanto que aceitem outra forma de servir a comunidade humana.

Na realidade, a guerra não foi eliminada do mundo dos homens. E enquanto existir o perigo de guerra e não houver uma autoridade internacional competente e dotada dos convenientes meios, não se pode negar aos governos, depois de esgotados todos os recursos de negociações pacíficas, o direito de legítima defesa. Cabe assim aos governantes e aos demais que participam na responsabilidade dos negócios públicos, o dever de assegurar a defesa das populações que lhes estão confiadas, tratando com toda a seriedade um assunto tão sério. Mas uma coisa é utilizar a força militar para defender justamente as populações, outra coisa é querer subjugar as outras nações. O poderio bélico não legitima qualquer uso militar ou político que dele se faça. Nem, finalmente, uma vez começada lamentàvelmente a guerra, já tudo se torna lícito entre as partes beligerantes.

Aqueles que se dedicam ao serviço da pátria no exército, considerem-se servidores da segurança e da liberdade dos povos; na medida em que se desempenham como convém desta tarefa, contribuem verdadeiramente para o estabelecimento da paz.

A guerra total

80. Com o incremento das armas científicas, tem aumentado desmesuradamente o horror e maldade da guerra. Pois, com o emprego de tais armas, as acções bélicas podem causar enormes e indiscriminadas destruições, que desse modo já vão muito além dos limites da legítima defesa. Mais ainda: se se empregasse integralmente o material existente nos arsenais das grandes potências, resultaria daí o quase total e recíproco extermínio de ambos os adversários, sem falar nas inúmeras devastações provocadas no mundo e nos funestos efeitos que do uso de tais armas se seguiriam.

Tudo isto nos força a considerar a guerra com um espírito inteiramente novo (2). Saibam os homens de hoje que darão grave conta das suas actividades bélicas. Pois das suas decisões actuais dependerá em grande parte o curso dos tempos futuros.

Tendo em atenção todas estas coisas, e fazendo suas as condenações da guerra total já anteriormente pronunciadas pelos Sumos Pontífices (3), este sagrado Concílio declara:

Toda a acção bélica que tende indiscriminadamente à destruição de cidades inteiras ou vastas regiões e seus habitantes é um crime contra Deus e o próprio homem, que se deve condenar com firmeza e sem hesitação.

O perigo peculiar da guerra hodierna está em que ela fornece, por assim dizer, a oportunidade de cometer tais crimes àqueles que estão de posse das modernas armas científicas; e, por uma consequência quase fatal, pode impelir as vontades dos homens às mais atrozes decisões. Para que tal nunca venha a suceder, os Bispos de todo o mundo, reunidos, imploram a todos, sobretudo aos governantes e chefes militares, que ponderem sem cessar a sua tão grande responsabilidade perante Deus e a humanidade.

A corrida aos armamentos

81. É verdade que não se acumulam as armas científicas só com o fim de serem empregadas na guerra. Com efeito, dado que se pensa que a solidez defensiva de cada parte depende da sua capacidade de resposta fulminante, esta acumulação de armas, que aumenta de ano para ano, serve, paradoxalmente, para dissuadir possíveis inimigos. Muitos pensam que este é hoje o meio mais eficaz para assegurar uma certa paz entre as nações.

Seja o que for deste meio de dissuasão, convençam-se os homens de que a corrida aos armamentos, a que se entregam muitas nações, não é caminho seguro para uma firme manutenção da paz; e de que o pretenso equilíbrio daí resultante não é uma paz segura nem verdadeira. Corre-se o perigo de que, com isso, em vez de se eliminarem as causas da guerra, antes se agravem progressivamente. E enquanto se dilapidam riquezas imensas no constante fabrico de novas armas, torna-se impossível dar remédio suficiente a tantas misérias de que sofre o mundo actualmente. Mais do que sanar verdadeiramente e plenamente as discórdias entre as nações, o que se consegue é contagiar com elas outras partes do mundo. É preciso escolher outros caminhos, partindo da reforma das mentalidades, para eliminar este escândalo e poder-se restituir ao mundo, liberto da angústia que o oprime, uma paz verdadeira.

Por tal razão, de novo se deve declarar que a corrida aos armamentos é um terrível flagelo para a humanidade e prejudica os pobres dum modo intolerável. E é muito de temer, se ela continuar, que um dia provoque as exterminadoras calamidades de que já presentemente prepara os meios.

Advertidos pelas calamidades que o género humano tornou possíveis, aproveitemos o tempo de que ainda dispomos para, tornados mais conscientes da própria responsabilidade, encontrarmos os caminhos que tornem possível resolver os nossos conflitos dum modo mais digno de homens. A providência divina instantemente nos pede que nos libertemos da antiga servidão da guerra. Se nos recusamos a fazer este esforço, não sabemos aonde nos levará o funesto caminho por onde enveredámos.

Proscrição total da guerra e acção internacional para a evitar

82. É, portanto, claro, que nos devemos esforçar por todos os meios por preparar os tempos em que, por comum acordo das nações, se possa interditar absolutamente qualquer espécie de guerra. Isto exige, certamente, a criação duma autoridade pública mundial, por todos reconhecida e com poder suficiente para que fiquem garantidos a todos a segurança, o cumprimento da justiça e o respeito dos direitos. Porém, antes que esta desejável autoridade possa ser instituída, é necessário que os supremos organismos internacionais se dediquem com toda a energia a buscar os meios mais aptos para conseguir a segurança comum. Já que a paz deve antes nascer da confiança mútua do que ser imposta pelo terror das armas, todos devem trabalhar por que se ponha, finalmente, um termo à corrida aos armamentos e por que se inicie progressivamente e com garantias reais e eficazes, a redução dos mesmos armamentos, não unilateral evidentemente, mas simultânea e segundo o que for estatuído (4).

Entretanto, não se devem subestimar as tentativas já feitas ou ainda em curso para afastar o perigo da guerra. Procure-se antes ajudar a boa vontade de muitos que, carregados com as ingentes preocupações dos seus altos ofícios, mas movidos do seriíssimo dever que os obriga, se esforçam por eliminar a guerra de que têm horror, embora não possam prescindir da complexidade objectiva das situações. E dirijam-se a Deus instantes preces, para que lhes dê a força necessária para empreender com perseverança e levar a cabo com fortaleza esta obra de imenso amor dos homens, de construir virilmente a paz. Hoje em dia, isto exige certamente deles que alarguem o espírito mais além das fronteiras da própria nação, deponham o egoísmo nacional e a ambição de dominar sobre os outros países, fomentem um grande respeito por toda a humanidade, que já avança tão laboriosamente para uma maior unidade.

As sondagens até agora diligente e incansàvelmente levadas a cabo acerca dos problemas da paz e desarmamento, e as reuniões internacionais que trataram deste assunto, devem ser consideradas como os primeiros passos para a solução de tão graves problemas e devem no futuro promover-se ainda com. mais empenho, para obter resultados práticos. No entanto, evitem os homens entregar-se apenas aos esforços de alguns, sem se preocuparem com a própria mentalidade. Pois os governantes, responsáveis pelo bem comum da própria nação e ao mesmo tempo promotores do bem de todo o mundo, dependem muito das opiniões e sentimentos das populações. Nada aproveitarão com dedicar-se à edificação da paz, enquanto os sentimentos de hostilidade, desprezo e desconfiança, os ódios raciais e os preconceitos ideológicos dividirem os homens e os opuserem uns aos outros. Daqui a enorme necessidade duma renovação na educação das mentalidades e na orientação da opinião publica. Aqueles que se consagram à obra de educação, sobretudo da juventude, ou que formam a opinião pública, considerem como gravíssimo dever o procurar formar as mentalidades de todos para novos sentimentos pacíficos. Todos nós temos, com efeito, de reformar o nosso coração, com os olhos postos no mundo inteiro e naquelas tarefas que podemos realizar juntos para o progresso da humanidade.

Não nos engane uma falsa esperança. A não ser que, pondo de parte inimizades e ódios, se celebrem no futuro pactos sólidos e honestos acerca dá paz universal, a humanidade, que já agora corre grave risco, chegará talvez desgraçadamente, apesar da sua admirável ciência, àquela hora em que não conhecerá outra paz além da horrível tranquilidade da morte. Mas, ao mesmo tempo que isto afirma, a Igreja de Cristo, no meio das angústias do tempo actual, não deixa de esperar firmemente. A nossa época quer ela propor, uma e outra vez, oportuna e importunamente, a mensagem do Apóstolo: «eis agora o tempo favorável» para a conversão dos corações, «eis agora os dias da salvação (5).

Secção 2

CONSTRUÇÃO DA COMUNIDADE INTERNACIONAL

Causas e remédios das discórdias

83. Para edificar a paz, é preciso, antes de mais, eliminar as causas das discórdias entre os homens, que são as que alimentam as guerras, sobretudo as injustiças. Muitas delas provêm das excessivas desigualdades económicas e do atraso em lhes dar remédios necessários. Outras, porém, nascem do espírito de dominação e do desprezo das pessoas; e, se buscamos causas mais profundas, da inveja, desconfiança e soberba humanas, bem como de outras paixões egoístas. Como o homem não pode suportar tantas desordens, delas provém que, mesmo sem haver guerra, o mundo está continuamente envenenado com as contendas e violências entre os homens. E como se verificam os mesmos males nas relações entre as nações, é absolutamente necessário, para os vencer ou prevenir, e para reprimir as violências desenfreadas, que os organismos internacionais cooperem e se coordenem melhor e que se fomentem incansàvelmente as organizações que promovem a paz.

A comunidade das nações e instituições internacionais

84. Para que o bem comum universal se procure convenientemente e se alcance com eficácia, torna-se já necessário, dado o aumento crescente de estreitos laços de mútua dependência entre todos os cidadãos e entre todos os povos do mundo, que a comunidade dos povos se dê a si mesma uma estrutura à altura das tarefas actuais, sobretudo relativamente àquelas numerosas regiões que ainda padecem intolerável indigência.

Para obter tais fins, as instituições da comunidade internacional devem prover, cada uma por sua parte, às diversas necessidades dos homens, no domínio da vida social - a que pertencem a alimentação, saúde, educação, trabalho - como em certas circunstâncias particulares, que podem surgir aqui ou ali, tais como a necessidade geral de favorecer o progresso das nações em vias de desenvolvimento, de obviar às necessidades dos refugiados dispersos por todo o mundo, ou ainda de ajudar os emigrantes e suas famílias.

As instituições internacionais, mundiais ou regionais, já existentes, são beneméritas do género humano. Aparecem como as primeiras tentativas para lançar os fundamentos internacionais da inteira comunidade humana, a fim de se resolverem os gravíssimos problemas dos nossos tempos, se promover o progresso em todo o mundo e se prevenir qualquer forma de guerra. A Igreja alegra-se com o espírito de verdadeira fraternidade que em todos estes campos floresce entre cristãos e não-cristãos, e tende a intensificar os esforços por remediar tão grande miséria.

A cooperação internacional no campo económico

85. A unificação actual do género humano requer também uma cooperação internacional mais ampla no campo económico. Com efeito, embora quase todos os povos se tenham tornado independentes, estão ainda longe de se encontrarem livres de excessivas desigualdades ou de qualquer forma de dependência indevida, ou ao abrigo de graves dificuldades internas.

O crescimento dum país depende dos recursos humanos e financeiros. Em cada nação, os cidadãos devem ser preparados pela educação e formação profissional, para desempenharem as diversas funções da vida económica e social. Para tal, requere-se a ajuda de peritos estrangeiros; estes, ao darem tal ajuda, não procedam como dominadores, mas como auxiliares e cooperadores. Não será possível prestar o auxílio material às nações em desenvolvimento, se não se mudarem profundamente no mundo as estruturas do comércio actual. Os países desenvolvidos prestar-lhes-ão ainda ajuda sob outras formas, tais como dons, empréstimos ou investimentos financeiros; os quais se devem prestar generosamente e sem cobiça, por uma das parte, e receber com inteira honestidade, pela outra.

Para se estabelecer uma autêntica ordem económica internacional, é preciso abolir o apetite de lucros excessivos, as ambições nacionais, o desejo de domínio político, os cálculos de ordem militar bem como as manobras para propagar e impor ideologias. Apresentam-se muitos sistemas económicos e sociais; é de desejar que os especialistas encontrem neles as bases comuns dum são comércio mundial; o que mais fàcilmente se conseguirá, se cada um renunciar aos próprios preconceitos e se mostrar disposto a um diálogo sincero.

Algumas normas oportunas

86. Para tal cooperação, parecem oportunas as seguintes normas:

a) As nações em desenvolvimento ponham todo o empenho em procurar firmemente que a finalidade expressa do seu progresso seja a plena perfeição humana dos cidadãos. Lembrem-se que o progresso se origina e cresce, antes de mais, com o trabalho e engenho das populações, pois deve apoiar-se não apenas nos auxílios estrangeiros, mas sobretudo no desenvolvimento dos próprios recursos e no cultivo das qualidades e tradições próprias. Neste ponto, devem sobressair aqueles que têm maior influência nos outros.

b) É dever muito grave dos povos desenvolvidos ajudar os que estão em vias de desenvolvimento a realizar as tarefas referidas. Levem, portanto, a cabo, em si mesmos, as adaptações psicológicas e materiais que são necessárias para estabelecer esta cooperação internacional. E assim, nas negociações com as nações mais fracas e pobres, atendam com muito cuidado ao bem das mesmas; pois elas necessitam, para seu sustento, dos lucros alcançados com a venda dos bens que produzem.

c) Cabe à comunidade internacional coordenar e estimular o desenvolvimento de modo a que os recursos a isso destinados sejam utilizados com o máximo de eficácia e total equidade. Também a ela pertence, sempre dentro do respeito pelo princípio de subsidiariedade, regular as relações económicas no mundo inteiro de modo que se desenvolvam segundo a justiça.

Criem-se instituições aptas para promover e regular o comércio internacional, sobretudo com as nações menos desenvolvidas, e para compensar as deficiências que ainda perduram, nascidas da excessiva desigualdade de poder entre as nações. Esta ordenação, acompanhada de ajudas técnicas, culturais e financeiras, deve proporcionar às nações em vias de desenvolvimento os meios necessários para poderem conseguir convenientemente o progresso da própria economia.

d) Em muitos casos, é urgente necessidade rever as estruturas económicas e sociais. Mas evitem-se as soluções técnicas prematuramente propostas, sobretudo aquelas que, trazendo ao homem vantagens materiais, são opostas à sua natureza espiritual e ao seu progresso. Com efeito, «o homem não vive só de pão, mas também de toda a palavra que sai da boca de Deus» (Mt. 4, 4). E qualquer parcela da família humana leva em si mesma e nas suas melhores tradições uma parte do tesouro espiritual confiado por Deus à humanidade, mesmo que muitos desconheçam a origem donde procede.

A cooperação internacional no que se refere ao incremento demográfico

87. A cooperação internacional é especialmente necessária no caso, actualmente bastante frequente, daqueles povos que, além de muitas outras dificuldades, sofrem especialmente da que deriva dum rápido aumento da população. É urgentemente necessário que, por meio duma plena e intensa cooperação de todos, e sobretudo das nações mais ricas, se investigue o modo de tornar possível preparar e fazer chegar a toda a humanidade o que é preciso para a subsistência e conveniente educação dos homens. Mas alguns povos poderiam melhorar muito as suas condições de vida se, devidamente instruídos, passassem dos métodos arcaicos de exploração agrícola para as técnicas modernas, aplicando-as com a devida prudência à própria situação, instaurando, além disso, uma melhor ordem social e procedendo a uma distribuição mais justa da propriedade das terras.

Com relação ao problema da população, na própria nação e dentro dos limites da própria competência, tem o governo direitos e deveres; assim, por exemplo, no que se refere à legislação social e familiar, ao êxodo das populações agrícolas para as cidades, à informação acerca da situação e necessidades nacionais. Dado que hoje este problema preocupa intensamente os espíritos, é também de desejar que especialistas católicos, sobretudo nas Universidades, prossigam e ampliem diligentemente os estudos e iniciativas sobre estas matérias.

Visto que muitos afirmam que o aumento da população do globo, ou ao menos de algumas nações, deve ser absoluta e radicalmente diminuído por todos os meios e por qualquer espécie de intervenção da autoridade pública, o Concílio exorta todos a que evitem as soluções, promovidas privada ou pùblicamente ou até por vezes impostas, que sejam contrárias à lei moral. Porque, segundo o inalienável direito ao casamento e procriação da prole, a decisão acerca do número de filhos depende do recto juízo dos pais e de modo algum se pode entregar ao da autoridade pública. Mas como o juízo dos pais pressupõe uma consciência bem formada, é de grande importância que todos tenham a possibilidade de cultivar uma responsabilidade recta e autênticamente humana, que tenha em conta a lei divina, consideradas as circunstâncias objectivas e temporais; isto exige, porém, que por toda a parte melhorem as condições pedagógicas e sociais e, antes de mais, que seja dada uma formação religiosa ou, pelo menos, uma íntegra educação moral. Sejam também as populações judiciosamente informadas acerca dos progressos científicos alcançados na investigação dos métodos que ajudam os esposos na determinação do número de filhos, cuja segurança esteja bem comprovada e de que conste claramente a legitimidade moral.

O dever dos cristãos na ajuda internacional

88. Os cristãos cooperem de bom grado e de todo o coração na construção da ordem internacional com verdadeiro respeito pelas liberdades legítimas e na amigável fraternidade de todos; e tanto mais quanto é verdade que a maior parte do mundo ainda sofre tanta necessidade, de maneira que, nos pobres, o próprio Cristo como que apela em alta voz para a caridade dos seus discípulos. Não se dê aos homens o escândalo de haver algumas nações, geralmente de maioria cristã, na abundância, enquanto outras não têm sequer o necessário para viver e são atormentadas pela fome, pela doença e por toda a espécie de misérias. Pois o espírito de pobreza e de caridade são a glória e o testemunho da Igreja de Cristo.

São, por isso, de louvar e devem ser ajudados os cristãos, sobretudo jovens, que se oferecem espontâneamente para ir em ajuda dos outros homens e povos. Mais ainda: cabe a todo o Povo de Deus, precedido pela palavra e exemplo dos Bispos, aliviar, quanto lhe for possível, as misérias deste tempo; e isto, como era. o antigo uso da Igreja, não sòmente com o supérfluo, mas também com o necessário.

Sem cair numa organização rígida e uniforme, deve, no entanto, o modo de recolher e distribuir estes socorros ser regulado com uma certa ordem, nas dioceses, nações e em todo o mundo; e onde parecer oportuno, conjugando a actividade dos católicos com a dos outros irmãos cristãos. Porque o espírito de caridade, longe de se opor a um exercício providente e ordenado da actividade social e caritativa, antes o exige. Pelo que é necessário que os que pretendem dedicar-se ao serviço das nações em vias de desenvolvimento, recebam conveniente formação em instituições adequadas.

A presença eficaz da Igreja na comunidade internacional

89. Quando a Igreja, em virtude da sua missão divina, prega a todos os homens o Evangelho e lhes dispensa os tesouros da graça, contribui para a consolidação da paz em todo o mundo e para estabelecer um sólido fundamento para a fraterna comunidade dos homens e dos povos, a saber: o conhecimento da lei divina e natural. É, portanto, absolutamente necessário que a Igreja esteja presente na comunidade das nações, para fomentar e estimular a cooperação entre os homens; tanto por meio das suas instituições públicas como graças à inteira e sincera colaboração de todos os cristãos, inspirada apenas pelo desejo de servir a todos.

O que se alcançará mais eficazmente se os fiéis, conscientes da própria responsabilidade humana e cristã, procurarem já no seu meio de vida despertar a vontade de cooperar prontamente com a comunidade internacional. Dedique-se especial cuidado em formar neste ponto a juventude, tanto na educação religiosa como na cívica.

A cooperação dos cristãos nas instituições internacionais

90. Uma das melhores formas de actuação internacional dos cristãos consiste certamente na cooperação que, isoladamente ou em grupo, prestam nas próprias instituições criadas ou a criar para o desenvolvimento da cooperação entre as nações. Também podem contribuir muito para a edificação da comunidade dos povos, na paz e fraternidade, as várias associações católicas internacionais, as quais devem ser consolidadas, com o aumento de colaboradores bem formados, e dos meios de que necessitam e com uma conveniente coordenação de forças. Nos tempos actuais, com efeito, tanto a eficácia da acção como a necessidade do diálogo reclamam empreendimentos colectivos. Essas associações contribuem, além disso, não pouco também para desenvolver o sentido de universalidade, muito próprio dos católicos, e para formar a consciência da solidariedade e responsabilidade verdadeiramente universais.

Finalmente, é de desejar que os católicos, para bem cumprirem a sua missão na comunidade internacional, procurem cooperar activa e positivamente quer com os irmãos separados que com eles professam a caridade evangélica, quer com todos os homens que anelam verdadeiramente pela paz.

Perante as imensas desgraças que ainda hoje torturam a maior parte da humanidade, e para fomentar por toda a parte a justiça e ao mesmo tempo o amor de Cristo para com os pobres, o Concílio, por sua parte, julga muito oportuna a criação de algum organismo da Igreja universal, incumbido de estimular a comunidade católica na promoção do progresso das regiões necessitadas e da justiça social entre as nações.

CONCLUSÃO

Dever dos fiéis e das Igrejas particulares

91. Tudo o que, tirado dos tesouros da doutrina da Igreja, é proposto por este sagrado Concílio, pretende ajudar todos os homens do nosso tempo, quer acreditem em Deus, quer não O conheçam explicitamente, a que, conhecendo mais claramente a sua vocação integral, tornem o mundo mais conforme à sublime dignidade do homem, aspirem a uma fraternidade universal mais profundamente fundada e, impelidos pelo amor, correspondam com um esforço generoso e comum às urgentes exigências da nossa era.

Certamente, perante a imensa diversidade de situações e de formas de cultura existentes no mundo, esta proposição de doutrina reveste intencionalmente, em muitos pontos, apenas um carácter genérico; mais ainda: embora formule uma doutrina aceite na Igreja, todavia, como se trata frequentemente de realidades sujeitas a constante transformação, deve ainda ser continuada e ampliada. Confiamos, porém, que muito do que enunciámos apoiados na palavra de Deus e no espírito do Evangelho, poderá proporcionar a todos uma ajuda válida, sobretudo depois de os cristãos terem levado a cabo, sob a direcção dos pastores, a adaptação a cada povo e mentalidade.

Diálogo entre todos os homens

92. Em virtude da sua missão de iluminar o mundo inteiro com a mensagem de Cristo e de reunir sob um só Espírito todos os homens, de qualquer nação, raça ou cultura, a Igreja constitui um sinal daquela fraternidade que torna possível e fortalece o diálogo sincero.

Isto exige, em primeiro lugar, que, reconhecendo toda a legítima diversidade, promovamos na própria Igreja a mútua estima, respeito e concórdia, em ordem a estabelecer entre todos os que formam o Povo de Deus, pastores ou fiéis, um diálogo cada vez mais fecundo. Porque o que une entre si os fiéis é bem mais forte do que o que os divide: haja unidade no necessário, liberdade no que é duvidoso, e em tudo caridade(1).

Abraçamos também em espírito os irmãos que ainda não vivem em plena comunhão connosco, e as suas comunidades, com os quais estamos unidos na confissão do Pai, Filho e Espírito Santo, e pelo vínculo da caridade, lembrados de que a unidade dos cristãos é hoje esperada e desejada mesmo por muitos que não crêem em Cristo. Com efeito, quanto mais esta unidade progredir na verdade e na caridade, pela poderosa acção do Espírito Santo, tanto mais será para o mundo um presságio de unidade e de paz. Unamos, pois, as nossas forças e, cada dia mais fiéis ao Evangelho, procuremos, por modos cada vez mais eficazes para alcançar este fim tão alto, cooperar fraternalmente no serviço da família humana, chamada, em Cristo, a tornar-se a família dos filhos de Deus.

Voltamos também o nosso pensamento para todos os que reconhecem Deus e guardam nas suas tradições preciosos elementos religiosos e humanos, desejando que um diálogo franco nos leve a todos a receber com fidelidade os impulsos do Espírito e a segui-los com entusiasmo.

Por nossa parte, o desejo de um tal diálogo, guiado apenas pelo amor pela verdade e com a necessária prudência, não exclui ninguém; nem aqueles que cultivam os altos valores do espírito humano, sem ainda conhecerem o seu autor; nem aqueles que se opõem à Igreja, e de várias maneiras a perseguem. Como Deus Pai é o princípio e o fim de todos eles, todos somos chamados a ser irmãos. Por isso, chamados pela mesma vocação humana e divina, podemos e devemos cooperar pacificamente, sem violência nem engano, na edificação do mundo na verdadeira paz.

A edificação do mundo e a sua orientação para Deus

93. Lembrados da palavra do Senhor: «nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros» (Jo. 13, 35), os cristãos nada podem desejar mais ardentemente do que servir sempre com maior generosidade e eficácia os homens do mundo de hoje. E assim, fiéis ao Evangelho e graças à sua força, unidos a quantos amam e promovem a justiça, têm a realizar aqui na terra uma obra imensa, da qual prestarão contas Aquele que a todos julgará no último dia. Nem todos os que dizem «Senhor, Senhor» entrarão no reino dos céus, mas aqueles que cumprem a vontade do Pai (2) e põem sèriamente mãos a obra. Ora, a vontade do Pai é que reconheçamos e amemos efectivamente em todos os homens a Cristo, por palavra e por obras, dando assim testemunho da verdade e comunicando aos outros o mistério do amor do Pai celeste. Deste modo, em toda a terra, os homens serão estimulados à esperança viva, dom do Espírito Santo, para que finalmente sejam recebidos na paz e felicidade infinitas, na pátria que refulge com a glória do Senhor.

«Aquele que, em virtude do poder que actua em nós, é capaz de fazer que superabundemos para além do que pedimos ou pensamos, a Ele seja dada a glória na Igreja e em Cristo Jesus, por todos os séculos dos séculos. Amém» (Ef. 3, 20-21).

Roma, 7 de Dezembro de 1965

PAPA PAULO VI


Notas

Proémio - Introdução

1. A Constituição pastoral «A Igreja no mundo actual», formada por duas partes, constitui um todo unitário. E chamada «pastoral», porque, apoiando-se em princípios doutrinais, pretende expor as relações da Igreja com o mundo e os homens de hoje. Assim, nem à primeira parte falta a intenção pastoral, nem à segunda a doutrinal. Na primeira parte, a Igreja expõe a sua própria doutrina acerca do homem, do mundo no qual o homem está integrado e da sua relação para com eles. Na segunda, considera mais expressamente vários aspectos da vida e da sociedade contemporâneas, e sobretudo as questões e os problemas que, nesses domínios, padecem hoje de maior urgência. Daqui resulta que, nesta segunda parte, a matéria, tratada à luz dos princípios doutrinais, não compreende apenas elementos imutáveis, mas também transitórios. A Constituição deve, pois, ser interpretada segundo as normas teológicas gerais, tendo em conta, especialmente na segunda parte, as circunstâncias mutáveis com que estão intrinsecamente ligados os assuntos em questão.

2. Cfr. Jo. 18,37.

3. Cfr. Jo. 3, 17; Mt. 20, 28; Mc. 10,45.

4. Cfr. Rom. 7,14 s.

5. Cfr. 2 Cor. 5,15.

6. Cfr. Act. 4,12.

7. Cfr. Hebr. 13,8.

8. Cfr. Col. 1,15.

PRIMEIRA PARTE

Capítulo I

1. Cfr. Gén. 1,26; Sab. 2,23.

2. Cfr. Ecli. 17, 3-10.

3. Cfr. Rom. 1, 21-25.

4. Cfr. Jo. 8,34.

5. Cfr. Dan. 3, 57-90.

6. Cfr. 1 Cor. 6, 13-20.

7. Cfr. 1 Reis 16,7; Jer. 17.10.

8. Cfr. Ecli. 17, 7-8.

9. Cfr. Rom. 2, 14-16.

10. Cfr. Pio XII, radiomensagem acerca da formação da consciência cristã nos jovens, 23 março 1952: AAS 44 (1952), p. 271.

11. Cfr. Mt. 22, 37-40; Gál. 5,14.

12 Cfr. Ecli. 15,14.

13. Cfr. 2 Cor. 5,10.

14. Cfr. Sab. 1,13; 2, 23-24; Rom. 5,21; 6,23; Tg. 1,15.

15. Cfr. 1 Cor. 15, 56-57.

16. Cfr. Pio XI, Enc. Divini Redemptoris, 19 março 1937: AAS 29 (1937), p. 65-106; Pio XII, Enc. Ad Apostolorum Principis, 29 junho 1958: AAS 50 (1958), p. 601-614; João XXIII, Enc. Mater et Magistra, 15 maio 1961: AAS 53 (1961) p. 451-453; Paulo VI, Enc. Ecclesiam Suam, 6 agosto 1964: AAS 56 (1964), p. 651-653.

17. Cfr. Conc. Vat. II, Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium, cap. I, n. 8: AAS 57 (1965), p. 12.

18. Cfr. Fil. 1,27.

19. S. Agostinho, Confissões, I, 1: PL 32, 661.

20. Cfr. Rom. 5,14. Cfr. Tertuliano, De carpis resurr. 6: «Quodcumque limus exprimebatur, Christus cogitabatur homo futurus»: PL 2, 802 (848); CSEL, 47, p. 33, 1. 12-13.

21. Cfr. 2 Cor. 4,4.

22.Cfr. Conc. Constant. II, can. 7: «Neque Deo Verbo in carpis naturam transmutato, neque carne in Verbi naturam transducta»: Denz. 219 (428). Cfr. também Conc. Constant. III: « Quemadmodum enim sanctissima ac immaculata animata eius caro deificata non est perempta (theôtheisa ouk anërethe), sed in próprio sui statu et ratione permansit»: Denz. 291 (556). Cfr. Conc. Calc.: «in duabus naturis inconfuse, immutabiliter, indivise, inseparabiliter agnoscentum»: Denz. 148 (302).

23. Cfr. Conc. Constant. III: «ita et humana eius voluntas deificata non. est perempta»: Denz. 291 (556).

24 Cfr. Hebr. 4,15. 25 Cfr. 2

25. Cfr. 2Cor. 5, 18-19; Col. 1, 20-22.

26. Cfr. 1Ped. 2, 2; Mt. 16,24; Lc. 14, 27.

27. Cfr. Rom. 8, 29; Col. 1,18.

28. Cfr. Rom. 8, 1-11.

29. Cfr. 2 Cor. 4,14.

30. Cfr. Fil. 3,10; Rom. 8,17.

31. Cfr. Conc. Vat. II, Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium, cap. II, n. 16: AAS 57 (1965), p. 20.

32. Cfr. Rom. 8,32.

33. Cfr. Liturgia Pascal bizantina.

34. Cfr. Rom. 8,15 e Gal. 4,6; Jo. 1,12 e Jo. 3, 1-2.

Capítulo II

1. Cfr. João XXIII, Enc. Mater et Magistra, 15 maio 1961: AAS 53 (1961) p. 401-464; Enc. Pacem in terris, 11 abril 1963: AAS 55 (1963), p. 257-304; Paulo VI, Enc. Ecclesiam suam, 6 agosto 1964: AAS 54 (1964), p. 609-659.

2. Cfr. Lc. 17,23.

3. Cfr. S. Tomás, 1 Ethic. lect. 1.

4. Cfr. João XXIII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961), p. 418. Cfr. também Pio XI, Enc. Quadragesimo anno: AAS 23 (1931), p. 222 ss.

5. Cfr. João XXIII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961), P. 417.

6. Cfr. Mc. 2,27.

7. Cfr. João XXIII, Enc. Pacem in terris: AAS 55 (1963), p. 266.

8. Cfr. Tg. 2, 15-16.

9. Cfr. Lc. 16, 19-31.

10. Cfr. João XXIII, Enc. Pacem in terris: AAS 55 (1963), p. 299-300.

11. Cfr. Lc. 6, 37-38; Mt. 7, 1-2; Rom. 2, 1-11; 14, 10-12.

12. Cfr. Mt. 5, 45-47.

13. Cfr.. Conc. Vat. II, Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium, cap. II, 9: AAS 57 (1965), p. 12-13.

14. Cfr. Ex. 24, 1-8.

Capítulo III

1. Cfr. Gén. 1, 26-27; 9, 2-3.

2. Cfr. Salm. 8,7 e 10.

3. Cfr. João XXIII, Enc. Pacem in terris: AAS 55 (1963), p. 297.

4. Cfr. Mensagem enviada à humanidade pelos Padres Conciliares no início do Concílio Vaticano II, outubro 1962: AAS 54 (1962), p. 822-823.

5. Cfr. Paulo VI, Alocução ao Corpo diplomático, 7 janeiro 1965: AAS 57 (1965), p. 232.

6. Cfr. Conc. Vat. I, Const. dogma De fide cath., cap. III: Denz. 1785-1786 (3004-3005).

7. Cfr. Pio Paschini, Vita e opere di Galileo Galilei, 2 vol. Academia Pontifícia de Ciências, cidade do Vaticano, 1964.

8. Cfr. Mt. 24,13; 13, 24-30 e 36-43.

9. Cfr. 2 Cor. 6,10.

10. Cfr, Jo. 1,3 e 14.

11. Cfr. Ef. 1,10.

12. Cfr. Jo. 3, 14-16; Rom. 5, 8-10.

13. Cfr. Act. 2,36; Mt. 28,18.

14. Cfr. Rom. 15,16.

15. Cfr. Act. 1,7.

16. Cfr. 1 Cor. 7,31; S. Ireneu, Adversus Haereses, V, 36: PG VII, 1222.

17. Cfr. 2 Cor. 5,2; 2 Ped. 3,13.

18. Cfr. 1 Cor. 2,9; Apoc. 21, 4-5.

19. Cfr. 1 Cor. 15,42 e 53.

20. Cfr. 1 Cor. 13,8; 3,14.

21. Cfr. Rom. 8, 19-21.

22. Cfr. Lc. 9,25.

23. Cfr. Pio XI, Enc. Quadragesimo anno: AAS 23 (1931), p. 207.

24. Missal romano, Prefácio da festa de Cristo Rei.

Capítulo IV

1. Cfr. Paulo VI, Enc. Ecclesiam suam, III: AAS 56 (1964), p. 637-659.

2. Cfr. Tit. 3,4: « philanthropia».

3. Cfr. Ef. 1,3. 5-6. 13-14. 23.

4. Cfr. Conc. Vat. II, Const. dogm. De Ecelesia, Lumen gentium, cap. I, n. 8: AAS 57 (1965), p. 12.

5. Ibid. cap. II, n. 9: AAS 57 (1965), p. 14; efr. n. 8: AAS 1. c., p. 11.

6. Ibid. cap. I, n. 8: AAS (1965), p. 11.

7. Cfr. Ibid. cap. IV, n. 38: AAS 57 (1965), p. 43, com a nota 120.

8. Cfr. Rom. 8, 14-17.

9. Cfr. Mt. 22,39

10. Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium, cap. II, n. 9: AAS 57 (1965), p. 12-14.

11. Cfr. Pio XII, Alocução aos cultores de história e de arte, 9 março 1956: AAS 48 (1956), p. 212: «O seu divino fundador, Jesus Cristo, não lhe deu nenhum mandato nem fixou nenhum fim de ordem cultural. O fim que Cristo lhe assinala é estritamente religioso (...) A Igreja deve conduzir os homens a Deus, para que eles se Lhe entreguem sem reservas (...) A Igreja jamais poderá perder de vista este fim estritamente religioso, sobrenatural. O sentido de todas as suas actividades, até ao último cánon do seu Direito, não pode ser outro senão concorrer para isso directa ou indirectamente.

12. Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium, cap. I, n. 1: AAS 57 (1965), p. 5.

13. Cfr. Hebr. 13,14.

14. Cfr. 2 Tess. 3, 6-13; Ef. 4,28.

15. Cfr. Is. 58, 1-12.

16. Cfr. Mt. 23, 3-33; Mc. 7, 10-13.

17. Cfr. João XXIII. Ene. Mater et Magistra, IV: AAS 53 (1961), p. 456-457; e I: 1. c., p. 407, 410-411.

18. Cfr. Const. dogm. De Ecelesia, Lumen gentium, cap. III, n. 28: AAS 57 (1965), p. 34-35.

19. Ibid. n. 28: AAS, 1, c., p. 35-36.

20. Cfr. S. Ambrósio, De Virginitate, cap. VIII, n. 48: PL 16, 278.

21. Cfr. Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium, cap. II, n. 15: AAS 57 (1965), p. 20.

22. Cfr. Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium, cap. II, n. 13: AAS 57 (1965), p. 17.

23. Cfr. Justino, Dialogus cum Tryphone, cap. 110: PG 6, 729 (ed. Otto), 1897, p. 391-393: «...sed quanto magis talia nobis infliguntur, tanto plures alii fideles et pii per nomen Jesu fiunt». Cfr. Tertuliano, Apologeticus, cap. 50, 13: PL 1,534; Cchr, ser. lat., I, p. 171: «Etiam plures efficimur, quotiens metimur a vobis: semen est sanguis christianorum», Cfr. Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium, cap. VII, n. 48: AAS 57 (1965), p. 53.

24. Cfr. Const. dogm. Lumen Gentium c 2 n. 15: AAS 57 (1965), p. 21.

25. Cfr. Paulo VI, Alocução, 3 fev. 1965: L'Osservatore Romano, 4 fev. 1965.

II PARTE

Capítulo I

1. Cfr. S. Agostinho, De bono coniugali: PL 40, 375-376 e 394. S. Tomás, Summa Theol., Suppl. Quaest. 49 art. 3 ad 1; Decretum pro Armenis: Denz.-Schön. 702 (1327) ; Pio XI, Ene. Casti Connubii: AAS 22 (1930), p. 543-555, Denz.-Schön. 2227-2238.

2 Cfr. Pio XI, Enc. Casti Connubii: AAS 22 (1930), p. 546-547; Denz.-Schön. (3703-3714).

3. Cfr. Os. 2; Jer. 3, 6-13; Ez. 16 e 23; Is. 54.

4. Cfr. Mt. 9,15; Mc. 2, 19-20; Lc. 5, 34-35; Jo. 3,29; 2 Cor. 11,2; Ef. 5,27; Apoc. 19, 7-8; 21,2 e 9.

5. Cfr. Ef. 5,25.

6. Cfr. Conc. Vat. II, Const. dogm. De Ecelesia, Lumen gentium: AAS 57 (1965), p. 15-16; 40-41; 47.

7. Pio XI, Enc. Casti Connubii: AAS 22 (1930), p. 583.

8. Cfr. 1 Tim. 5, 3.

9. Cfr. Ef. 5, 32.

10. Cfr. Gén. 2, 22. 24; Prov. 5, 18-20; 31, 10-31; Tob. 8,4-8; Cant. 1, 2-3; 2,16; 4,16-5,1; 7, 8-11; 1 Cor. 7, 3-6; Ef. 5, 25-33.

11. Cfr. Pio XI, Enc. Casti Connubii: AAS 22 (1930), p. 547-548; Denz.-Schön. 2232 (3707).

12. Cfr. 1 Cor. 7,5.

13. Cfr. Pio XII, Alocução Tra le visite, 20 janeiro 1958: AAS 50 (1958), p. 91.

14. Cfr. Pio XI, Enc. Casti Connubii: AAS 22 (1930), p. 559-561: Denz.-Schön. 3716-3718; Pio XII, Alocução ao Congresso da União Italiana de parteiras, 29 de outubro 1951: AAS 43 (1951), p. 835-854; Paulo VI, Alocução ao Sacro Colégio, 23 junho 1964: AAS 56 (1964), p. 581-589. Certas questões que requerem outras investigações mais aprofundadas, foram confiadas, por mandato do Sumo Pontífice, a uma Comissão para o estudo da população, da família e da natalidade; uma vez terminados os seus trabalhos, o Sumo Pontífice pronunciará o seu juízo. No actual estado da doutrina do magistério, o sagrado Concílio não pretende propor imediatamente soluções concretas.

15. Cfr. Ef. 5,16; Col. 4,5.

16. Cfr. Sacramentarium Gregorianum: PL 78, 262.

17. Cfr. Rom. 5,15 e 18; 6 5-11; Gál. 2,20.

18. Cfr. Ef. 5, 25-27.

Capítulo II

1. Cfr. Introdução, n. 4-10.

2. 2 Cfr. Col. 3, 1-2.

3. Cfr. Gén. 1,28.

4. Cfr. Prov. 8, 30-31.

5. Cfr. S. Ireneu, Adversus Haereses, III, 11, 8: ed. Sagnard, p. 200; cfr. ibid. 16,6: p. 290-292; 21, 10-22: p. 370-371; 22, 3; p. 378; etc.

6. Cfr. Ef. 1,10.

7. Cfr. Palavras de Pio XII ao R. P. M.-D. Roland-Gosselin: «É preciso não perder nunca de vista, que o objectivo da igreja é evangelizar e não civilizar. Se ela civiliza, é pela evangelização» (Semana social de Versailles, 1936, p. 461-462).

8. Conc. Vat. I, Const. Dei Filius, e. IV: Denz. 1795, 1799 (3015, 3019). Cfr. Pio XI, Enc. Quadragesimo anno: AAS 23 (1931), p. 190.

9. Cfr. João XXIII, Enc. Pacem in terris: AAS 55 (1963), p. 260.

10. Cfr. João XXIII, Enc. Pacem in terris: AAS 55 (1963), p. 283; Pio XII, Radiomensagem, 24 dezembro 1941: AAS 34 (1942), p. 16-17.

11. Cfr. João XXIII, Enc. Pacem in terris: AAS 55 (1963), p. 260

12. Cfr. João XXIII, Discurso inaugural do Concílio, 11 outubro 1962: AAS 54 (1962), p. 792.

13. Cfr. Const. De Sacra Liturgia, sacrosanctum concilium n. 123: AAS 56 (1964), p. 131; Paulo VI, Discurso aos artistas romanos: AAS 56 (1964), p. 439-442.

14. Cfr. Conc. Vat. II, Decreto De institutione sacerdotali, Optatam totius, e Declaração de educatione christiana, Gravissimum educationis.

15. Cfr. Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium, cap. IV, n. 37: AAS 57 (1965), p. 42-43.

Capítulo III

1. Cfr. Pio XII, Mensagem, 23 março 1952; AAS 44 (1952), p.273; João XXIII, Alocução à A. C. Italiana, 1 maio 1959: AAS 51 (1959), p. 358.

2. Cfr. Pio XI, Enc. Quadragesimo anno: AAS 23 (1931), p. 190 s.; Pio XII, Mensagem, 23 março 1952:AAS 44 (1952), p. 276 s.; João XXIII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961), p. 450; Conc. Vat. II, Decreto De instrumentis communicationis socialis, Inter mirifica, cap. I, n. 6: AAS 56 (1954), p. 147.

3. Cfr. Mt. 16,26; Lc. 16 1-31; Col. 3,17.

4. Cfr. Leão XIII, Enc. Libertas praestantissimum, 20 jun. 1888: AAS 20 (1887-88), p. 597 s.; Pio XI, Enc. Quadragesimo anno: AAS 23 (1931), p. 191 s.; ID., Enc. Divini Redemptoris: AAS 29 (1937), p. 65 s.; Pio XII, Mensagem natalícia 1941: AAS 34 (1942), p. 10 s.; João XXIII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961), p. 401-464.

5. Quanto ao problema da agricultura, cfr. sobretudo João XXIII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961), p. 341 s.

6. Cfr. Leão XIII, Enc. Rerum Novarum: ASS 23 (1890-1891), p. 649-662; Pio XI, Enc. Quadragesimo anno: A.AS 23 (1931), p. 200-201; ID., Enc. Divini Redemptoris: AAS 29 (1937), p. 92; Pio XII, Radiomensagem na vigília do Natal de 1942: AAS 35 (1943),.p. 20; ID., Alocução, 13 junho 1943: AAS 35 (1943), p. 172; ID:, Radiomensagem aos operários espanhóis, 11 março 1951: AAS 43 (1951), p. 215; João XXIII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961), p. 419.

7. Cfr. João XXIII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961), p. 408, 424, 427; a palavra «curatione» foi tirada do texto latino da Enc. Quadragesimo anno: AAS 23 (1931), p. 199. Sob o aspecto da evolução desta questão. cfr. também Pio XII, Alocução, 3 junho 1950: AAS 42 (1950), p. 485-488; Paulo VI, Alocução, 8 junho 1964: AAS 56 (1964), p. 574-579.

8 Cfr. Pio XII, Enc. Sertum laetitiae: AAS 31 (1939), p. 642; João XXIII, Alocução consistorial: AAS 52 (1960), p. 5-11; ID., Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961), p. 411.

9. Cfr. S. Tomás, Summa Theol. II-II, q. 32, a. 5 ad 2; Ibid. q. 66, a. 2; cfr. explicação em Leão XIII, Enc. Rerum Novarum: AAS 20 (1890-1891), p. 651; cfr. também Pio XII, Alocução, 1 junho 1941: AAS 33 (1941), p. 199; ID., Radiomensagem natalícia 1954: AAS 47 (1955), p. 27.

10. Cfr. S. Basílio, Hom. in Mud Lucae «Destruam horrea mea», n. 2: PG 31, 263; Lactâncio, Divinarum institutionum, L. V., de iustitia: PL 6, 565 B; S. Agostinho, In Joann. Ev. tr. 50, n. 6: PL 35, 1760; ID., Enarratio in Ps. CXLVII, 12: PI: 37, 192; S. Gregório M., Homiliae in Ev., hom. 20: PL 76, 1165; ID., Regulae Pastoralis liber, parte III, cap. 21: PL 77, 87; S. Boaventura, In III Sent. d. 33, dub. 1 (ed. Quaracchi III, 728) ; ID. In IV Sent., d. 15, p. II, a. 2, q. 1 (ed. cit. IV, 371b) ; q. de superfluo (ms. da Bibl. mun. de Assis, 186, ff. 112ª-113ª; S. Alberto Magno, In III Sent., d. 33, a. 3. sol. 1 (ed. Borgnet XXVIII, 611) ; ID., In IV Sent., d. 15, a. 16 (ed. cit. XXIX, 494-497). Quanto à determinação do supérfluo actualmente, cfr. João XXIII, Mensagem radiotelevisiva, 11 setembro 1962. AAS 54 (1962), p. 682: «Dever de cada homem, dever urgente do cristão é considerar o supérfluo com a medida das necessidades alheias, e de vigiar que a administração e a distribuição dos bens criados sejam dispostas para vantagem de todos».

11. Nesse caso, vale o antigo principio: «na necessidade extrema, todas as coisas são comuns, isto é, todas as coisas devem ser tornadas comuns». Por outro lado, segundo o modo, extensão e medida em que se aplica o principio no texto aduzido, além dos autores modernos aprovados: cfr. S. Tomás, Summa Theol. H-II, q. 66, a. 7. É claro que para a recta aplicação do princípio todas as condições moralmente exigidas devem ser respeitadas.

12. Cfr. Decr. Gratiani, C. 21, d. LXXXVI (ed. Friedberg I, 302). Este dito encontra-se já em PL 54, 491 A e PL 56, 1132 B. (cfr. Antonianum 27 (1952), p. 349-366).

13. Cfr. Leão XIII, Enc. Rerum Novarum: AAS 20 (1890-1891), p. 643-646; Pio XI, Enc. Quadragesimo anno: AAS 23 (1931), p. 191; Pio XII, Radiomensagem, 1 junho 1941: AAS 33 (1941), p. 199; ID., Radiomensagem na vigília de Natal 1942: AAS 35 (1943), p. 17; ID., Radiomensagem, 1 setembro 1944: AAS 36 (1944), p. 253; João XXIII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961), p. 428-429.

14. Cfr. Pio XI, Enc. Quadragesimo anno: AAS 23 (1931), p. 214; João XXIII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961), p. 429.

15. Cfr. Pio XII, Radiomensagem, Pentecostes 1941: AAS 44 (1941), p. 199. João XXIII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961), p. 430.

16. Para o recto uso dos bens segundo a doutrina do Novo Testamento, cfr. Lc. 3,11; 10,30 s.; 11,41; 1 Ped. 5,3; Mc. 8,36; 12, 30-31; Tg. 5, 1-6; 1 Tim. 6,8; Ef, 4,28; 2 Cor. 8,13; 1 Jo. 3, 17-18.

Capítulo IV

1. Cfr. João XXIII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961), p. 417.

2. Cfr. ID., ibid.

3. Cfr. Rom. 13, 1-5.

4. Cfr. Rom. 13,5.

5. Cfr. Pio XII, Radiomensagem, 24 dezembro 1942: AAS 35 (1943), p. 9-24; 24 dezembro 1944: AAS 37 (1945), p. 11-17, João XXIII, Enc. Pacem in terris: AAS 55 (1963), p. 263, 271, 277-278.

6. João XXIII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961), p. 415-418.

7. Pio XI, Alocução aos dirigentes da federação Universitária Católica: Discorsi di Pio XI (ed. Bertetto), Turim, vol. 1 (1960), p. 743.

8. Cfr. Conc. Vaticano II, Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium, n. 13: A.AS 57 (1965), p. 17.

9. Cfr. Lc. 2,14.

Capítulo V

1. Cfr. Ef. 2, 16; Col. 1, 20-22.

2. Cfr. João XXIII, Enc. Pacem in terris, 11 abril 1963: AAS 55 (1963), p. 291: Por isso, nesta nossa idade, que se gloria da força atómica, é fora de razão pensar que a guerra é um meio apto para ressarcir os direitos violados».

3. Cfr. Pio XII, Alocução, 30 setembro 1954: AAS 46 (1954), p. 589; Radiomensagem, 24 setembro 1954: AAS 47 (1955), p. 15 s.; João XXIII, Enc. Pacem in terris: AAS 55 (1963), p. 286-291; Paulo VI, Alocução na Assembleia das Nações Unidas, 4 outubro 196'5: AAS 57 (1965), p. 877-885.

4. Cfr. João XXIII, Ene. Pacem in terris, onde se fala da diminuição dos armamentos: AAS 55 (1963), p. 287.

5. Cfr. 2 Cor. 6, 2.

Conclusão

1. Cfr. João XXIII, Enc. Ad Petri Cathedram, 29 junho 1959: AAS 55 (1959), p. 513.

2. Cfr. Mt. 7, 21.



Nenhum comentário:

Postar um comentário